Edição 466 | 01 Junho 2015

Os ares do Concílio Vaticano II em movimento

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João Vitor Santos | Tradução Vanise Dresch

Christoph Theobald destaca que o encontro deixa mais do que documentos, traz novos ares para a Igreja. E, no pontificado de Francisco, os ares são postos em movimento

Quando é promovido um encontro, reunião ou assembleia — especialmente se é muito longo -, a expectativa fica pela sua conclusão. Em geral, essa conclusão e as ideias debatidas são materializadas em escritos, cartas de intenção, documentos em geral. O Concílio Vaticano II, enquanto grande encontro eclesial, gerou seus documentos. No entanto, para entender as propostas desse encontro é preciso ir além desses papéis. Para o teólogo francês Christoph Theobald, o maior legado do Vaticano II é a experiência vivida, a narrativa que se construiu ao longo das assembleias. “É, em primeiro lugar, a experiência que foi vivida pelos bispos. Uma experiência que tem várias facetas. Na verdade, é a experiência de ouvir juntos a palavra de Deus. Ouvi-la novamente no mundo moderno”, destaca.

No entanto, se engana também quem pensa que essa experiência se deu só entre os bispos reunidos dentro da Basílica de São Pedro. “O Concílio Vaticano II foi o primeiro a ser difundido pelas mídias de massa, televisão e rádio”, recorda Theobald. O efeito disso foi o compartilhamento dessa experiência com os demais cristãos. Foi como se a Igreja estivesse aberta, dialógica e deliberativamente. “Havia observadores e também uma espécie de osmose que vivi, enquanto jovem cristão, entre opinião pública e o que estava acontecendo dentro do Concílio. Isso dava outra imagem da tradição católica e cristã”, completa.

Ao longo da entrevista, concedida à IHU On-Line durante o II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade, Theobald também reflete sobre como essa experiência do Concílio aparece no pontificado de Francisco. O teólogo ainda analisa do que trata a chamada “Reforma de Francisco” e fala sobre o tema do diálogo inter-religioso na França.

Christoph Theobald é professor do Centre Sèvres – Facultés Jésuites de Paris. Também é diretor da revista Recherches de Science Religieuse, e colaborador em diversas redes de reflexão teológica. Dentre seus escritos, destacam-se as seguintes obras: A revelação (2002), Transmitir um Evangelho de Liberdade (2007), ambas publicadas no Brasil por Edições Loyola, e O cristianismo como estilo: uma maneira de fazer teologia na pós-modernidade (2007). Sobre o Vaticano II, sua grande obra é La Réception du Concile Vatican II: Accéder à la source I (Paris: du Cerf, 2009, 944pp). O segundo volume deverá ser publicado no final de 2017. A obra mais recente de Le Concile Vatican II. Quel avenir ? (Paris : Cerf, 2015) 

Nos Cadernos Teologia Pública, uma publicação do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, foram publicados três artigos de Cristoph Theobald. Confira no final da entrevista. Ainda neste mês de junho será publicada, em Cadernos Teologia Pública, a conferência de C. Theobald proferida no II Colóquio Internacional IHU sobre o Concílio Vaticano II. 50 anos depois.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - O que foi, simbolicamente, o Concílio Vaticano II? Quais as diferenças de outros concílios?

Christoph Theobald – O Concílio Vaticano II foi o primeiro a ser difundido pelas mídias de massa, televisão e rádio. Eu lembro muito bem: era ainda um menino numa escola não católica, e às 9h, na hora da abertura do Concílio, o professor responsável veio falar conosco. Disse que algo histórico estava acontecendo e que deveríamos ir para casa assistir ao Concílio pela televisão. Foi um choque inicial para mim essa assembleia enorme, com 2300, 2500 bispos num palco muito teatral. Não sabia exatamente o que era, mas logo percebi que era um acontecimento histórico.

A segunda coisa que também contou e pode servir como analogia com os dias de hoje é a figura do Papa João XXIII . Estávamos habituados com a estatura do Papa Pio XII , aquela estatura vertical e asséptica. Agora, tínhamos as formas redondas do Papa João XXIII, que encarnava e simbolizava a bondade. Era um cristianismo de bondade vivido por muitos na época.

Um terceiro aspecto que destaco, simbolicamente: vimos pela primeira vez uma Igreja deliberativa. Não só que celebra, mas que faz perguntas, debate, delibera, discorda. E eu me lembro de uma sexta-feira à noite, estávamos em família à mesa para o jantar, e ouvimos um famoso jesuíta contar sobre como foi a semana no Concílio. Isto tornou minha fé católica de jovem muito viva, questionadora e acho que minha vocação de teólogo surgiu nesse momento. 

Percebemos aí a pretensão do Concílio de reinterpretar a fé cristã no mundo contemporâneo. Para mim, de certa forma, foram esses pontos que fascinaram as pessoas e há uma opinião favorável a respeito dele. Foi uma fase de descolonização, havia as nações emergentes e se percebia como estava surgindo na época uma Igreja que habitava a totalidade do planeta.

 

IHU On-Line – Com esse seu relato, percebemos que as pessoas de fora da Igreja viveram o clima do Concílio. Correto?

Christoph Theobald – Exatamente. Pela primeira vez o Concílio não se deu unicamente dentro da Basílica. Havia observadores e também uma espécie de osmose que vivi, enquanto jovem cristão, entre opinião pública e o que estava acontecendo dentro do Concílio. Isso dava outra imagem da tradição católica e cristã. Devo acrescentar que minha mãe era protestante convertida ao catolicismo. Este é um ponto importante, pois ela viveu esse momento como uma grande libertação. Ela se tornou católica depois da guerra, e viveu pela primeira vez a experiência ecumênica.

 

IHU On-Line - Assim, é impossível afirmar que o legado do Vaticano II são seus documentos?

Christoph Theobald – Não, não são somente os documentos. É, em primeiro lugar, a experiência que foi vivida pelos bispos. Uma experiência que tem várias facetas. Na verdade, é a experiência de ouvir juntos a Palavra de Deus. Ouvi-la novamente no mundo moderno. Além disso, havia a experiência da liturgia. Vários textos nos mostram que a diversidade da liturgia gerou um aprendizado dentro do Concílio. Podemos descobrir isso nesse momento, formando uma unidade. É o que chamei de gramática gerativa do Concílio.  É uma maneira de interpretar o que está nas escrituras, da palavra de Deus, de uma forma atual. 

Na verdade, é viver a interioridade, a experiência da oração tanto individual como comunitária. Tudo isso junto numa experiência de deliberação. Evidentemente que nem todos os bispos ouvem a Palavra de Deus da mesma maneira. Nem todos os bispos interpretam da mesma maneira os textos históricos. Os bispos e as comunidades não entendem também como essa polifonia pode se tornar uma verdadeira música. Aí que surge a imagem central de João XXIII, de uma Igreja pentecostal, dando sentido a isso.

 

IHU On-Line - Quais são as potencialidades pastorais de Gaudium et Spes ? Como entender essa constituição?

Christoph Theobald – A primeira potencialidade de futuro de Gaudium et Spes é o fato de nos propor uma maneira de proceder, discernindo os sinais dos tempos. Gaudium et Spes pela primeira vez é um texto consciente de seu enraizamento histórico. O que estamos dizendo aqui não é atemporal. O hoje de ontem, o hoje de hoje, o hoje de ontem e de amanhã não é o mesmo presente. Essa interpretação do mundo moderno e das escrituras que precisa ser recomeçada cada vez que houver mutações da história na sociedade. Isso é notável, uma espécie de consciência histórica e ao mesmo tempo um método que não é pronto e acabado.

É preciso reconhecer, pois existem elementos — e isso foi muito discutido — que apontam para o inacabamento do Concílio Vaticano II. É preciso distinguir o método e o resultado obtido em 1965 com a tarefa de recomeçar esse trabalho que o Concílio realizou. O que demonstro  é que a situação entre 1965 e 2015 é completamente outra, trata-se de um ponto a ser discutido desde outro paradigma social e de tempo. Este é o primeiro resultado.

A segunda potencialidade de futuro é o que podemos chamar de visão messiânica do cristianismo. Ou seja, o horizonte não é somente a Igreja e apenas os seres humanos presentes, mas sim, também, o futuro da humanidade. Mas afinal, qual é o futuro da humanidade em todas estas mutações? É aqui que a tradição bíblica e judaica, em particular a tradição cristã, convoca para o que Teilhard de Chardin  chama de ponto Ômega; ou seja, uma espécie de orientação. Esta visão messiânica foi muito marcada pelo grupo que chamamos no Concílio de Igreja dos Pobres. Um grupo que se formou em 1962, bem no início do Concílio, com várias pessoas importantes e que desejou que o eixo do Concílio fosse voltado para a evangelização dos pobres. Não foi assim, mas influenciou muito o Concílio. Dom Helder Câmara  estava nesse grupo. 

É notável que esse grupo influenciou todos os grandes textos do Concílio. Por isso que no início de Gaudium et Spes temos essa fórmula de que tudo que é humano tem eco no coração de um cristão e em particular aquilo que acontece com os pobres. Temos aí essa visão, que não é integralista, englobando o mundo, e sim uma visão messiânica que tenta alcançar o último na sociedade. São as duas grandes potencialidades de futuro desse texto.

 

IHU On-Line - É uma potencialidade que se pode dizer que leva em conta a cultura local?

Christoph Theobald – Sim. É o global e local ao mesmo tempo. Porque já percebemos que no Vaticano II há uma espécie de articulação entre os dois níveis. Há uma civilização global que está nascendo. Ainda não pudemos perceber bem, naquele momento, as ambiguidades dessa civilização global — o capitalismo, o liberalismo, também não percebíamos a questão ecológica, por exemplo. Ainda assim, é o global compreendido a partir do local. No local o menos é o que é mais importante.

 

IHU On-Line - O senhor defende uma mudança na estrutura eclesial? Por quê? Como?

Christoph Theobald – Vamos, antes, nos entender sobre essa questão de mudança de estrutura. A hierarquia não pode existir sem o que Lumen gentium, capítulo II, chama de “povo de Deus”. E aí está a relação com a questão anterior. Ou seja, povo messiânico, diz o texto, que em primeiro lugar é uma expressão local. Mas que também tem uma expressão global. Esse povo é muito pequeno. Aí que surge a ideia, no Vaticano II, de que esse povo está na diáspora. 

Em 1965, estamos saindo da cristandade que engloba tudo e chegamos a uma Igreja de muitas células locais. Voltamos àquela ideia do Novo Testamento, de que toda a Igreja está presente num lugar. A Igreja de Corinto, Atenas, Roma eram pequenas células. Igrejas locais e caseiras, então uma diáspora, uma dispersão. Estamos chegando cada vez mais, na Europa, à situação de uma igreja em diáspora. E aí que surge a questão da estrutura. O que vai contar nesse momento? O que vai contar, em primeiro lugar, na linha da primeira carta de Paulo, é o carisma de um e de outros. 

A Igreja não tem que se compreender a partir da hierarquia. Ela precisa ser compreendida a partir daquilo que Deus dá de fato a cada um dos fiéis. E é nessa associação com o bem comum, o carisma, aquilo que cada um representa para o bem comum da comunidade, é aí que encontramos o lugar do ministério. No Vaticano II, há concepções diferentes do ministério. De um lado a concepção muito sacerdotalizante, que nos vem do Concílio de Trento , e mais na figura do padre que acompanha, que educa e que se preocupa com os carismas de cada um dos fiéis. É a garantia da unidade.

 

IHU On-Line - Pensando assim, podemos dizer que essa reforma das estruturas a que se refere está relacionada à reforma de Francisco, que vai para além de uma reforma da Cúria?

Christoph Theobald – Sim. Há algo muito interessante no Papa Francisco que já tem uma história. Durante o Vaticano II, Paulo VI esteve muito sensível ao decreto sobre a missão. 

Em relação à concepção da missão, estamos saindo de uma divisão bipartite do mundo, de uma parte já cristianizada e os países ainda em missão. Diria que temos uma eclesiologia para os países já cristianizados, é a Lumen Gentium , e uma eclesiologia para os países de missão, que depende da Propaganda Fide e isso é Ad Gentes . Há, portanto, uma espécie de desequilíbrio. Em 1975 se descobre que, por fim, todos os países são de missão, cristianizados ou não. Há um famoso texto de 1944, do Cardeal Suhard , de Paris, intitulado “França país de missão”. Então, devemos dizer: Europa país de missão, Ásia país de missão, América Latina país de missão... E como se vê, isso aparece pela primeira vez na Evangelii Nuntiandi.  

A ideia de reforma está presente no início do Vaticano II. A ideia de missão emerge progressivamente. As duas nunca estão ligadas. Mas, com o Papa Francisco, há uma convergência das duas. É da missão que vem a ideia de saída que permite que a Igreja se reforme a si mesma. Esse é o aspecto original da ideia. 

Tem razão ao dizer que é mais do que uma simples reforma da Cúria. Ligado a isso está a noção dos discípulos, de missionários. A comunidade é missionária, a diocese é missionária, a Igreja não deve mais estar centrada sobre si mesma. Ela deve estar descentrada em direção a Cristo e à sociedade nas quais está inserida. Então, para uma reforma da Cúria, no centro desta, não deveria figurar a Congregação para Doutrina da Fé , e sim uma congregação para missão, o anúncio do Evangelho. Este é o ponto original do Papa Francisco.

 

IHU On-Line - Então, a reforma da Cúria é parte muito pequena da reforma proposta por Francisco?

Christoph Theobald – Sim. Mas, mesmo assim, essa questão é importante por ser simbólica. Podemos entender a reforma da Cúria como uma simples reforma administrativa e já tivemos algumas reformas da Cúria. Reforma burocrática, redução de pessoal... Mas o problema é: será que a Igreja precisa dessa Cúria? E aí entra outro problema com relação à mudança estrutural que é a descentralização. A questão do local e global entra aqui. Como entender a Igreja a partir da Igreja universal ou compreendê-la a partir das comunidades e Igrejas locais? 

Podemos pensar numa ideia de descentralização em que os continentes recebem uma autoridade. A Igreja de Roma interviria como uma corte de apelação ou cassação. Seria um tribunal superior. Mas estamos longe disso. Por enquanto, é utópico, pois a transferência de competências é muito complicada. E a Cúria está presente demais no imaginário do católico. Mas observe o primeiro gesto do Papa Francisco, primeiro Papa que vem de outro continente. Seu primeiro gesto foi fazer-se acolher como bispo pela Igreja de Roma. Não primeiramente como Papa, mas primeiro como bispo de Roma. E este gesto é extraordinário, de recepção, pois ele se inclinou para o que o povo o abençoasse como novo bispo. Só depois ele abençoou o povo.

 

IHU On-Line - Quais suas expectativas sobre a próxima encíclica de Francisco, que deve tratar do Meio Ambiente?

Christoph Theobald – É um dos pontos decisivos que mudou desde o Vaticano II. Uma questão que emerge, dentro de nosso sistema capitalista neoliberal, é como viver a transição energética e demográfica, duas coisas intimamente relacionadas, juntamente com uma transição ecológica? Essa é a tripla transição. Podemos ter, aqui, cenários catastróficos. Na tradição bíblica, tivemos cenários apocalípticos. Jesus, de vez em quando, usava ameaças: “como vocês podem dizer que as coisas vão melhorar? A torre caiu sobre as pessoas, mas também pode cair sobre vocês se não se converterem”. Cenários catastróficos não vão fazer com que a humanidade se converta. E aí que surge algo muito específico da tradição cristã: é uma esperança. 

Qual é o desafio ecológico? Consideramos que o planeta que conhecemos hoje foi herdado por nós. Somos os herdeiros e não fizemos nada por este planeta, e temos a responsabilidade de transmiti-lo para as gerações futuras para que ainda continue sendo habitável. Isto já é dizer implicitamente que a humanidade não é feita de uma, duas, três ou quatro gerações habitando o planeta, mas que a humanidade é uma unidade que engloba todas as gerações. Dizer isso é dizer implicitamente a ressurreição. Como cristão, é uma maneira de representar a ressurreição. Nós acreditamos que o planeta não é só para nós, mas também para as próximas gerações que nascerão e que ainda não conhecemos. 

Não podemos agir unicamente como se o planeta pertencesse somente à nossa geração e que com nossa morte tudo acaba. Devemos agir de modo a pensar que a terra tem de permanecer para os outros. A fé na ressurreição nos permite ver isso. Encontrar energia, a força interior para mudar nossos comportamentos. Esta é a contribuição da fé cristã para a questão ecológica e para essa tripla transição, geracional, energética e ecológica. 

 

IHU On-Line - De que forma o estudo teológico incide sobre a fé?

Christoph Theobald - A fé não é algo evidente. Senão, deixaria de ser fé. Isso vale para a existência individual, e para que alguém viva toda a sua vida é preciso entender que isso valha a pena. Às vezes, atravessamos situações que não são fáceis e novamente nos vemos diante da questão: nossa existência tem sentido? Não podemos separar a fé desse questionamento fundamental. É notável na enunciação quando lembro daquela cena, no início de Lucas, em que Maria é uma mulher que questiona. E quando ela questiona: ‘seja feita de acordo com a tua palavra’. Mas isso supõe que ela interroga o interlocutor. Eu penso que honrar a Deus é interrogá-lo. As grandes questões de ‘por que’, ‘até quando’, ‘onde estás’, são vistas nas grandes figuras proféticas da tradição bíblica. Até a última questão de Jesus: ‘meu Deus, por que me abandonaste?’. 

 

Tento ilustrar através desses exemplos que a fé sempre está em busca de compreensão. E compreender não é destituir. É nos conduzir sempre para uma maior profundidade do mistério da existência humana, do planeta no qual vivemos, e por fim do mistério de Deus. Essa é a tarefa da Teologia. Desde o Vaticano II, há uma nova tarefa para a Teologia. Vivemos numa pluralidade de culturas e sempre nos descobrimos diante de uma Bíblia plural, que é uma biblioteca, que precisamos interpretar. Interpretar a Bíblia, a tradição, a pluralidade das culturas. Sem teologia é impossível anunciar o Evangelho de maneira ajustada a cada cultura. Esta é a tarefa da teologia de hoje. 

 

Às vezes, encontramos um movimento de sentimentalização da fé. Como se a fé fosse algo aéreo, longínquo, distante da existência cotidiana. Se a fé for encarnada, ela tem uma tarefa de interpretação. Isso é muito importante para aqueles que anunciam o Evangelho, os pregadores, aqueles que fazem a catequese fazer teologia. É difícil expressar o Evangelho de maneira simples. Qual a dificuldade? Podemos nos perguntar como Jesus fez isso? Ele falou através de parábolas, que são formas complexas de se expressar não expressam um sentido moralizador simplesmente.

 

IHU On-Line - O tema diálogo inter-religioso é tratado no Concílio Vaticano II e está muito presente no pontificado de Francisco. Esse é um tema ainda muito delicado na França? Como a Igreja na França conduz essa discussão?

Christoph Theobald – É uma questão delicada, porque na França houve os acontecimentos de janeiro com Charlie Hebdo e há uma tradição laica. Há duas coisas envolvidas no diálogo inter-religioso. Em primeiro: qual é o lugar que a sociedade dá para a expressão das religiões? Percebemos atualmente que a simples distinção a que tende a laicidade francesa estabelece entre o público e o privado, pressupõe que na esfera pública haja ausência total do religioso, que deve manter sua religiosidade somente na vida privada. Isso não pode funcionar. O Vaticano II não expressa apenas a liberdade religiosa, mas milita também pela liberdade da expressão das religiões. E quando as religiões aparecem no espaço público, torna-se muito complicado. 

Surge aqui uma segunda questão: a troca entre as religiões. Por isso que o termo diálogo inter-religioso é ambíguo. Diria que se trata inicialmente de diálogo cotidiano, entre os muçulmanos e cristãos. Na minha comunidade jesuíta, a grande parte das pessoas que trabalham é muçulmana. Como viver então juntos cotidianamente? Há questões de vida que se apresentam. Nos subúrbios parisienses, como as pessoas vivem o dia a dia? Aí que está o respeito, os cristãos sendo convidados pelos muçulmanos e vice-versa. É uma espécie de hospitalidade que pode se formar e, em longo prazo, pode transformar as coisas. ■

Leia mais...

As grandes intuições do futuro do Concílio Vaticano II: a favor de uma “gramática gerativa” das relações entre Evangelho, sociedade e Igreja. Cadernos de Teologia Pública, edição 77;

As narrativas de Deus numa sociedade pós-metafísica: O cristianismo como estilo. Cadernos de Teologia Pública, edição 58;

Lumen Fidei. “Uma fé mais itinerante que doutrinal”. Entrevista com Christoph Théobald, publicado em Notícias do Dia, de 13-07-2013, no sítio IHU;

- Perfil - Christoph Theobald, publicado na IHU On-Line 315, de 16-11-2009;

''Caros jovens, estudem teologia.'' Artigo de Christoph Theobald, publicado em Notícias do Dia, de 27-06-2014, no Sítio IHU;

O cristianismo como estilo. Entrevista com Christoph Theobald, publicada na IHU On-Line 308, de 14-09-2009;

Por uma Igreja pluripatriarcal e não somente centrada em Roma. Entrevista à edição 408 da IHU On-Line, de 12-11-2012.

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