Edição 204 | 13 Novembro 2006

O despreparo da sociedade em enfrentar o envelhecimento

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 “Apesar de encontrarmos manifestações de desapreço, nas mais variadas formas, acredito que a tendência da sociedade é a de querer bem, de cuidar dos que estão envelhecendo, dos pais que criaram seus filhos, dos avós que cuidaram dos netos, das pessoas que se constituíram em modelos para todos nós”, é o que pensa a assistente social Sonia Bredemeir, professora do PPG em Ciências Sociais da Unisinos. A entrevista, concedida por e-mail pela pesquisadora, você confere na íntegra, a seguir.

Graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), é especialista em Supervisão em Serviço Social e em Gerontologia Social pela mesma instituição. Cursou mestrado e doutorado em Serviço Social pela PUCRS. Sua tese intitula-se O conselho do idoso como espaço público. É autora de inúmeros artigos e trabalhos técnicos voltados à sua área de pesquisa. No momento, conduz um projeto de pesquisa intitulado Conselho municipal de Idosos: um espaço de protagonismo. Sonia Bredemeier já concedeu entrevista à IHU On-Line sobre o mesmo tema, na edição número 50, de 1º de março de 2003.

IHU On-Line - Quais os benefícios trazidos pela maturidade?

Sonia Bredemeier
– Pela pergunta, está se partindo do pressuposto que maturidade necessariamente tem a ver com benefícios, porém esta é uma questão bastante subjetiva. Para mim, ser uma mulher madura está sendo mais tranqüilo do que foi o período que antecedeu a velhice. A experiência acumulada, o preparo para o envelhecimento que fez parte da minha vida profissional, de certa forma, me privilegiou. Até agora, acredito que estou sabendo “administrar” as limitações e potencializar as vantagens do envelhecer. A forma como se encaram os fatos, sem tanto “stress”, sem achar que o mundo vai acabar amanhã, permite que se possam analisar as situações, os problemas, sob vários ângulos e constatar que existem alternativas das quais podemos lançar mão quando há problemas. De outra forma, com o jubilamento, ter a oportunidade de cuidar do jardim, voltar ao piano, ler sem pressa aquilo que me interessa, continuar o trabalho voluntário que sempre realizei, são perspectivas com as quais antecipadamente me alegro.
 
IHU On-Line - Qual o perfil do idoso atualmente?

Sonia Bredemeier –
Pelos indicadores do IBGE (2000), podemos constatar que diminuíram os idosos analfabetos, que mais idosos têm uma renda, as mulheres são a maioria, muitos ainda trabalham regularmente, a maioria tem uma vida autônoma e independente. Menos de 1% está institucionalizada. Uma grande parte ainda vive com sua família e muitos moram sozinhos. Mas ainda temos muitos idosos pobres e que mantêm a família com sua renda. Isso mostra uma realidade que demanda inúmeros programas e ações que permitam melhorar este quadro, que têm sido previstos no Estatuto do Idoso sob a forma dos direitos do idoso. A luta de todos deveria ser concretizá-los de forma ampla, dignificando o envelhecer.
 
IHU On-Line - Como a sociedade de hoje vê a população idosa?

Sonia Bredemeier
– Acho que sou bastante otimista a esse respeito. Apesar de encontrarmos manifestações de desapreço, nas mais variadas formas, acredito que a tendência da sociedade é a de querer bem, de cuidar dos que estão envelhecendo, dos pais que criaram seus filhos, dos avós que cuidaram dos netos, das pessoas que se constituíram em modelos para todos nós. Os mais céticos podem trazer exemplos de maus tratos, de violência, mas seguramente não é assim que a maioria das pessoas se relaciona com os mais velhos. Existem condições que propiciam fazer da velhice um período de “acerto de contas” em relação a situações mal resolvidas ou vividas de forma inadequada na juventude ou na vida adulta. Nosso próprio corpo oportuniza esta experiência. A forma como o agredirmos enquanto jovens se manifestará negativamente na velhice. Na família, a agressão e violência presentes, se agudizarão na velhice. Por outro lado, aquilo que fizermos de positivo antes de envelhecermos certamente dará seus frutos oportunamente. Parece tão simples. Mas não é. A vida competitiva que vivemos, as cobranças que fazemos dos outros e de nós mesmos, muitas vezes nos levam a destruir em vez de construir. E tudo tem seu preço. E todos temos nosso “ladinho” feio. Mas não é o que se sobrepõe usualmente, acredito eu.

IHU On-Line - Existe um sentimento de submissão por parte dos idosos?

Sonia Bredemeier
– Em muitos idosos, sim. Este sentimento está ligado, conforme alguns estudiosos e a partir das experiências que tenho vivido, à forma como o envelhecimento tem sido encarado no tipo de sociedade em que vivemos.  Nesta, só o que brilha tem mais valor, o que é novo, o que é descartável é mais prático. Se as pessoas não são novas, não brilham (por fora) e não são descartáveis, seguramente estão na contramão. Então sentem-se mal e submetem-se a situações que seriam inadmissíveis no período da vida em que detinham o “controle” da situação, seja por terem um trabalho e um salário, seja por serem jovens. É uma visão muito voltada para o “ter” que está interiorizada também nos próprios velhos. E impede que se dêem conta de que submetendo-se estão sendo coniventes com aquilo que os prejudica. Assim, em vez de contraporem-se, lamentam-se e se sentem vítimas dos filhos, da sociedade, etc. Tem-se trabalhado bastante esta questão nos grupos de convivência, no sentido de elevar a auto-estima dos idosos.
 
IHU On-Line - Quais os impactos sociais de uma população cada vez mais velha?

Sonia Bredemeier
– São inúmeros e certamente estão relacionados com o despreparo da sociedade em enfrentar o seu envelhecimento. Os valores que estão presentes, as resistências em aceitar as limitações presentes na velhice, de um modo geral, se refletem na inadequação das políticas de prevenção, na falta de equipamentos para qualificar esta última etapa da vida. Se não previno, terei um custo altíssimo para dar conta das conseqüências negativas que se refletem na saúde, por exemplo, que está bem próximo de nós, como o caso da vacinação contra a gripe. Quantos idosos deixaram de ser hospitalizados por não terem tido complicações respiratórias, pneumonia, etc.? A depressão, o suicídio, a hipertensão, as quedas, os acidentes de trânsito, a violência na velhice são freqüentes e relacionados ao isolamento do velho, à sua falta de perspectivas, a problemas de saúde que poderiam ser contornados com programas adequados, em suma, programas que preparassem a sociedade e os velhos para esta fase da vida.
 
IHU On-Line - A senhora gostaria de acrescentar mais algum comentário sobre o tema?

Sonia Bredemeier
– Sim, pois poderíamos discutir e tratar do envelhecimento por muito tempo, e realmente cinco questões permitem que somente se tangencie esta questão. Todavia, acho importante remeter a reflexão sobre a forma como as pessoas vêem a possibilidade, que na realidade é uma certeza, do seu envelhecimento. Neste sentido, penso que a sociedade está dando só agora os primeiros passos. Pois, envelhecer, preparar-se para uma vida fora do trabalho, é visto com resistência, como se, deixando de tratar disso, se pudesse evitar o evento pelo qual, todos passaremos a não ser que morramos antes. Mas também sobre a morte poucos querem pensar. Se analisarmos a fundo, com toda a bagagem intelectual, afetiva, social, entre outras, de que se dispõe, age-se de forma inconseqüente neste sentido, na minha forma de analisar. Nega-se um fato que é irreversível. Mas penso que isso está relacionado às pressões e inseguranças que vivemos e sentimos, sobre as quais é imprescindível discutir, conversar, etc., sem pejo, sem medo de mostrar o quanto estamos preocupados e fragilizados com a perspectiva que se avizinha próxima ou futuramente. Não podemos negar que a forma como muitas sociedades, e entre elas a brasileira, têm lidado com os suportes sociais de toda ordem que se fazem necessários na velhice deixa a desejar.  Só um grupo privilegiado pode usufruir de uma aposentadoria condizente, de um ambiente adequado, dos recursos dos quais necessita, podendo, assim, contornar as limitações que são inevitáveis e potencializar outras oportunidades que se apresentam quando se está mais velho. O ideal seria que todos tratassem e projetassem para si e para os outros um envelhecimento saudável, qualificado. Assim, talvez seja possível criar mecanismos, formas de construir as condições para uma velhice digna da importância do ser humano.

 

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