Edição 462 | 30 Março 2015

“Homilia pop”: da história de Jesus aos ícones na narrativa de Superman

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João Vitor Santos

Cobertura de Evento - À luz da narrativa da vida de Cristo, Iuri Andreas Reblin propõe uma leitura das aventuras de Superman ancorada na ideia do messias salvador
Foto: João Vitor Santos/IHU

Ele não era daqui. Foi enviado pelo pai para viver entre os homens, mas não era como um deles. Tinha poderes para além da compreensão do povo e a missão de salvar a humanidade, indicando um caminho de redenção. Para isso, foi necessário seu próprio sacrifício. A leitura pode ser da bíblia, falando da vida de Jesus Cristo. Mas, também pode ser de um gibi e narrar a história de Superman. A comparação pode assustar à primeira vista. Afinal, como pode um produto da cultura pop pretensiosamente remeter a Jesus? O doutor em teologia Iuri Andreas Reblin prova que tem tudo a ver. Dentro da programação de Páscoa do IHU, o professor propôs uma releitura da cultura pop numa perspectiva teológica em sua palestra Messianismo e Cultura Pop, na noite de quarta-feira, dia 25-03. “Afinal, nas duas histórias temos esse referencial do messias enviado”, provoca Iuri.

A palestra é aberta com um clip do chamado rei do pop, Michael Jackson. Na música Heal The World, ele provoca a pensar um mundo melhor, a necessidade de uma cura mundial a partir das ações, revelando uma espiritualidade quase sacra. A reprodução funcionou como uma espécie de introdução para se pensar o que é a cultura pop. Para Iuri, “são produções artísticas e culturais que têm atração midiática, que estão na mídia”. E são representações do capitalismo, já que estar na mídia se traduz em muitos acessos e essa audiência é necessária para se converter em capital. Mas, e o apelo messiânico? O professor destaca que a cultura pop quer “pegar, tocar as pessoas”. Por isso o conceito de messias, “a vinda do salvador, características divinas, transformador da esperança”, acaba servindo como recurso para as histórias da cultura pop. “Existe sempre um potencial explorador quando se pensa na cultura da religião. Ela serve ao narrador que busca audiência de sua história”, explica.

Depois de iluminar esses conceitos, Iuri provoca os espectadores. A partir de trechos de filmes que falam da história de Superman, lembra que desde a criação essa narrativa buscava ancoragem no religioso. “Os dois jovens que criaram a primeira versão são de origem judia. Daí essa forte referência do herói como o enviado, o messias”, pontua. Referência essa que se refaz a cada nova versão da trama. Cenas do Homem de Aço na busca por sua origem e na compreensão do mundo tem link direto com a peregrinação de Jesus. Além disso, o próprio envio do bebê à Terra, a adoção por uma família no meio rural, os conflitos e momentos de reflexão são todas associações diretas ao relatos bíblicos sobre Cristo. E as associações seguem, inclusive no encontro que Superman tem com o pai.

Em se falando em cinema, para além da narrativa, a composição imagética das cenas revela inspirações sacras. O herói recluso em reflexão/oração, os conflitos, a incompreensão dos homens e até a entrega que faz de sua própria vida para salvar a humanidade — na imagem, o herói está no espaço e cai de braços abertos, em cruz, no vácuo em direção ao planeta Terra que está ao fundo. Depois do encontro com o pai, Superman encara o mal de frente e cai. Não é crucificado, mas é ferido no lado esquerdo do peito com uma lança de kriptonita — cristal de seu mundo de origem, capaz de fazer o herói sucumbir. Permanece em coma, é dado como morto e quando menos se imagina a cama no hospital está vazia. O Homem de Aço ressuscita, sai pela janela, e uma mulher acha o leito vazio. “Impossível não associar com a ideia do túmulo vazio de Jesus Cristo”, completa Iuri.

Os inúmeros elementos e fatos revelados através da pesquisa de Iuri são irrefutáveis e fica evidente que desde os criadores da história até os cineastas que a releem buscam essa ancoragem religiosa. Para além de Superman e Michael Jackson, o professor prova que esse é um recurso rotineiro na concepção de obras da cultura pop. Objetivo: sempre a conquista do público. Mas ainda fica a dúvida: para que estudar esse fenômeno pop ainda na perspectiva religiosa. “Porque a gente vê esse poder e o que causa nas pessoas”, responde, enquanto mostra imagens de pessoas que casam, reivindicam seus direitos, participam de manifestações e até de um menino vestido de super-herói que salva a amiga. Para Iuri, é preciso observar esse movimento que pode contribuir para uma reflexão acerca de uma religião que pode ir para além dos muros dos templos. Não chega a ser uma “homilia pop”, mas provoca a pensar a religião e sua influência sociológica em outros lugares.

 

Iuri Andreas Reblin

Doutor em Teologia pelo Programa de Pós-Graduação em Teologia da Escola Superior de Teologia (EST), em São Leopoldo. É autor de Para o Alto e Avante: uma análise do universo criativo dos super-heróis (Porto Alegre: Asterisco, 2008, 128p.); Outros cheiros, outros sabores... o pensamento teológico de Rubem Alves (São Leopoldo: Oikos, 2009, 223p.) e O Planeta Diário: rodas de conversa sobre quadrinhos, super-heróis e teologia (São Leopoldo: EST, 2013, 107p.). Hoje, é coordenador da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial – ASPAS e é membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião - SOTER. É professor da Faculdades EST.

Sua pesquisa está direcionada para os seguintes tópicos: cultura pop, quadrinhos, superaventura, narratividade, super-heróis, mito e religião, teologia e arte, o pensamento de Rubem Alves. Desde 2005 tem desenvolvido trabalhos no diálogo entre teologia, mídias, cultura pop, narratividade. Em 2013, recebeu o Prêmio Capes de Tese na área de Teologia.

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