Edição 457 | 27 Outubro 2014

A singularidade está próxima. O que fazer?

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Andriolli Costa | Fotos: Nahiene M. Alves

Wilson Engelmann, pesquisador de Direito e Nanotecnologias, reflete sobre os desafios que envolvem a emergência de uma sociedade cada vez mais tecnificada

Integrante da coordenação do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, Wilson Engelmann sobe no palco para sua palestra acompanhado por uma bolsa de pano a tiracolo. É o “kit nano”, explica ele. Presente de seus alunos. De dentro, retira pouco a pouco diversos objetos. Embalagens dos mais variados tipos de detergentes, xampus, band-aids. Há ainda pomadas e creme para unha encravada. Não se trata de algum tipo de necessaire exótica; todos aqueles produtos apresentados possuíam nanopartículas em sua composição. 

Ao ultrapassarmos o universo do micro para chegar ao nano, a pequenez infinitesimal fica difícil de ser visualizada mesmo mentalmente. “Aos que gostam de matemática, podemos dizer que uma partícula nano é calculada na base do10–9”, esclarece o professor. Ao contrário do que pensa o senso comum, no entanto, os nanomateriais não são exclusivamente fabricados pela ciência humana. Também existem aqueles de origem natural, como o sal marinho ou a fuligem. Ainda assim, é com a emergência de uma sociedade tecnocientífica que a presença de nanopartículas em nossas vidas se tornou ainda mais presente. A singularidade — ou seja, a integração entre homem e tecnologia — está próxima. O que fazer a partir disso torna-se a grande questão de nossos tempos.

Com esta preocupação em mente, Engelmann ministrou, nesta terça-feira (21), a conferência “As nanotecnologias como um exemplo de tecnociência e seus impactos”. O evento fez parte das programações do XIV Simpósio Internacional IHU - Revoluções Tecnocientíficas, Culturas, Indivíduos e Sociedades. A modelagem da vida, do conhecimento e dos processos produtivos na tecnociência contemporânea, e ocorreu no Auditório Maurício Berni, no centro 4 da Unisinos. A palestra integrou ainda o XI Seminário Internacional Nanotecnologias, Sociedade e Meio Ambiente, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos. 

Na medida do nanômetro, diversos elementos com os quais temos contatos diários passam a exercer outras ações. Desta forma, a tecnologia passou a ser utilizada pelos mais diversos ramos da indústria, de cosméticos aos esportes e muito mais. “Nos bebedouros é utilizado o sulfato de titânio para prover ação bactericida. O mesmo acontece em alguns preservativos, que utilizam nanopartículas de prata para diminuir a contaminação.” No entanto, ainda que tamanha variedade de produtos já esteja disponível no mercado, o professor alerta: “Não temos uma legislação sobre nanotecnologia, mas já existem produtos assim no mercado. Precisamos aguardar um desastre para mudar isso?”. 

Atualmente dois projetos de lei envolvendo a temática estão tramitando no Congresso, ambos de autoria do deputado Sarney Filho . Eles versam sobre a necessidade de acesso à informação, e exigem — entre outras demandas — a rotulagem e identificação de todos os produtos com uso de nanotecnologia. Tal como o “T”, que indica o uso de produtos transgênicos. 

“A nanotecnologia promete uma série de avanços e não somos contra esses avanços, assim como não somos contra os transgênicos. O que devemos ter em vista é a precaução. Todo produto tecnológico é potencialmente nocivo e cabe ao produtor provar a segurança do novo produto”, argumentou o deputado ao justificar o projeto — que ainda não tem data para votação. Ainda assim, Engelmann é reticente. “O processo legislativo é lento. Na área de tecnologia, quando a lei nasce, já surge ultrapassada.”

O professor menciona Umberto Galimberti , um dos conferencistas do XIV Simpósio, para pensar a relação do homem com a técnica nas sociedades contemporâneas. “O autor se pergunta: será que devemos fazer algo, apenas porque somos tecnicamente capazes de fazê-lo?” Esse é um dilema da tecnocultura, que impele o “progresso”, numa lógica desenvolvimentista, sem se preocupar com o outro, com o ambiente, com a coletividade.

Sem ferramentas jurídicas para nortear o uso destas tecnologias, a própria indústria dá indicativos de seus usos — um risco de grande insegurança. Para que o Direito não fique supérfluo, ele propõe: “É preciso promover a inovação no direito e do direito”. A primeira proposta versa sobre a possibilidade de que ele próprio se atualize. A segunda, que o Direito se recontextualize e busque no diálogo com outras ciências o pluralismo necessário para compreender e enfrentar os desafios que estão por vir.

Quem é Wilson Engelmann

Wilson Engelmann possui graduação, mestrado e doutorado em Direito pela Unisinos. Atualmente é professor na mesma universidade. Líder do Grupo de Pesquisa JUSNANO (CNPq/Unisinos), é ainda pesquisador do Latin American Nanotechnology & Society Network, no México.  Organizou este ano o livro Responsabilidade Civil e Nanotecnologias (São Paulo: Atlas, 2014) e é autor das obras Direito natural, ética e hermenêutica (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007), Para entender o princípio da igualdade (São Leopoldo: Sinodal, 2008) e Crítica ao positivismo jurídico: princípios, regras e o conceito de Direito (Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2001).

Ecos do Evento 

“O modo como a nanotecnologia é aplicada, para mim, foi uma novidade. Eu acreditava que seu uso não era uma coisa tão cotidiana, mas pelo que ouvimos ela está mais presente do que nunca e falta regulamentação para isso. Busquei aqui reflexões filosóficas, orientadas na linha do pensamento, para abrir um pouco o leque de estudos.” José Maria, estudante de especialização em Bioética

“Achei a palestra sensacional! Acho que é fundamental esse pioneirismo; ter a disciplina no direito se aprofundando nessas questões da tecnociência. O professor Wilson tem o mesmo interesse numa área que eu também tenho: a questão do humano e do pós-humano. O que está em jogo ai é o novo em direito, o novo direito. Vai ter que ser criado um direito para acompanhar essas novidades que estão acontecendo”. Alexandre Quaresma, escritor e pesquisador de tecnologias e impactos sociais e ambientais

“Discordo da posição do professor de que os pesquisadores que fazem estudo com material para cosméticos. Segundo ele, não haveria problema porque são materiais biodegradáveis, então, não fazem mal pra saúde. Ele tentou generalizar o conceito que tais substâncias não são tóxicas, como se todo produto, pelo falo de ser solúvel, pelo falto da nanopartícula se desmanchar” Arline Arcuri, química, pesquisadora da Fundacentro

“O pensamento de Wilson é um desafio dentro do próprio meio, porque o Direito é uma área muito conservadora em tudo. A proposta que ele traz é transformadora dentro do Direito e quando você traz essa proposta em um setor que está acomodado e a sua perspectiva é de desacomodar, o retorno muitas vezes é incomodo.” Tânia Elias Magno da Silva, Professora de mestrado e doutorado na Universidade Federal de Sergipe

 

Leia mais...

- Nanotecnologias, o cuidado com o ser humano e o meio ambiente, entrevista publicada na edição 372 da IHU On-Line, de 05-09-2011;

- O ser humano como o limite das nanotecnologias, entrevista publicada na edição 346 da IHU On-Line, de 04-10-2010;

- Wilson Engelmann, perfil publicado na edição 344 da IHU On-Line, de 21-09-2010.  

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