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Márcia Junges | Fotos: Nahiene Machado
A partir de um conceito de fronteira granular, tributário ao geógrafo francês Daniel Nordmann e criado para se referir ao seu país, Arenz mencionou que a geografia daquele tempo era um espaço descontínuo, sem estruturas fixas, dissociado por vãos — rede de missões e fortes no “sertão”. Trata-se de um espaço de alianças necessárias, um espaço geoestratégico (não periférico), como o acesso às minas de Cuiabá e Potosí, a abertura ao Atlântico intermediário, a ligação com Portugal, Guiné e Brasil.
Segundo Arenz, os jesuítas criaram uma rede que se sustenta e que tem grande expressividade nesse espaço amazônico. Quando a fronteira se torna mais linear e procura substituir a fronteira granular por um território unitário, os jesuítas e sua rede recebem uma outra função. O índio deixa de ser aldeado e passa a atuar como colono. “Os jesuítas negociaram muito com os índios”, observou. E a interferência portuguesa fez mudar o mundo indígena. Outro ponto importante mencionado foi a convivência dos padres com os povos originários, que não era tão harmônica e pacífica quanto os escritos edificantes querem fazer crer.
Surge, assim, espaço para diversos projetos econômicos, como o extrativismo (sobretudo cacau) e a agricultura (açúcar). Cabe salientar que a maioria das cidades ao longo do Amazonas remonta a uma missão jesuíta ainda muito presente no traçado de suas arquiteturas e espacialização.
Fundação precária da missão na Amazônia
Karl Arenz fez menção, também, à geração fundadora da missão na Amazônia. Relembrou, assim, Luís Figueira (1622-1643), com a constatação das potencialidades missionária e econômica, projeção e fundação da Missão; Antônio Vieira (1653-1661), a respeito da tutela sobre os índios (comportamento paternal) e a introdução das etapas da formação (plano), regulamentação e expansão da rede de missões; e João Felipe Bettendorff (1661-1698), a respeito da consolidação econômica e jurídica dos missionários, atenção aos colonos e autonomia das missões.
Sobre o “fim previsível” da Missão, Arenz retomou a influência do padre Roque Hundertpfund, de Lisboa, bem como do procurador da vice-província, confidente da rainha Maria Ana da Áustria, preso e expulso em 1755 (em meio às medidas pombalinas para a Amazônia). Destacou, ainda, o desterro de Lourenço Kaulen, missionário em Piraguiri (Xingu), e o exemplo de expulsão de aldeamento estratégico do interior com a convivência com os índios. Arenz estabeleceu paralelos com os padres renanos Antonio Meisterburg e Anselmo Eckart (autores), expulsos em 1757 e encarcerados em São Julião da Barra, em Lisboa, até 1777.
A título de encerramento, o historiador falou sobre a centralidade do Estado do Grão-Pará e Maranhão no contexto da política antijesuítica de Pombal, com a nomeação do irmão e governador, emancipação dos índios, afastamento dos missionários e fundação de companhia de comércio. Enumerou, ainda, a compressão da expulsão de 1759 e 1760 como processo, tomando em consideração as expulsões anteriores, inclusive 1661–1684, e a nova concepção de fronteira (linear/militar) com novos agentes, não mais índios aldeados-aliados como missionários, mas como soldados e funcionários.
Quem é Karl Heinz Arenz
Karl Heinz Arenz possui graduação e mestrado em Teologia pela Faculdade Filosófico-Teológica de Sankt Augustin, Alemanha. Tem doutorado em Teologia Dogmática com concentração em Missiologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, São Paulo-SP. Também cursou mestrado em História Moderna e Contemporânea com concentração em História do Brasil e do Atlântico Sul pela Universidade Paris IV (Paris-Sorbonne), França. Doutorou-se em História Moderna e Contemporânea com concentração em História do Brasil e do Atlântico Sul pela mesma instituição francesa. Atualmente, é professor na Universidade Federal do Pará, em Belém.
É autor de diversas publicações, das quais destacamos Levar a luz de Nossa Santa Fé aos sertões de muita gentilidade: fundação e consolidação da missão jesuíta na Amazônia Portuguesa (século XVII) (Belém: Açaí, 2012); Fazer sair da selva: as missões jesuíticas na Amazônia (Belém: Estudos Amazônicos, 2012) e São e salvo: a pajelança da população ribeirinha do Baixo Amazonas como desafio para a evangelização (Quito: Abya-Yala, 2003).
O professor participou da Mesa-Redonda Os jesuítas e as fronteiras do império: o caso da Amazônia, no dia 12 de novembro, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU. O evento fez parte da programação do XVI Simpósio Internacional IHU - Companhia de Jesus. Da supressão à restauração.
Ecos do Evento
Adilson Feiler, 38, Professor do Humanismo social cristão na UNISINOS
O que me ajudou mais na minha área foi a riqueza de detalhes que ele apresentou, com ilustrações e mapas. Isso ajudou a acrescentar elementos e a confirmar algumas suspeitas que tinha a respeito de alguns fatos históricos. Na verdade foi uma pesquisa, uma fala bastante ilustrativa, e elucidativa eu diria.
Ione Castilho, 32, Estudante de história na PUC - pós doutorado
Gostei principalmente da questão da Amazônia, de como que se processou a ocupação daquela região, a importância daquele espaço de Portugal e a relação com as outras capitanias do Brasil. O que me interessa particularmente é o Mato Grosso, onde eu morava, que é uma região que estou estudando.
Leia mais...
- Os jesuítas e as fronteiras do império. A Amazônia e a missão do Maranhão. Entrevista com Karl Arenz na IHU On-Line 458, de 10-11-2014;
- Missões jesuíticas no Maranhão e Grão-Pará. Entrevista publicada na edição 348 da IHU On-Line, de 25-10-2010.