Edição 459 | 17 Novembro 2014

Da Religiosa Política à Economia Política. Transformações do contexto antijesuítico no século XVII

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Ricardo Machado | Fotos: Suélen Farias

O XVI Simpósio Internacional IHU - Companhia de Jesus. Da supressão à restauração debateu o tema do antijesuitismo na tarde da terça-feira, 11-11-2014, com a conferência O antijesuitismo. Fala, figuras e lugares de antijesuitismo até os tempos modernos, proferida pelo professor Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron, da Universidade de São Paulo – USP.
Carlos Zeron na mesa-redonda O antijesuitismo. Fala, figuras e lugares de antijesuitismo até os tempos modernos

O evento, que integra a programação oficial do simpósio, foi realizado na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU, diante de um público de aproximadamente 80 pessoas. Também integrou a mesa de apresentação como debatedor o professor Eduardo Santos Neumann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

Diante de um tema absolutamente complexo, o professor Carlos Zeron fez uma longa explanação para explicar os processos de transformação das sociedades modernas emergentes à época, mais precisamente na segunda metade do século XVII. “A sociedade capitalista assumiu uma institucionalidade econômica, onde está tudo imbricado economicamente: a religião, o parentesco e a política”, argumenta, e faz a seguinte observação. “O termo economia política, apesar de ter se tornado mais popular no final do século XVIII, é cunhado no século XVII por Antoine de Montchrestien, em um tratado de economia política. Cria-se uma nova relação de práticas econômicas e do livre arbítrio. A fundamentação moral das escolhas que são feitas colabora para a requalificação e reorganização da economia”, sustenta Zeron.

Luigi Vincenzo Mamiani

O personagem ao qual o conferencista mais dedicou tempo durante sua abordagem foi Luigi Vincenzo Mamiani, que veio de Lisboa ao Brasil em 1684, permanecendo até o ano de 1700, quando retornou a Portugal. “Mamiani chega ao Brasil e convive no sertão da Bahia com tribos Quiriris e depois vai à Capitania de São Paulo, onde percebe que havia somente 1.124 índios, sem contar os 300 indígenas que trabalhavam no Colégio de São Paulo”, explica Zeron. “Isso era o resultado de um longo processo de esvaziamento dos indígenas, pois antes o número total de índios aldeados somava mais de 15 mil”, complementa.

O papel de Mamiani é importante, pois ele escreve um documento de cerca de 500 páginas que retrata como era a situação na segunda metade do século XVII no Brasil. “Há vários fatores que influenciaram na decadência dos aldeamentos na época, entre eles o crescimento da mineração no Brasil e os ciclos epidêmicos — de sarampo, inclusive — com doenças que vinham de escravos africanos”, relembra.

Regulação do trabalho

Ao chegar a São Paulo e analisar a conjuntura da época, Mamiani iniciou um trabalho de observação e descrição empírica da situação e propôs várias disposições para regular o trabalho dos indígenas. Havia, sobretudo, uma dificuldade financeira da Companhia de Jesus para gerir o Colégio de São Paulo, daí que foi necessário superar o que o próprio Mamiani chamou de “soluções especulativas” em busca de “soluções práticas e eficazes”.

“As rendas do Colégio proviam da produção agrícola ou do comércio de vários artigos — panos de algodão, curtidura — feitos pelos índios. As índias fiavam os cordões. Mamiani fez, então, um apanhado de todo tipo de atividade econômica e descreveu o ritmo do trabalho. Diz ele — Os índios trabalham do nascer do sol até duas horas depois do meio dia e frequentemente o dia todo. Quem não trabalha recebe castigo. Isso é comum a índios livres ou escravos. Todos trabalham sob as mesmas condições, recebendo a mesma vestimenta, alimentação e rotina”, esclarece Zeron.

Dívidas

De acordo com Zeron, em 1700 as rendas advindas das atividades econômicas do colégio montavam a 1,5 milhão de contos de réis. Considerando o pagamento mínimo de salário aos 300 indígenas, a ínfima quantia de 20 réis diários, somente as despesas com salários chegaria a 1,4 milhão de réis, fora todas as demais contas. “Do ponto de vista econômico, para o colégio manter seu funcionamento faltavam 300 escravos, que na época custavam muito caro. Isso torna a situação insustentável aos jesuítas não somente do ponto de vista econômico, mas também moral, o que causa tensões e escândalos entre a Companhia de Jesus e os moradores locais”, explica.

Soluções

Conforme o professor, para tentar alcançar uma solução para o caso, Mamiani então apresenta três possibilidades: transformar o colégio em residência; esperar uma esmola real que fosse suficiente para sustentar o colégio; enviar os índios livres para a região das minas e com isso conseguir capital suficiente para comprar 300 escravos africanos. “Mamiani teria dito que essa solução não configuraria matéria de ambição — sem conflito moral, portanto — porque trabalhar nas minas também seria desejo dos índios”, frisa Zeron. “Mamiani descreveu a racionalidade e a realidade socieconômica de acordo com uma complexa relação de trabalho”, complementa.

Pe. Antônio Vieira

A posição do Pe. Antôno Vieira, segundo o conferencista, é oposta à de Mamiani, pois considera que os jesuítas não têm que governar os índios, o papel dos jesuítas deve ser espiritual. “Eles deixam de governar os índios e passam a governar a consciência dos moradores. Assim, deixam para os moradores o cuidado com os índios e passam a se dirigir à consciência deles, trabalhando nos confessionários”, pontua Zeron. “Já a posição de Mamiani é buscar uma solução que vai subordinar a moral à economia, quando surge uma disputa particular entre Mamiani e Vieira”, completa o raciocínio.

Quem foi Mamiani?

Luigi Vicenzo Mamiani foi missionário e linguista. Nasceu no dia 20 de janeiro de 1652 em Pésaro. Entrou na Companhia de Jesus com 16 anos, em 10 de abril de 1668. Embarcou em Lisboa para a Bahia em 1684. Destinava-se à Missão do Maranhão, que o reclamou, não chegando a ir, mas aprendeu a língua dos índios Quiriris, entre os quais viveu, sobretudo na Aldeia do Geru, cuja Igreja fundou. Em 1700 era companheiro do Provincial. Não se adaptando inteiramente à vida brasileira, voltou para Lisboa em 1701, seguindo para a sua Pátria, onde ainda prestou serviços não só à Província do Brasil, mas a toda a Assistência de Portugal, de que era procurador em Roma em 1723, cargo em que perseverou ainda algum tempo e no qual defendeu o Padroado Português do Oriente. Faleceu a 8 de março de 1730 em Roma.

Quem é Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron

Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron possui graduação em História pela Universidade de São Paulo - USP, onde também realizou mestrado em História Social.

Doutorou-se em Histoire et Civilisations pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França, e realizou livre docência em História Moderna pela USP. Atualmente é professor titular de História da USP.

Ecos do evento

José Eduardo Franco – historiador na Universidade de Lisboa

“O evento retoma casos que marcaram a história jesuíta como os acontecimentos perplexos do ano de 1773, em que os jesuítas presenciaram o fim da Companhia e depois a sua restauração no século seguinte. O Simpósio nos ajuda a assimilar como foi essa restauração e a forma como os jesuítas voltaram a se tornar uma Ordem”.

 

Valmir Luiz Delfes – Coordenador do Colégio Catarinense

 “A palestra é extremamente oportuna, uma leitura muito bem abordada dentro do contexto de entender aquilo que foi a Supressão e quais foram as influências para que a Supressão e a Restauração  realmente acontecessem. Então, na verdade é um tipo de recorte histórico, mas com muita clareza e com muita propriedade”.

Leia mais...

- O imaginário antijesuíta em Portugal — Origens, Evolução e Metamorfose. Entrevista com José Eduardo Franco na IHU On-Line 458, de 11-10-2014. 

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