Edição 459 | 17 Novembro 2014

Neopanafricanismo como alternativa ao neoliberalismo

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Andriolli Costa e Ricardo Machado | Colaborou: Fernanda Frizzo Bragato | Tradução: André Langer

Mbuyi Kabunda considera a ideologia neoliberal imposta aos governos africanos, segundo a qual se pode vender e comprar tudo, a nova forma de colonização do continente

A descolonialidade está para muito além das formalidades legais que tornam um país, teoricamente, livre. Nesse sentido, o professor Mbuyi Kabunda, em entrevista por e-mail à IHU On-Line, sustenta que é preciso recuperar o Neopanafricanismo. “Nkrumah fundamentou seu projeto de unidade do continente ou dos Estados Unidos da África a partir do socialismo, instaurado em todos os países africanos como base do pan-africanismo ou da unidade econômica e política do continente”, explica Kabunda. “Dito com outras palavras, todo o programa de Nkrumah consistia na instauração do socialismo marxista ou científico em todos os países africanos. Era, segundo ele, a única condição de realização da unidade africana ou do pan-africanismo. Infelizmente, sofreu a hostilidade dos interesses imperialistas instalados no continente e dos líderes do socialismo africano aliados aos interesses ocidentais”, contextualiza.

O professor, entretanto, não defende o retorno a um marxismo totalitário, mas, sim, propõe a uma perspectiva de superação da divisão nacionalista das nações africanas. “O neopanafricanismo, assim como o projeto nkrumahista, é um enfoque maximalista e uma visão federalista da união africana”, sugere.

Mbuyi Kabunda, nascido na República Democrática do Congo, é doutor em Relações Internacionais pela Universidad Complutense, Madrid, Espanha. É professor do Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo e professor de Relaciones Internacionais e Estudos Africanos do mestrado da Universidad Autónoma de Madrid - UAM. É, também, diretor da revista África América Latina Cuadernos de Solidaridad para el Desarrollo y la Paz - Sodepaz e Diretor do Observatório de Estudos sobre a Realidade Social Africana da Universidad Autônoma de Madrid.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Em que consiste pensar o neopanafricanismo hoje?

Mbuyi Kabunda - Pensar o neopanafricanismo hoje consiste em encontrar uma alternativa para o neoliberalismo mediante a adoção de outro modelo de desenvolvimento coletivo que ponha no centro os interesses e as aspirações de povos africanos, ou o afrocentrismo ou a afrocentricidade, que consiste em fortalecer as capacidades de ação e atuação dos povos africanos a partir dos saberes e práticas endógenos.

 

IHU On-Line - De que modo estas propostas se aproximam e se afastam do pan-africanismo defendido por Kwame Nkrumah  na década de 1950?

Mbuyi Kabunda - Há muitos aspectos comuns com o pan-africanismo nkrumahista: tomar o continente em sua totalidade (Estados Unidos da África) e sua organização e reestruturação sob a forma de uma federação ou confederação. Nkrumah fundamentou seu projeto de unidade do continente ou dos Estados Unidos da África a partir do socialismo, instaurado em todos os países africanos como base do pan-africanismo ou da unidade econômica e política do continente. Dito com outras palavras, todo o programa de Nkrumah consistia na instauração do socialismo marxista ou científico em todos os países africanos. Era, segundo ele, a única condição de realização da unidade africana ou do pan-africanismo. Infelizmente, sofreu a hostilidade dos interesses imperialistas instalados no continente e dos líderes do socialismo africano aliados aos interesses ocidentais. O neopanafricanismo, assim como o projeto nkrumahista, é um enfoque maximalista e uma visão federalista da união africana.

 

IHU On-Line - Quais são os fundamentos para a integração regional da África hoje?

Mbuyi Kabunda - São fundamentalmente econômicos: a organização do mundo em torno dos blocos econômicos e comerciais (União Europeia, Tratado Norte-Americano de Livre Comércio NAFTA [na sigla em inglês], Mercosul, Cooperação Econômica Ásia-Pacífico – APEC [na sigla em inglês], Associação das Nações do Sudeste Asiático - ASEAN, etc.); o PIB de todos os países africanos juntos, excluindo a África do Sul, é o equivalente ao PIB do México ou à metade do PIB da Grã-Bretanha. O que exclui qualquer possibilidade de desenvolvimento isolado, pois nenhum país africano tem a população ou os recursos suficientes para conseguir o desenvolvimento sozinho. O problema coloca-se nos termos de nos unirmos para sobreviver ou nos dividirmos para desaparecer.

 

IHU On-Line - A centralização de territórios africanos em governos únicos levou, às vezes, à dominação de diferentes etnias por grupos adversários. Como pensar em algo como os “Estados Unidos da África” levando em conta as individualidades de seus grupos componentes?

Mbuyi Kabunda - Em um mundo cheio de incertezas e desafios de toda índole, não há outra opção para os africanos senão superar suas individualidades e, particularmente, suas afinidades étnicas. Trata-se da unidade na diversidade, a unidade respeitosa das diversidades étnicas, partindo do princípio segundo o qual a uniformidade empobrece e a diversidade enriquece. Não há contradição, mas complementaridade. Além disso, não se deve demonizar as etnias ou as nacionalidades africanas que são favoráveis à unidade. São as manipulações dos dirigentes, por razões de poder político e econômico, que as convertem em integrismos ou “identidades assassinas”.

 

IHU On-Line - Que outras dificuldades estão relacionadas à integração africana?

Mbuyi Kabunda - As mais importantes são o apego às soberanias nacionais ou os nacionalismos exacerbados; a falta de complementaridade entre as economias africanas; privilegiar as relações verticais com as antigas metrópoles em detrimento das horizontais; a existência de várias moedas nacionais inconvertíveis entre si; a ausência ou escassez de infraestruturas físicas, de comunicação e produção ou de transportes entre os países africanos; o enfoque equivocado de integração, mimético, pelo mercado (livre-cambista); a falta de vontade política das classes governantes, etc.

 

IHU On-Line - No âmbito do agronegócio, devido às grandes extensões territoriais e terras pouco aproveitadas, a África é vista como uma nova fronteira agrícola. De que modo nos dias atuais isto mostra uma visão colonialista do continente?

Mbuyi Kabunda - Existe uma ameaça das terras africanas compradas pelas multinacionais e alguns governos do Norte e de outras regiões do mundo para produzir alimentos para as suas populações com um alto poder aquisitivo. Trata-se de terras étnicas, agora confiscadas pelos governos que as vendem para conseguir divisas, hipotecando o futuro no continente. É a consequência direta da ideologia neoliberal imposta aos governos africanos, segundo a qual se pode vender e comprar tudo. É uma nova forma de colonização do continente.

O problema da África é a fome, que pode ser resolvida mediante a autonomia e a soberania alimentar. Ou seja, mediante a produção de alimentos utilizando para tal efeito as terras africanas.

 

IHU On-Line - O que implica pensar em uma cooperação Sul-Sul e não Norte-Sul?

Mbuyi Kabunda - Para criar frentes comuns ou dinâmicas Sul-Sul nas negociações internacionais, promover os interesses e a solidariedade do Sul; conseguir uma nova ordem internacional mais equitativa; fomentar o regionalismo, as coalizões estratégicas, e promover a cooperação econômica, financeira e técnica entre os povos em desenvolvimento. A cooperação Sul-Sul não deve ser uma alternativa à cooperação Norte-Sul, mas complementar. A “cooperação a favor, e não contra”. Trata-se de somar, e não subtrair.

 

IHU On-Line - De que forma os dilemas do Sul global encontram eco uns com os outros?

Mbuyi Kabunda - Existe um desconhecimento total entre os povos e os movimentos sociais do Sul — latino-americanos, asiáticos e africanos — ou do Sul Global devido às políticas de exclusão de muitos governos do Sul e a serviço dos interesses neonacionalistas ou imperialistas. É preciso favorecer os contatos entre os povos indígenas, as universidades, os professores, os estudantes, os trabalhadores dos países africanos, asiáticos e latino-americanos..., para intercambiar suas experiências e promover seus interesses. A cooperação Sul-Sul não deve limitar-se aos Estados ou governos, mas estender-se também aos povos.

 

IHU On-Line - Deseja acrescentar mais alguma coisa?

Mbuyi Kabunda - O século XXI será africano. É o continente do futuro mediante uma prévia e tripla reestruturação: a interna (mediante a democratização econômica e social), a regional (mediante a integração regional popular ou a partir dos povos) e a externa, mediante a democratização das relações econômicas internacionais no sentido da justiça e da equidade. Pois, como manifestava Nelson Mandela , “a África necessita mais de justiça do que de ajuda”.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição