Edição 464 | 27 Abril 2015

Aprovação do PL 4330 e o declínio do modelo desenvolvimentista

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Patrícia Fachin

Na avaliação do sociólogo Ruy Braga estamos diante de uma derrota histórica para os trabalhadores

Se a lei da terceirização for aprovada, em cinco anos “haverá uma inversão estrutural no mercado de trabalho no Brasil”, afirma Ruy Braga à IHU On-Line. A estimativa do sociólogo é de que as 49 milhões de carteiras assinadas neste ano diminuam para 15 milhões, e o número de 12,7 milhões de trabalhadores terceirizados aumente para 28 milhões. Contrário à aprovação da lei, Braga enfatiza que “se a terceirização acabasse de hoje para amanhã, seria possível criar um milhão de novos empregos no mercado de trabalho brasileiro formal”. 

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Braga explica que o PL 4330 tramitou no Congresso Nacional durante os últimos dez anos em que ocorreu “o apogeu e o declínio de um modelo de desenvolvimento”. Segundo ele, “nos 12, 13 anos de sucessivos governos petistas, a dinâmica da efetivação e da ampliação de direitos trabalhistas não esteve na pauta” e tampouco “se fala, por exemplo, de uma lei para reduzir a jornada de trabalho, a qual continua com a jornada de 44 horas; não se fala em uma lei que é absolutamente necessária, urgente, que vai ao encontro novamente dos interesses históricos desses trabalhadores, que é uma lei contra a demissão imotivada, ou seja, certa estabilidade para estancar essa sangria que é a rotatividade do trabalho no Brasil”.

Para ele, o único modelo alternativo ao PL 4330 é “colocar fim às terceirizações; precisamos de uma lei contra a demissão imotivada e precisamos distribuir o trabalho de maneira mais igualitária, ou seja, diminuir a jornada de trabalho sem a diminuição de salários”. 

Ruy Gomes Braga Neto é especialista em Sociologia do Trabalho e leciona no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP, onde coordenou o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania – Cenedic. Publicou recentemente A pulsão plebeia: trabalho, precariedade e rebeliões sociais(São Paulo: Alameda, 2015) e é autor, entre outros, do livro A política do precariado (São Paulo: Boitempo, 2012).

Confira a entrevista. 

 

IHU On-Line - Durante os anos 1980, teóricos do mundo do trabalho criticavam a CLT porque ela não permitia a ampliação de direitos. Contudo, após a aprovação do PL 4330, discute-se a defesa da CLT, e temas como redução da jornada de trabalho, por exemplo, ficam de lado. Como entender essa total reversão e a defesa da CLT como única alternativa para os trabalhadores? 

Ruy Braga – O que precisamos compreender de início é o significado histórico da CLT. Muitos disseram, em certo momento da história intelectual brasileira, que a CLT havia surgido no regime varguista a fim de cooptar a classe trabalhadora brasileira para seu projeto de Estado autoritário. Mas o que se percebeu, na verdade, tendo em vista o avanço do conhecimento que se tem sobre a história do entre guerras no Brasil, foi que a CLT se tornou uma lei que foi o produto de décadas de lutas sindicais e populares, inclusive com uma participação dos setores médios da sociedade, que se enfrentaram contra relações sociais arcaicas, em grande medida cristalizadas na República Velha, mas que deitavam raízes muito profundas na Sociedade Imperial e no sistema escravagista. 

Então, a CLT foi uma espécie de momento não apenas de modernização das relações de trabalho, mas de cristalização e consolidação de uma série de conquistas trabalhistas que se acumulam ao longo das décadas de 1920 e 1930. Eu me lembro, por exemplo, da grande greve de 1917, da luta tenentista, das greves da década de 1930, que se multiplicaram com muita importância, e a participação e a atuação dos sindicatos e principalmente do Partido Comunista na década de 1930; ou seja, há um conjunto de forças sociais gravitando em torno do mundo do trabalho que se organizam e conquistam a CLT como uma lei propriamente moderna para aquele período e que ao mesmo tempo viabilizava uma espécie de projeto de nação. Digo isso por quê? Porque ao se promulgar a CLT, em 1943, se tem na verdade a criação de um campo legítimo de disputas em torno das questões do trabalho, das classes sociais, que foi rapidissimamente ocupado pelos trabalhadores, não apenas os daquela primeira onda de imigração europeia, sobretudo espanhóis, portugueses e italianos, mas a CLT preparou aquela segunda onda de migração que foi a migração dos trabalhadores do Nordeste, das cidades do interior de Minas Gerais para os centros urbanos, que se industrializavam muito rapidamente nesse período. 

A CLT foi um ponto chave para que o país consolidasse propriamente um projeto moderno, não apenas de Estado, mas que também apontasse na direção de um projeto de modernização da sua própria estrutura social tendo a industrialização à frente. Nesse sentido, digo que a CLT, historicamente, é um marco imprescindível do desenvolvimento brasileiro, ainda que ela, evidentemente, tenha muitos limites e limitações que dizem respeito basicamente a esta tutela do Estado sobre os sindicatos, a esse controle sobre os trabalhadores — o que, evidentemente, é algo que produz o debate e que deve ser efetivamente superado. 

No entanto, do ponto de vista da proteção, da cristalização de direitos, da constituição deste campo legítimo de disputas em torno da questão do trabalho, a CLT, ainda hoje, é imprescindível e, nesse sentido, ela vai ao encontro dos interesses dos trabalhadores em combinar melhorias na renda, na qualificação e na proteção trabalhista. 

 

IHU On-Line – A CLT ainda pode ser criticada? 

Ruy Braga – Acredito que a CLT pode ser criticada por várias razões, mas não pelas razões que ela tem sido criticada contemporaneamente, que basicamente diz respeito à questão da proteção do trabalhador, ao patamar mínimo de proteção ao trabalhador. Compreendo que a CLT cria, ao ser promulgada, uma situação histórica na qual se tem a lei — isso que estou chamando de um campo legítimo —, só que essa lei não está enraizada na estrutura social. Então, os trabalhadores se mobilizam exatamente para tentar aproximar esse espírito da CLT das condições reais de trabalho e é nesse processo que advém uma dinâmica de conquistas de direitos trabalhistas, como, por exemplo, a conquista do 13º salário, do salário-mínimo, das férias remuneradas, uma série de conquistas que só foram fundamentalmente possíveis porque se apoiaram sobre a CLT. 

Por isso, a CLT não deve ser objeto de crítica, ela deve ser objeto de admiração dos trabalhadores. Sei que existe esta tese da cooptação, mas não advogo esta tese, não acho que a CLT foi um instrumento de cooptação, porque foi um instrumento de consolidação de lutas de classes, com limites, mas que foram progressistas na sua época. 

 

IHU On-Line - Como fica a discussão sobre outras pautas, como a redução da jornada de trabalho e ampliação de direitos a partir da aprovação do PL 4330?

Ruy Braga – Infelizmente nesse último período de 12, 13 anos de sucessivos governos petistas, a dinâmica da efetivação e da ampliação de direitos trabalhistas não esteve na pauta. O que ocupou de fato a pauta do governo foram as políticas redistributivas ao estilo do Programa Bolsa Família, o aumento dos gastos sociais do governo com aquela fatia da população que está fora do mercado de trabalho. A dinâmica dos direitos trabalhistas não esteve em pauta, a não ser com a questão do Projeto de Emenda Constitucional das empregadas domésticas, que iguala os direitos trabalhistas delas aos demais trabalhadores, o qual ainda não foi regulamentado, mas que está sendo discutido. Com essa exceção, não houve de fato um impulso por parte do PT e, evidentemente, com a conivência da CUT na direção da ampliação de direitos trabalhistas. Não se fala, por exemplo, de uma lei para reduzir a jornada de trabalho, a qual continua com a jornada de 44 horas; não se fala em uma lei que é absolutamente necessária, urgente, que vai ao encontro novamente dos interesses históricos desses trabalhadores, que é uma lei contra a demissão imotivada, ou seja, certa estabilidade para estancar essa sangria que é a rotatividade do trabalho no Brasil. 

Não há propriamente essa agenda sendo levada adiante pelas forças governistas, por forças de oposição de esquerda que são minoria no cenário sindical e no cenário político brasileiro. O que posso concluir disso tudo é que o PL 4330, caso seja finalmente aprovado e sancionado, se inscreve nessa lógica de moderação sob o ponto de vista das forças progressistas, em torno da questão do trabalho, que estão dentro do governo, que acaba levando a uma derrota histórica. Cede-se tanto que, agora, esse processo de ceder sempre e de nunca avançar acabou por transformar-se em uma derrota histórica para os trabalhadores. A rigor a PL aprovada significa o fim da CLT. 

 

IHU On-Line - Por que o tema do trabalho não esteve em pauta nos governos petistas? 

Ruy Braga – É uma questão muito sensível que atinge fundamentalmente os interesses de classe. Os governos do PT não foram governos de enfrentamento de interesses de classe. Foram, ao contrário, governos de pacificação desses interesses e reprodução dessas tensões. Evidentemente fizeram de tudo para evitar que se abrisse um flanco muito largo de uma área de atrito muito acentuada contra os interesses da burguesia brasileira. 

 

IHU On-Line - Isso se aplica à CUT e às centrais sindicais de modo geral? 

Ruy Braga - Sem dúvida nenhuma. A CUT se acomoda em um modelo de sindicalismo de gabinete, de negociação de pequenas concessões com a área do trabalho, ou a área do planejamento, ou a área da Fazenda do governo. A CUT ficou muito focada nessa negociação com o governo federal, deixando de lado uma série de reinvindicações históricas, deixando de lado um investimento mais acentuado na militância de base e assim por diante. 

Os mesmos sindicatos “cutistas” que fazem e fizeram greve nesse último período são muitos; eles normalmente fazem greves, em grande medida, contra os interesses da própria CUT em mobilizá-los. É uma dinâmica complexa, problemática, cheia de tensões, mas a rigor o que se vê é uma insatisfação muito grande nas bases, uma pressão sobre os sindicalistas que atuam nas bases, uma negociação muito problemática com esses sindicalistas que estão próximos ao governo, que assumem funções no governo, nos fundos de pensão. Enfim, é uma dinâmica sindical de conjunto muito mais complexa do que se tinha no passado, mas sempre apostando nessa via ou nessa direção da pacificação desses conflitos de classe. 

 

IHU On-Line - O que isso demonstra em relação à esquerda como um todo? 

Ruy Braga - Esse naufrágio do governo petista, principalmente do governo Dilma Rousseff, coloca toda a esquerda brasileira contra a parede. Não é apenas uma derrota do PT; porque a derrota do PT influencia e contamina todas as demais forças políticas, principalmente as forças políticas de oposição de esquerda, que fizeram oposição intransigente ao governo federal e agora se veem na iminência de ter que ir para defensiva, uma vez que a direita tem avançado e os setores médios conservadores têm atacado, têm ido para as ruas, se mobilizado. 

Acredito que é possível, através de um processo de construção política, renovar o projeto da esquerda brasileira, que efetivamente teria de ser um projeto de esquerda contra, fundamentalmente, essas políticas de austeridade, ajustes e ataques aos interesses dos trabalhadores que têm sido implementadas pelo governo federal, mas que seja capaz de reaglutinar um terceiro polo de oposição de esquerda que fortaleça e seja capaz de inspirar, atrair os trabalhadores para uma pauta mais progressista. É um trabalho de reconstrução de esquerda que vai durar bastante tempo. 

 

IHU On-Line - É possível visualizar de onde poderia vir esta renovação?

Ruy Braga - O cenário, tal como se apresenta hoje, envolve fundamentalmente uma articulação de partidos políticos de oposição de esquerda, notoriamente o PCB, o PSTU e o PSOL em aliança com novos movimentos sociais, como os movimentos sociais de luta pela moradia, o MTST, a frente de luta por moradia, todos esses setores que efetivamente estão protagonizando ocupações nos centros das cidades, que têm enfrentado as dinâmicas de expulsão dos trabalhadores precarizados para as periferias mais longínquas da cidade, juntamente com os sindicatos que se colocam nessa perspectiva de oposição de esquerda ao governo, de defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores. 

Esse é um pouco o terreno da formação de uma nova coalizão que sustente um polo de esquerda, alternativo a essa bipolaridade PT-PSDB, e que se apoie fundamentalmente sobre a aliança entre trabalhadores precarizados de um lado, sindicatos de outro, movimentos sociais, juventude, luta antiproibicionista, setores que efetivamente estão descontentes com esse atual modelo de desenvolvimento, porque percebem seus limites com mais contundência. 

 

IHU On-Line - Quais são as razões de fundo que explicam a aprovação do PL? O que está acontecendo no Brasil? Que mudanças estão se dando no mundo do trabalho e que favorecem esse tipo de medida?

Ruy Braga – O PL é de 2004 e pega este período de 10 anos no qual se tem o apogeu e o declínio de um modelo de desenvolvimento; ou seja, uma combinação entre um regime de acumulação apoiado sobre a exploração do trabalho assalariado barato com um modo de regulação que prima pela tentativa de pacificação social, sobretudo tendo em vista a integração das lideranças tradicionais do movimento social brasileiro ao aparelho de Estado. Esse modelo de desenvolvimento começa a claudicar do ponto de vista econômico a partir de 2009, 2010, com o processo de desaceleração econômico e a integração do Brasil no contexto da crise internacional que se reproduz, e que de alguma maneira ainda está atuando nesse cenário mais global. E, por outro lado, se tem um desafio a essa hegemonia lulista que se colocou no coração “desse modo de enrolação” dos conflitos de classe no país nesse último período, apoiado na pacificação social. Há uma espécie de deslocamento, uma transição de um modelo de desenvolvimento que claudica a partir de 2009, 2010 e dá mostras muito contundentes de fadiga e posterior esgotamento. 

Agora um novo modelo está sendo testado e transita de uma ênfase na exploração do trabalho assalariado barato — esses milhões e milhões de empregos que foram criados que pagam até 1,5 salário-mínimo — para uma situação na qual se tem um tipo de acumulação que se apoia principalmente sobre a dinâmica da espoliação social: espoliação de direitos é o que estamos vendo com as medidas 664, 665 e o PL 4330; espoliação dos fundos públicos do orçamento público, ou seja, um avanço do rentismo, o aumento da taxa de juros, sequestro da dívida pública por poucos credores, poucas famílias, etc.; e uma espoliação que se dá na base de um aprofundamento da espoliação urbana, ou seja, as pessoas são cada vez mais deslocadas para mais distante dos centros urbanos e assim sucessivamente. Com isso se tem, basicamente, uma dinâmica de espoliação que vai progressivamente ocupando espaço e se tornando mais importante do que aquelas dinâmicas de exploração do trabalho assalariado que nós vimos no período passado. Vivemos um momento de transição que aponta para outro modelo, um sistema distinto, alternativo, não o contrário, mas alternativo ao que estamos vendo hoje.  

 

IHU On-Line - Quais são as implicações da aprovação do PL para a CLT? Como a lei da terceirização, caso aprovada, põe fim à CLT?

Ruy Braga – Há, por exemplo, as negociações pelas categorias. Trabalhadores diretamente contratados garantem, além da efetivação de direitos, benefícios e uma série de conquistas que o terceirizado não tem. O terceirizado tem muita dificuldade de se associar sindicalmente, de ser representado, o que consequentemente implica um afastamento daqueles direitos, conquistas e benefícios que a categoria principal já alcançou. O trabalhador terceirizado recebe 30% a menos, trabalha três horas a mais, é submetido a uma dinâmica de rotatividade de trabalho que é muito mais intensa — basicamente o dobro do trabalhador diretamente contratado —, o que significa, entre outras, que aqueles benefícios, como o 13º, 1/3 de férias, tendem a se diluir e a se tornar cada vez mais distantes. Imagina que um trabalhador não terceirizado, diretamente contratado, fique dois anos como trabalhador contratado, com isso se tem aí dois salários-mínimos, férias, todos os direitos garantidos; o trabalhador terceirizado trabalha quatro meses e é demitido, fica dois meses parado, volta, trabalha mais cinco meses, é demitido, fica três meses parado, volta ao mercado e trabalha mais seis meses — ou seja, aquilo que seria o 13º vai se diluindo porque ele nunca consegue completar os 12 meses que garantiriam propriamente o 13º dele. É um afastamento daqueles direitos que já são consolidados para os trabalhadores diretamente contratados. 

Há uma série de implicações também do ponto de vista da arrecadação: as empresas terceirizadas geralmente recolhem menos tributos porque são menores. Há empresas terceirizadas — que é a regra basicamente — que não pagam os direitos, às vezes recolhem, mas não os repassam para a União. Há empresas que faliram e o trabalhador não sabe nem onde está a sede dessa empresa, ou seja, o mercado de trabalho é desestruturado de uma forma que degrada o trabalhador e ao mesmo tempo deteriora as relações sociais em um sentido muito profundo.  

Esse aprofundamento da mercantilização do trabalho é deletério do ponto de vista dos interesses da sociedade, porque haverá menos arrecadação, consequentemente haverá uma queda nos gastos sociais, um aumento no número dos acidentes de trabalho, um aumento no número de mortes, uma compressão da massa salarial, que significa menos consumo. Uma série de desdobramentos que, sem dúvida nenhuma, são deletérios do ponto de vista dos interesses da sociedade de uma maneira em geral e dos trabalhadores em especial. 

 

IHU On-Line – Que cenário vislumbra em relação ao número de trabalhadores terceirizados caso a lei seja aprovada?

Ruy Braga – Como ela foi aprovada em primeira instância pela Câmara, sim, haveria condições de terceirizar todas as atividades, tanto no serviço público quanto na iniciativa privada. Só que tudo isso, como foi feito de um modo muito açodado, será objeto de contestação jurídica, porque a Câmara se antecipa à decisão do Supremo. Os efeitos são estes: uma compressão do salário, uma ampliação do número de horas trabalhadas, aumento de acidentes, aumento de mortes, enfim, todos esses elementos que são degradantes do ponto de vista do trabalho. 

A implicação que estou prevendo, caso o projeto tramite e seja sancionado pela Presidência, é de que em cinco anos haverá uma inversão estrutural no mercado de trabalho no Brasil, na qual a maior parte do trabalho será terceirizada e a menor parte será diretamente contratada. Hoje se tem 49 milhões de carteiras assinadas com 12,7 milhões de trabalhadores terceirizados. Em cinco anos — essa é minha previsão — haverá algo em torno de 28 milhões de trabalhadores terceirizados, e o restante, alguma coisa em torno, talvez, de 15 milhões de trabalhadores, diretamente contratados. Então, acredito que seja este o cenário, uma inversão estrutural do mercado de trabalho no país. 

 

IHU On-Line - O que seria um modelo alternativo à terceirização? 

Ruy Braga – O trabalho não deve ser terceirizado. Não gosto de estar discutindo a regulamentação da terceirização, gostaria de estar discutindo o fim da terceirização. Se a terceirização acabasse de hoje para amanhã estaríamos criando um milhão de novos empregos no mercado de trabalho brasileiro formal, estaríamos criando uma dinâmica mais progressista e mais virtuosa de proteção, de acesso a conquistas, benefícios, garantias, inclusive pensando o próprio impulso que isso traria para um aumento no investimento em tecnologia. Eu gostaria de estar discutindo o fim da terceirização e não sua regulamentação, porque a terceirização é o “mundo cão” do trabalho, não vejo nenhuma vantagem do ponto de vista dos interesses da sociedade; vejo vantagens do ponto de vista dos capitalistas, dos empresários. 

Um modelo alternativo seria: nós precisamos colocar um fim às terceirizações; precisamos de uma lei contra a demissão imotivada e precisamos distribuir o trabalho de maneira mais igualitária, ou seja, diminuir a jornada de trabalho sem a diminuição de salários. Esse é o modelo alternativo; não vejo outra possibilidade de organizar as relações de trabalho sem essas iniciativas, porque quanto mais estruturado o mercado de trabalho, quanto mais regulamentado, quanto mais houver direitos, se terá uma dinâmica mais virtuosa em termos de renda, em termos sociais e em termos de investimento em tecnologia. 

O empresário brasileiro historicamente não investe em tecnologia porque se acomodou a explorar o trabalho barato. Se o trabalho fosse efetivamente mais regulado, ele teria que lançar mão de investimentos em P&D e em tecnologia a fim de aumentar a produtividade; mas ele não faz isso porque fica utilizando esse manejo degradante da força de trabalho, contratando e demitindo, intensificando o trabalho na base do despotismo fabril, ou seja, tudo aquilo que é contrário das pressões por aumento de investimento em tecnologia. ■

Leia mais...

 - A política do precariado no mundo do trabalho. Entrevista especial com Ruy Braga publicada nas Notícias do Dia, de 27-04-2014;

- A condição de insegurança é a regra do mundo do trabalho, hoje. Entrevista com Ruy Braga publicada na Edição 416 da IHU On-Line, de 29-04-2013; 

- O desmantelamento do estado de bem-estar social é o DNA do capitalismo. Notícias do Dia 28-09-2012;

- A política do precariado e a mercantilização do trabalho. Revista IHU On-Line número 411, de 10-12-2012.

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