Edição 466 | 01 Junho 2015

As complexidades contemporâneas abertas pela chave da teologia

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Ricardo Machado | Foto: João Vitor Santos

Pensar o agir em termos teológicos na perspectiva do Vaticano II requer, como propôs Karl Rahner ao analisar o evento conciliar há 50 anos, pensar os movimentos que a prática implica na fé: “Se as toneladas de papel do Concílio não provocarem uma grama de fé ou caridade a mais, o Concílio então não será nada” — Karl Rahner. Sob a luz cinquentenária da provocação de Rahner, Érico Hammes, Johan Konings e Olga Consuelo Velez Caro participaram da Mesa-redonda – O novo teologizar a partir do Vaticano II, que reuniu, novamente, um grupo de mais de cem pessoas no Auditório Central da Unisinos, em São Leopoldo, durante o II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade.

Superar o substantivo Teologia pelo verbo teologizar é um dos desafios mais presentes à Igreja e que volta ao cenário católico com os insistentes pedidos do Papa Francisco para que a Igreja saia à rua. Isso implica observar a palavra Jesus e pensar seu significado menos como objeto de culto e mais como de seguimento. “Na época da Nouvelle Théologie, voltar às origens foi o apelo à teologia. Naqueles anos, ser tradicional sem ser conservador era não voltar ao Concílio de Trento e à medievalidade, mas, sim, voltar aos primórdios de Paulo”, explica Johan Konings, professor doutor das Faculdades Jesuítas de Belo Horizonte. 

É da natureza dos verbos suscitarem ação. Nesse sentido, Érico Hammes, professor doutor da Pontifícia Universidade Católica – PUCRS, sustenta que a teologia tem muito que progredir. “A verdade dos fatos não se reduz à forma como a Igreja Católica Apostólica Romana vive os fatos. Um dos grandes ganhos do Concílio Vaticano II foi possibilitar que as pessoas aprendessem não somente sobre a própria teologia, mas sobre as outras. Não se admite que um estudante de teologia não saiba que os luteranos creem na Santíssima Trindade”, pontua.

Ao relacionar os “novos” teólogos ao atual período histórico, Hammes os classificou metaforicamente como “nativos do Vaticano II” e apresentou os paradoxos na postura de alguns mais jovens. “Os nativos do Vaticano II têm, às vezes, uma sensação nostálgica de uma liturgia de que jamais participaram, o que gera um anseio de restauração. Para quem passou do pré para o pós-Concílio a relação com o Vaticano II permanece como um grande ganho”, avalia o professor. 

O Norte do Sul

“Vou partilhar desde o ‘Norte’ do Sul”. Assim Olga Consuelo Velez Caro, professora doutora da Pontificia Universidad Javeriana, na Colômbia, começou sua avaliação sobre os rumos da teologia com seu jeito tipicamente latino de ser. Com um sorriso nos lábios e um português marcado pelo sotaque espanhol, Olga faz um olhar prospectivo sobre a teologia desde um outro tipo de sensibilidade, a feminina. “As verdadeiras luzes do Vaticano II são o novo olhar eclesial, um novo olhar social, um novo olhar sobre a história, um novo fundamento da teologia cristã. A opção pelos pobres é o novo paradigma teológico”, defende a professora.

Olga chamou atenção para o fato de que ainda há muita resistência ao que foi proposto pelo Vaticano II, e que a sua impressão é de que a mentalidade entre os estudantes de teologia é a do Vaticano I. “Ouvi recentemente de um padre do Peru, que falava contra a Teologia da Libertação, que a Igreja deveria fortalecer o capitalismo, porque o capitalismo gera empresa e a empresa gera emprego”, recorda Olga. “Por isso nosso desafio de conversão é constante e seria bom que fosse uma conversão atenta ao pluralismo cultural, religioso e da teologia com outras ciências”, sugere.

Miragem do mar tranquilo

De acordo com Erico Hammes, uma falsa impressão que se tem ao ler os documentos do Vaticano II é que se está navegando em um mar tranquilo. “Imediatamente após o Concílio começaram as críticas. Isso fica evidente quando lemos os documentos da Congregação da Doutrina da Fé e, mesmo na prática, na forma como as pessoas que buscaram novos caminhos foram torpedeadas”, retoma Hammes. 

Para Hammes uma nova forma possível de fazer teologia passa pela transformação dos padres. “Os alunos (de teologia) devem ser levados a conhecer melhor as Igrejas e as Instituições cristãs. Uma característica de destaque da teologia pós-conciliar é a aprendizagem da teologia a partir de outras religiões”, frisa.

Sentido vivo

“No Concílio coloca-se a Bíblia em relação com a liturgia, o que dá um lugar de honra à Bíblia. Então a renovação litúrgica deverá ter a primazia na escuta da palavra”, propõe Johan Konings. “A Bíblia não ilumina apenas a doutrina, mas deita o olhar sobre a sociedade que oferece os temas que devem ser iluminados por ela. O estudo da sagrada escritura deve ser a alma da teologia, e o próprio sentido metafórico da palavra alma é respiração, a Bíblia é a respiração da teologia”, complementa.

Ao repensar a importância da Bíblia às análises prospectivas da teologia, Konings sugere que se faça uma leitura mais hermenêutica e menos argumentativa. “Fazer uso da Bíblia para empoderar determinadas teses teológicas não faz jus ao sentido de ouvir palavra, portanto deixe-a falar por si mesmo, no sentido da memória que Deus fez com seu povo”, indica o teólogo. “A obediência da palavra não pode se basear somente no estudo da letra, mas em ouvir o mundo, que é, ao mesmo tempo, o destinatário e quem dá um sentido vivo aos textos”, analisa. ■

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