Edição 458 | 10 Novembro 2014

“A Companhia de Jesus morreu de êxito”

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Por Ricardo Machado | Tradução: André Langer

Pedro Miguel Lamet analisa o contexto social e político que levou à supressão da Companhia de Jesus, bem como o período de restauração da ordem

De acordo com Pedro Miguel Lamet, professor, jornalista e escritor, a mistura entre o Iluminismo — movimento social que se apresentava como sendo contra o fanatismo religioso -, uma Europa repleta de monarquias absolutistas e o regalismo foi o contexto político que levou à supressão da Companhia de Jesus. “No meu romance O último jesuíta, um dos personagens afirma: ‘A Companhia de Jesus morreu de êxito’. Havia um abismo cultural entre o clero secular e os jesuítas. Seu poder desenvolveu-se, sobretudo, no âmbito da educação e da cultura. Na minha opinião, os jesuítas daquela época cometeram dois erros: aceitar ser confessores de reis  pelo poder que representava este cargo, e, em segundo lugar, apoiar em seus colégios os bolsistas (becários) frente aos manteístas, que acabaram assumindo o poder”, explica, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Na opinião de Lamet, a expulsão dos jesuítas foi uma injustiça histórica e sem argumentos, um abuso dos direitos de seres humanos, comparável à expulsão dos judeus ou mouros. “Os jesuítas quase não opuseram resistência. Limitaram-se a obedecer e marchar ao desterro com uma muda de roupa e o breviário. O povo, sobretudo na América, sim, ofereceu alguma resistência. Foram famosas algumas videntes que asseguravam que regressariam. Talvez a forma mais sutil de resistência foi a intelectual, a de escrever diários e memórias da expulsão e suas viagens”, destaca. 

Quarenta anos mais tarde, a queda da frente absolutista burbônica, a Revolução Francesa, a independência nos Estados Unidos e a luta pela independência na América Latina denotavam um tempo de profundas transformações. Dentre tantas mudanças, a Companhia de Jesus foi restaurada pelo Papa Pio VII. “Aquele aniquilamento total durante 40 anos deve ter sido muito duro. Eu sempre recordo as palavras de Inácio: ‘Se a Companhia se dissolvesse como sal em água, bastaria um quarto de hora de oração para reencontrar a paz’. Pois é uma instituição a serviço da Igreja, não um absoluto. Absoluto só é Deus”, ressalta Lamet.

Pedro Miguel Lamet  é poeta, escritor e jornalista, ingressou na Companhia de Jesus em 1958. É licenciado em Filosofia, Teologia e Ciências da Informação, e formado em Cinematografia. Foi professor de Estética e Teoria do Cinema nas Universidades de Valladolid, Deusto e Caracas, sem nunca abandonar a crítica literária e cinematográfica. Trabalhou como redator da emissora internacional Rádio Vaticano e, em 1981, foi nomeado diretor da revista semanal Vida Nueva, da qual havia sido editor e editor-chefe desde 1975. Na década de 1980, trabalhou em diversos veículos da mídia espanhola, como a Rádio Nacional de España, Radio 1, El Globo, Tiempo e El País.

Como escritor, publicou poesia, ensaio, biografias, crítica literária e cinematográfica. Também publicou vários livros, entre eles destacamos: El último jesuita (Ed. La Esfera de los Libros, 2011, 628 p.); Arrupe, una explosión en la Iglesia (Ed. Temas de Hoy, 2007, 10. ed.); Hombre y Papa (Biografia de João Paulo II) (Ed. Espasa Calpe, 2005); Díez-Alegría: Un jesuita sin papeles: la aventura de una conciencia (Ed. Temas de Hoy, 2005, 2. ed.); e El místico: Juan de la Cruz (Ed. La esfera de los libros,  2009).

O professor apresenta a conferência A supressão e a expulsão dos jesuítas no século XVIII: uma tragédia de novela, na Unisinos, no Auditório Bruno Hammes, na Unisinos, dia 10 de novembro às 20 horas. O evento, que se estende de 11 a 13 de novembro, das 9h às 12h, faz parte da programação do XVI Simpósio Internacional IHU - Companhia de Jesus. Da supressão à restauração. A programação completa pode ser encontrada em http://bit.ly/CiaJes2014. 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – De que maneira a Reforma Protestante  impactou no surgimento da Companhia de Jesus? Qual foi o papel dos jesuítas na Contrarreforma?

Pedro Miguel Lamet – Os três fatores chaves da Contrarreforma foram: o estabelecimento da Inquisição, a fundação da Companhia de Jesus e o Concílio de Trento . Antes de Trento nasceu a Companhia de Jesus (1540), fundada por Inácio de Loyola (1491-1556) . Inicialmente pensada para a atuação missionária em terra de pagãos, e depois dedicada à ação na Europa, partindo do mundo cultural e político, além das missões. Aos votos habituais (obediência, castidade e pobreza) acrescentaram um quarto, de obediência ao Papa, o qual se encontrou com outro suporte para a sua autoridade. Ela cresceu prodigiosamente com sua “pregação avançada”, sendo pioneira da inculturação no Oriente Distante e depois nas Índias. Mas sua dependência direta do Papa a converteria em perigo para os absolutismos do Iluminismo, que explica explicitamente o motivo principal da expulsão e supressão da Companhia de Jesus no século XVIII.

 

IHU On-Line – Qual foi o contexto social e político da Europa do século XVIII que levou à supressão da Companhia de Jesus?

Pedro Miguel Lamet – O caldo de cultivo foi o Iluminismo, que pregava a razão e o progresso como fontes exclusivas de felicidade. Um movimento cultural que se apresenta contra o fanatismo religioso e a ignorância, com figuras ímpares como Voltaire  e Descartes , ou o “homem bom” em seu estado natural de Rousseau . Tudo isso se sintetizava nos saberes recolhidos na Enciclopédia. Politicamente, a Europa estava dominada por monarquias absolutistas, principalmente burbônicas. Nelas, a ideologia dominante era o regalismo, favorável à supremacia do Rei sobre o Papa.

 

IHU On-Line – De que maneira o Jansenismo , proposto por Cornelius Jansen, contrapunha a perspectiva teológica dos jesuítas?

Pedro Miguel Lamet – Cornelius Jansen , bispo de Ypres (1585-1638), viveu as discussões teológicas de agostinianos e jesuítas que tinham como origem o tema da graça, da predestinação (agostinianos, dominicanos) e da liberdade. O foco difusor foi a antiga abadia cisterciense de Port-Royal, protegida por uma família nobiliária e influente, os Arnauld. Enquanto os jansenistas defendiam o rigorismo, os jesuítas eram partidários do probabilismo, que em resumo é uma doutrina de teologia e filosofia moral cristã baseada na ideia de que é justificado realizar uma ação, mesmo contra a opinião geral ou o consenso social, se houver uma possibilidade, embora remota, de que seus resultados posteriores sejam bons, optando assim pela liberdade. Aqui intervém o princípio da consciência pessoal: se uma opinião é provável, é permitido segui-la, inclusive quando a opinião contrária for a mais provável.

 

IHU On-Line – Os críticos à Companhia de Jesus, na época da supressão, afirmavam que a ordem havia se tornado mais política que religiosa? Por que havia essa percepção? Este foi o estopim que levou à supressão?

Pedro Miguel Lamet – No meu romance O último jesuíta, um dos personagens afirma: “A Companhia de Jesus morreu de êxito”. Havia um abismo cultural entre o clero secular e os jesuítas. Seu poder desenvolveu-se, sobretudo, no âmbito da educação e da cultura. Na minha opinião, os jesuítas daquela época cometeram dois erros: aceitar ser confessores de reis (o último deles, o Pe. Rávago , reconhece-o) pelo poder que representava este cargo, e, em segundo lugar, apoiar em seus colégios os bolsistas (becários) frente aos manteístas, que acabaram assumindo o poder. Contribuiu também o sucesso obtido na América com as Reduções,  com a lenda de que os jesuítas preparavam um exército para invadir a Europa, com um rei-jesuíta e o regalismo.

 

IHU On-Line – Até que ponto a fidelidade dos jesuítas ao Papa, um “soberano estrangeiro”, pesou contra a própria existência da ordem em uma Europa do século XVIII caracterizada por monarquias absolutistas?

Pedro Miguel Lamet – Influenciou muito em países em que o galicanismo e, em geral, o regalismo imperavam. Por exemplo, o Exequatur, na Espanha, impedia a publicação de documentos do Papa que não eram do agrado do rei.

 

IHU On-Line – Como encarar a postura intransigente de Lorenzo Ricci frente ao Vaticano no período que culminou com a supressão? Quais as mudanças que ele recusou quando proclamou a frase: “Sint ut sunt aut non sint” ?

Pedro Miguel Lamet – O geral da Companhia Lorenzo Ricci  era um elegante e tímido genovês que havia sido professor de Literatura. Foi corajoso quando lhe propuseram criar uma espécie de Companhia francesa ou galicana. “Sejam o que são ou não sejam”, era salvar a identidade da ordem religiosa.

Mas depois não foi precisamente intransigente. Sofreu em silêncio os desmandos que se infringiram contra os seus e foi injustamente encarcerado no castelo Santo Ângelo, onde morreu de frio, sem poder celebrar missa, depois de um interrogatório absurdo sobre o pretendido “ouro dos jesuítas”, que nunca foi encontrado, mesmo escavando seus pomares.

 

IHU On-Line – Como foi a saída da Companhia de Jesus na Península Ibérica e na França? Quem foram os principais opositores à ordem em cada um desses países?

Pedro Miguel Lamet – Esta pergunta é impossível de responder em duas linhas. Basta dizer que a expulsão dos jesuítas foi uma injustiça histórica e sem argumentos, um abuso dos direitos de seres humanos, comparável à expulsão dos judeus ou mouros. Na França, mais que expulsão foi uma supressão por parte dos diversos parlamentos, razão pela qual tiveram que fugir para outros países. A expulsão de Portugal foi a mais cruel, pois foram enviados para Roma sem recursos e devido à ambição de Pombal  que tinha interesses econômicos através de seu cunhado na América. A expulsão da Espanha foi a mais calculada operação organizada por um rei católico, em uma mesma noite, que alegava “razões guardadas em seu real ânimo”.

Carlos III  expulsou os jesuítas por medo. Estava convencido de que eram os autores do Motim de Esquilache  e de que iriam matá-lo. Para tranquilizar sua consciência e controlá-los, deu-lhes um salário vitalício de 100 pesos, insuficiente para sobreviver. Para conhecer a tremenda peripécia, navegação e desterro em Córsega, leiam o meu livro. Não esquecer o calvário dos jesuítas alemães que trabalhavam nas reduções e consumiram-se nos cárceres da Espanha e de Portugal.

Personagens instigadores contra os jesuítas foram: Pombal em Portugal; Choiseul na França ; Campomanes  e Floridablanca  na Espanha; Tanucci  em Nápoles, que é quem mais esquentava as orelhas do rei Carlos III. Em Roma, a fragilidade de Clemente XIV , eleito sob pressão das cortes burbônicas, que foi o homem decisivo que assinou a supressão.

 

IHU On-Line – Quais foram os principais nomes da resistência dos jesuítas? Como continuaram vivendo após a expulsão e supressão? O que fizeram?

Pedro Miguel Lamet – Os jesuítas quase não opuseram resistência. Limitaram-se a obedecer e marchar ao desterro com uma muda de roupa e o breviário. O povo, sobretudo na América, sim, ofereceu alguma resistência. Foram famosas algumas videntes que asseguravam que regressariam. Talvez a forma mais sutil de resistência foi a intelectual, a de escrever diários e memórias da expulsão e suas viagens. O mais importante de todos é o do Pe. Luengo , um jesuíta espanhol que escreveu um diário de 35 mil páginas, 63 volumes, diariamente durante 49 anos, que se conserva na biblioteca de Loyola. Vão sendo publicados pouco a pouco. Mas há muitos outros. Foram importantes também os escritos do Pe. Isla , considerado uma figura da literatura espanhola, por seu Fray Gerundio de Campazas, uma espécie de “Quixote dos pregadores” que ridicularizava os sermões vazios do tempo. Esta obra contribuiu também para a odiosidade de um setor dos frades de seu tempo.

A maioria dos jesuítas continuou vivendo como tais; eles se organizavam por províncias e casas com os mesmos nomes que em sua origem. Os escolares estudavam e todos viviam em circunstâncias penosas. Quando foram admitidos nos Estados Pontifícios sofreram um vazio, nem sequer pagavam as missas. Apenas cerca de 20% dos jesuítas deixaram a ordem. Após a supressão, muitos brilharam na cultura, na música, na história, nas letras, como estudou o Pe. Batllori . Da Espanha e da América foram expulsos 5,4 mil.

 

IHU On-Line – De que forma a Rússia de Catarina, berço do cristianismo ortodoxo, aceitou os jesuítas expulsos para trabalhar nas universidades de seu reino? Como explicar tal paradoxo? 

Pedro Miguel Lamet – De fato, a Companhia não foi completamente extinta, pois um protestante, Federico da Prússia , e uma ortodoxa, Catarina da Rússia , não obedeceram ao breve do Papa. Catarina II da Rússia, a Grande, apoiou e deu refúgio aos jesuítas na Bielorrússia e no resto de seu Império, pois necessitava dos jesuítas para o sistema educacional russo e para continuar a obra modernizadora iniciada pelo czar Pedro o Grande . Também, diz-se, porque pensava que poderiam ajudá-los na sua expansão para o Oriente.

 

IHU On-Line – Quais foram as consequências da expulsão dos jesuítas? É possível dimensionar o prejuízo histórico, artístico e cultural da perda dos materiais produzidos pela Companhia?

Pedro Miguel Lamet – Cerca de 12 mil sacerdotes ficaram reduzidos à inação. O mundo infiel perdia mais de 3 mil missionários e a sociedade cristã mais de 800 instituições de ensino. A ordem inaciana contava nessa época com 22 mil membros.

Na Espanha, significou o desmantelamento da educação, embora isso os tenha acordado e obrigado a criar colégios e universidades. Houve o espólio de obras de arte e de bibliotecas. Basta indicar que na Espanha desapareceram os matemáticos e foi preciso trazer professores desta matéria da Itália. Apagaram-se todas as pistas: o JHS de pedra das fachadas, as devoções ao Sagrado Coração ou à Virgem da Luz, o SJ dos livros de texto e seus edifícios entregues para seminários ou outras organizações eclesiais.

 

IHU On-Line – Quais foram os impactos da supressão da Companhia de Jesus na América Latina?

Pedro Miguel Lamet – Na América, plantações e ranchos abandonados, reduções em ruínas, retorno à escravidão de muitos indígenas. Os soldados apossam-se dos bens. Fome, taxa de mortalidade. Perda de liberdade e cultura. Mas, sobretudo, a falta de clérigos seculares para cobrir as igrejas vacantes. Os jesuítas foram substituídos por franciscanos, dominicanos e mercedários inexperientes. No total, cerca de 478 mil pessoas foram atingidas. Significou tirar das suas casas e desapropriar 30 mil índios, em troca de menos de um peso por habitante como indenização, e deixando-os à mercê dos bandeirantes.

 

IHU On-Line – Qual foi o contexto político e religioso que levou Pio VII,  41 anos após a supressão, a restaurar a Companhia de Jesus como ordem da Igreja Católica?

Pedro Miguel Lamet – Após 40 anos, os tempos haviam mudado: a queda da frente burbônica, a revolução francesa, a derrota de Napoleão, a independência dos Estados Unidos e a luta pela independência dos países da América Latina. Vários autores assinalaram que, em meio a centenas de escândalos que sacudiram as Ordens Mendicantes coloniais, a Companhia havia se mantida incólume em sua disciplina e bom governo. A expulsão de 1767 foi deplorada por amplos setores da sociedade. Uma aura de martírio rodeou os jesuítas peninsulares e crioulos que partiram para o desterro e terminaram seus dias nos Estados Pontifícios. Vinte e nove dos 30 deputados americanos nas Cortes de Cádiz solicitaram o seu retorno em 1812. Também contribuiu o reconhecimento do prestígio intelectual dos jesuítas supressos.

 

IHU On-Line – O que mudou na ordem a partir da restauração? Mudaram os votos religiosos dos jesuítas? Por que os membros da congregação voltaram mais comedidos com relação a Roma?

Pedro Miguel Lamet – O Papa Pio VII, depois de libertar-se da prisão de Napoleão e retornar a Roma, decidiu restaurar a Companhia de Jesus para não privar a barca da Igreja destes hábeis remadores. No dia 07 de agosto de 1814 emitiu o Breve Sollicitudo omnium Ecclesiarum, mediante o qual restituía novamente a Companhia de Jesus. Os jesuítas eram apenas cerca de 800, a maioria anciãos e adoentados. Os votos, as regras e as constituições, ficaram os mesmos.

É preciso reconhecer que a Companhia restaurada foi bastante conservadora, em parte para manter sua identidade inaciana, em parte pelo ambiente político antirrevolucionário do século XIX (Congresso de Viena ...) e o momento eclesial da época dos Papas Pio. Apenas em meados do século XX, com o Pe. Geral João Batista Janssens  (1946-1964) e, sobretudo, com Pedro Arrupe  (1965-1983), abriu-se ao mundo moderno: à ciência (Teilhard de Chardin ), aos estudos bíblicos críticos (Instituto Bíblico, Bea,  Lyonnet),  aos Padres da Igreja (De Lubac,  Daniélou ), à filosofia moderna (Rahner,  Lonergan,  Courtney Murray ), ao mundo social (Alberto Hurtado,  Gundlach,  Llanos,  Calvez ), etc. Estes jesuítas influíram no Vaticano II  (1962-1965) e na renovação eclesial. A Companhia de Jesus em sua 32ª Congregação Geral (1974-1975) comprometeu-se com a promoção da fé e da justiça, e a 34ª Congregação Geral (1995) abriu-se ao diálogo intercultural e religioso. Numerosos mártires, cerca de uma centena, serão o preço destas opções: Ignacio Ellacuría  e companheiros, Luís Espinal , etc.

 

IHU On-Line – Quais as diferenças entre valorizar o espírito de Santo Inácio, fundador da Companhia de Jesus, e o Inácio de Loyola Superior Geral dos jesuítas? A qual os jesuítas pós-restauração mais celebravam?

Pedro Miguel Lamet – Eu não creio que haja muita diferença entre o Inácio dos Exercícios e o Inácio das Constituições, porque ambos dão a primazia ao Espírito. Creio que a chave da Companhia é unir virtude com letras, uma profunda espiritualidade, os ideais do cavaleiro andante e o senso prático do administrador. Afinal, os jesuítas restaurados tiveram que beber das fontes, sobretudo da experiência dos Exercícios. É o que faz Pedro Arrupe anos depois, relendo esse espírito no mundo atual, à luz do Concílio.

 

IHU On-Line – Como Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, recupera Lorenzo Ricci em seu discurso durante a cerimônia de ação de graças em Roma, no dia 27 de setembro?

Pedro Miguel Lamet – O Papa destacou sua capacidade de não se deixar sujeitar pelas tentações e de propor aos jesuítas, no tempo da tribulação, uma visão das coisas que os arraigava ainda mais à espiritualidade da Companhia. “Em um tempo de confusão e perturbação fez discernimento. Não perdeu tempo em discutir ideais e queixando-se, mas se conscientizou da vocação da Companhia”.

Creio que Bergoglio é uma graça para a Igreja e a Companhia em tempos difíceis; é como o retorno da primavera, a tomada das ruas, a praça do povo, o diálogo com todos e a aproximação ao mundo de hoje. Fazem estremecer as palavras que dirige aos jesuítas nos 200 anos da restauração: “É cansativo remar. Os jesuítas devem ser especialistas e valorosos remadores (Pio VII, Sollecitudo ominum Ecclesiarum): remem então, Remem, sejam fortes, inclusive com o vento contrário! Rememos a serviço da Igreja! Rememos juntos. Mas enquanto remamos — todos remamos, também o Papa rema na barca de Pedro —, devemos rezar muito: ‘Senhor, salva-nos’, ‘Senhor, salva o teu povo’. O Senhor, mesmo se formos homens de pouca fé e pecadores, nos salvará. Esperemos no Senhor! Esperemos sempre no Senhor!” Em outra visita à Igreja do Gesù, o Papa acariciou duas vezes a fotografia do Pe. Arrupe em sua sepultura. 

Aquele aniquilamento total durante 40 anos deve ter sido muito duro. Eu sempre recordo as palavras de Inácio: "Se a Companhia se dissolvesse como sal em água, bastaria um quarto de hora de oração para reencontrar a paz". Pois é uma instituição a serviço da Igreja, não um absoluto. Absoluto só é Deus.

Leia mais...

- "A igreja atual sofre um déficit de liberdade mística". Entrevista com Pedro Miguel Lamet publicada nas Notícias do Dia, de 16-12-2011;

- A supresssão da Companhia de Jesus: episódio-chave de sua ação nas fronteiras da fé. Entrevista com Pedro Miguel Lamet publicada nas Notícias do Dia, de 19-06-2011;

- Francisco Xavier: o aventureiro de Deus. Entrevista com Pedro Miguel Lamet publicada nas Notícias do Dia, de 18-08-2006.

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