Edição 461 | 23 Março 2015

Teresa de Ávila: peregrina solar que inspira a busca pelo essencial hoje

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João Vitor Santos

Lúcia Pedrosa de Pádua apresenta uma monja andarilha e questionadora em busca de sua essência como forma de inspiração para o ser humano na atualidade
Lúcia Pádua durante o evento Teresa de Ávila, a andarilha para tempos de peregrinação

A mística de Teresa de Ávila é um testemunho de como podemos ir atrás do que é essencial, de não nos acomodarmos, e usar a disciplina, a oração e a busca interior como forma de chegar ao que, hoje, chamamos felicidade. Essa leitura, apresentada pela professora da Pontifícia Universidade Católica – PUC do Rio de Janeiro Lúcia Pedrosa de Pádua, traz a história da monja com uma atualização para o momento em que vivemos. A pesquisadora entende que a busca teresiana pode inspirar a humanidade na atualidade, num tempo de desassossego que parece tomar o mundo sob a ideia de crise humanística. “É uma experiência mística que nos inspira a andar, ser peregrino nos dias de hoje”, diz. Abordagem que vai ao encontro da proposta do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, que, quando se comemora o aniversário de 500 anos de Teresa de Jesus, traz a temática da sua mística para a 12ª edição da programação de Páscoa. O evento foi aberto na quarta-feira, dia 11, e a programação segue até o dia 26 de abril.

Com projeções que levaram os espectadores a andar por uma Espanha ainda medieval, Lúcia desvela a história da jovem que fugiu de casa para ser religiosa. Pelas muralhas de Ávila e cenários por onde viveu a santa, a pesquisadora destaca que desde muito cedo Teresa se punha como questionadora e observadora. “Ela observava a condição feminina do seu tempo a partir do próprio lar. Esse espírito a levou por essa busca.” E Teresa foi se revelando essa mulher “solar”, nas palavras de Lúcia, que fundou 17 conventos carmelitas durante sua vida — somente na Espanha — e foi muito além. Fez nascer de sua experiência mística uma nova forma de se conectar com um Deus que é humano e com humanos que buscam o bem. “E para isso sua principal peregrinação foi a oração, num exercício de olhar interior, revelando todas suas imperfeições, para buscar Deus dentro de si.”

Lúcia ainda lembra que o Papa Francisco, na abertura do Ano Teresiano, destacou que é preciso “aprender a ser peregrino com a santa andarilha”. Muito mais do que reconhecer os movimentos de Teresa de Jesus e enaltecer sua obra, a pesquisadora diz que o Papa faz um resgate. “Ser chamada de andarilha e inquieta, no tempo dela, era pejorativo. Esse espírito desobediente e contumaz que levou um núncio papal — Felipe Sega — a apontar Teresa”, explica. Ou seja, Francisco faz um convite a vermos, no exemplo da santa — agora, no nosso tempo, com outro conceito de peregrino —, uma inspiração para abrirmos nossos castelos interiores — enquanto igreja, ser humano ou sociedade — para nele encontrar um Deus.

Mas o que a história de Teresa e esse movimento proposto pelo Papa pode dizer à atualidade? Para Lúcia, muitas coisas que ainda vão além dos limites da igreja. “É olhar o mundo a partir de si. É primeiro um movimento centrípeto, numa força interior, para depois chegar a um movimento centrífugo, espalhando esse conhecimento para o mundo”, destaca, ao referir que esse é o movimento que pode inspirar a sociedade em mudanças profundas e definitivas. Talvez, capazes de superar as crises mais densas, como essa que vivemos no Brasil e no mundo. Teresa de Ávila morre em 1582, e em 1588 se publica sua obra. Desde então, nunca mais para. “Significa que o leitor ainda hoje se sente contemplado. Os textos de Teresa são objeto de estudo não só teológicos, mas também literários, psicológicos...”, refere.

E essa leitura ampla da obra da santa impressiona. Lúcia lembra que médicos, historiadores e até psicanalistas buscam em Teresa caminhos para peregrinação em sua área. O resultado disso são leituras teresianas, grupos de pesquisa, que perpassam o cristianismo, servindo de bases para outras crenças e mesmo para agnósticos. Isso sem levar em conta a discussão em torno da condição da mulher, tão questionada e repensada por Teresa em seus momentos de busca e oração. “Ela se revela como uma mulher que não nasce pronta. Está sempre em movimento, em processo, em dinamismo, no limite de seu tempo. Inspiração para a mulher, hoje”, pontua.

Por fim, no próprio colóquio com Lúcia, a plateia faz emergir uma face do espírito teresiano. Isso através de questões que inquietam e provocam uma busca. A primeira questão faz refletir sobre uma Teresa mística, santa, por vezes distante do mundo dos homens e mulheres. “A historicização da vida de Teresa nos fez compreender ela melhor, no seu tempo. As pesquisas históricas contribuíram muito para isso”, responde. Ou seja, é na história que se entende a monja como mulher na condição humana daquela época, com dúvidas, anseios e questionamentos ampliando sua trajetória para além do teológico. 

E a faceta feminista de Teresa — aquela que diz que as mulheres devem ler e se libertar — provoca outra dúvida da plateia: como pode uma religiosa estimular essa busca pela liberdade e ao mesmo tempo pregar a ordem em um carmelo? “A resposta eu não tenho. É uma questão carmelita, mas também é preciso pensar nas regras como forma de libertação. Certa vez, uma carmelita me disse ‘temos tudo regradinho, certinho, para garantir nossa liberdade’. Está aí uma bela chave para pensarmos”, diz Lúcia, em meio a uma plateia reflexiva. O importante, segundo ela, é, como disse o Papa, “ser peregrino, caminhar. Mesmo que para isso se suje na lama da estrada”.

Quem é Lúcia Pedrosa de Pádua?

Lúcia Pedrosa tem doutorado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio e pós-doutorado em Teologia da Espiritualidade pela Pontificia Università Gregoriana de Roma, na Itália. É professora de Teologia e Cultura Religiosa na PUC-Rio. Ainda, exerce a função de Coordenadora da Cultura Religiosa - CRE. É professora de Cristologia no Centro Loyola de Fé e Cultura, também da PUC-RioAtaendi, Centro de Espiritualidade da Instituição Teresiana no Brasil e é membro da Comissão de Teólogas da América, da Instituição Teresiana. Entre suas obras, destacam-se Espiritualidad de Encarnación de la Institución Teresiana: una reflexión a partir de la Teología Latinoamericana (Cochabamba,  Bolívia: Editorial Serrano, 2006), O humano e o fenômeno religioso (Rio de Janeiro - RJ: PUC-Rio, 2010) e Santa Teresa. Mística para o nosso tempo (Rio de Janeiro: PUC-Rio e Reflexão, 2011).

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