Edição 465 | 18 Mai 2015

Abertura da Igreja: um longo caminho a percorrer

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João Vitor Santos e Leslie Chaves | Tradução: Walter O. Schlupp

Helmut Schüller afirma que grande parte da comunidade católica anseia por transformações, que ainda estão distantes, apesar das propostas de Bergoglio

De acordo com Helmut Schüller, a boa receptividade do Papa entre os clérigos de diversos países, como acontece na Áustria, por vezes contrasta com a “falta de engajamento corajoso dos bispos para a reforma da Igreja, já que ela agora é possível”. Embora a postura de Francisco de proximidade com os fiéis, manifestada através de seus gestos, linguagem e modo de viver simples, e seu esforço em dar movimento à Igreja, as “mudanças consistirão principalmente na liberação de importantes temas para ampla discussão, como acesso ao sacerdócio para homens e mulheres casados, participação dos batizados e membros (homens e mulheres) nas decisões da Igreja, nova linguagem da fé em doutrina e liturgia”, ressalta. Segundo Schüller, essas discussões mais polêmicas ainda estão longe da pauta da Igreja.

Por outro lado, também salienta a existência de “muitas comunidades vivas, a saber, ali onde as pessoas se sentem bem-vindas, onde há espaço para suas perguntas, corresponsabilidade também, como a participação nas decisões, e engajamento a serviço de pessoas”, diz. Ao longo da entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ainda abordou seu posicionamento relacionado ao Apelo à Desobediência, manifesto defendido pela Iniciativa dos Párocos Austríacos, grupo de padres liderado por Schüller com o objetivo de levar a público as preocupações com a queda do número de sacerdotes e as excessivas pressões sofridas por eles, além da fusão de paróquias. “Na pastoral, damos prioridade à nossa consciência, em vez de seguir o direito canônico; e não queremos ser coadjuvantes da negativa, até agora vigente, de se fazer uma reforma radical da Igreja por parte da direção da Igreja mundial”, explica. 

Helmut Schüller é sacerdote, teólogo, foi diretor da Caritas em Viena, entre os anos de 1988 e 1991, quando passou a presidir a organização em toda a Áustria. Em decorrência desse trabalho, recebeu o título de monsenhor, em 1991. Desde 2011, é capelão universitário e assistente espiritual da Associação Acadêmica Católica da Arquidiocese de Viena. Atualmente ele é presidente da Pfarrer-Initiative (Iniciativa dos Párocos), importante movimento de padres que pedem mudanças na Igreja católica

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Como o pontificado de Francisco tem repercutido na Áustria? De que maneira a Igreja austríaca vê o pontificado dele?

Helmut Schüller - Na Áustria o Papa goza de receptividade muito positiva junto à base da Igreja. Porém muitos sentem falta de engajamento corajoso dos bispos para a reforma da Igreja, já que ela agora é possível.

 

IHU On-Line - O senhor já comentou o Papado de Francisco com a seguinte declaração: “Grandes sinais, mas nenhuma mudança de sistema”. Quais são os sinais expressos no pontificado de Francisco e que mudanças o senhor esperava com o pontificado dele?

Helmut Schüller - Os novos sinais do Papa são sua linguagem que procura ser simples, seu estilo de vida modesto, seu interesse pelas ideias dos fiéis, como se viu, por exemplo, na ampla enquete preliminar ao sínodo extraordinário no ano passado. Mas também sua exortação aos padres, de ficarem próximos às pessoas, seu empenho por uma Igreja disposta ao risco e que esteja junto às pessoas, sua reforma do sistema financeiro do Vaticano, seu anúncio de descentralizar o poder do Papa em favor das conferências episcopais, etc.

Mudanças consistirão principalmente na liberação de importantes temas para ampla discussão: acesso ao sacerdócio para homens e mulheres casados, participação dos batizados e membros (homens e mulheres) nas decisões da Igreja, nova linguagem da fé em doutrina e liturgia. Nesses pontos, por enquanto, nada aconteceu ainda.

 

IHU On-Line - Em que consiste a iniciativa, da qual o senhor participa, Pharrer Initiative (Iniciativa dos Párocos) e que lançou o ‘Apelo à Desobediência’?  

Helmut Schüller - Nosso Apelo para a Desobediência significa que, na pastoral, damos prioridade à nossa consciência, em vez de seguir o direito canônico; e não queremos ser coadjuvantes da negativa, até agora vigente, de se fazer uma reforma radical da Igreja por parte da direção da Igreja mundial; nisso somos solidários com o povo da Igreja, que com imensa maioria espera por essa reforma há muito tempo. Anteriormente tentamos várias vezes um diálogo com o Papa Bento. Por ora ainda não se percebe se algo vai mudar nessa situação.

 

IHU On-Line - Entre as suas propostas de reforma da Igreja, sugere que fiéis também preguem nas paróquias sem párocos, e também sugere que o sacerdócio seja estendido às mulheres e aos casados. Como fundamenta essas propostas de mudanças? O que mudaria na Igreja caso essas sugestões fossem incorporadas?

Helmut Schüller - O acesso de mulheres e homens casados ao sacerdócio acabaria com a exclusão de muitos vocacionados e talentosos. Com isso a Igreja também eliminaria um grave erro em sua linguagem corporal: a mensagem bíblica proclama a semelhança a Deus do ser humano tanto como homem quanto como mulher, mas a Igreja não vive isso em suas estruturas.

 

IHU On-Line - O senhor tem declarado que é preciso reformar a Igreja porque as paróquias estão vazias. A que atribui o fato de elas terem se esvaziado e que em consistiria uma reforma nesse sentido? Como, a partir de uma reforma, as paróquias deixariam de ser vazias?

Helmut Schüller - De forma alguma vejo apenas comunidades eclesiais esvaziadas, mas também muitas comunidades vivas, a saber, ali onde as pessoas se sentem bem-vindas, onde há espaço para suas perguntas, corresponsabilidade também, como a participação nas decisões, e engajamento a serviço de pessoas na área da comunidade enquanto aspecto prático da communio com Jesus Cristo e entre si na Eucaristia.

 

IHU On-Line - Que aspectos do Concílio Vaticano II são atualizados no pontificado de Francisco?

Helmut Schüller - O Concílio Vaticano II principalmente recolocou o povo de Deus no centro, definindo os ministérios como ministérios de serviço. Ele trouxe novo compromisso para encontrar a unidade com as outras Igrejas cristãs e desencadeou uma nova maneira de encarar as outras religiões. Ele devolveu às pessoas a celebração da eucaristia como celebração da comunidade. E deixou claro que a Igreja precisa abrir-se para o dia de hoje e estar disposta a aprender com a sociedade. A realização dessas aberturas ainda é um caminho bem longo.

Leia mais...

- ''Grandes sinais, mas nenhuma mudança de sistema'', afirma Helmut Schüller sobre Francisco. Reportagem publicada nas Notícias do Dia no sítio do IHU, de 06-03-2014;

- ''A Igreja deve se abrir''. Entrevista com Helmut Schüller publicada nas Notícias do Dia no sítio do IHU, de 05-03-2014;

- A necessidade de evangelizar a Igreja institucional. Entrevista com Helmut Schüller publicada nas Notícias do Dia no sítio do IHU, de 05-08-2013;

- Padre Helmut Schüller, da Iniciativa dos Párocos, visita 15 cidades dos EUA. Reportagem publicada nas Notícias do Dia no sítio do IHU, de 10-07-2013;

- ''As paróquias estão vazias. É preciso reformar a Igreja''. Entrevista com Helmut Schüller publicada nas Notícias do Dia no sítio do IHU, de 07-03-2013;

- O ''rebelde da Igreja'' promete uma ofensiva em 2012. Reportagem publicada nas Notícias do Dia no sítio do IHU, de 15-12-2011;

- ''Apelo à desobediência'' sacode a Igreja austríaca. Reportagem publicada nas Notícias do Dia no sítio do IHU, de 17-11-2011;

- Movimento dos párocos austríacos vai continuar "desobediente". Reportagem publicada nas Notícias do Dia no sítio do IHU, de 12-11-2011.

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