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Ricardo Machado
“Penso que os desafios iniciais para as políticas públicas no Brasil se referem a investir em conhecimento sobre as diversidades, desigualdades e particularidades das 5.570 cidades que hoje fazem parte do cenário nacional. Trata-se de um mosaico de dimensão continental a ser cada vez mais e constantemente desvendado, especialmente naquelas porções em que temos os territórios invisíveis, formados de cidadãos invisíveis justamente pelo fato de não pertencerem à cidade formal, aos territórios legais”, avalia Dirce Koga, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. Ainda de acordo com a professora, a realidade atual das políticas públicas tende a funcionar desde institucionalidades que deixam em segundo plano a realidade social e as complexidades sociais, econômicas, políticas e culturais.
Ao debater a temática dos territórios, Dirce Koga reconhece que a problematização sobre o tema é recente no campo da assistência social e, inclusive, de seu reconhecimento como política pública de direito. Aliás, a pesquisadora ressalta que os “territórios são seres vivos e dinâmicos, pois nele atuam e interagem atores sociais os mais diversos, que disputam sua ocupação”. E completa: “a perspectiva territorial na política de assistência social, em minha opinião, ainda não está devidamente consolidada e incorporada no cotidiano da política. Considero que é a dimensão do território de vivência, isto é, a escala do cotidiano dos territórios que talvez mais se aproxime das demandas de proteção social, defesa de direitos e vigilância social que se constituem as três funções da política de assistência social”.
Por fim, a entrevistada lembra que os processos de financeirização dos espaços urbanos condicionam as soluções sobre o tema dos territórios a partir de uma definição arbitrária de quem deve e quem não deve ser parte das cidades. “Nessa lógica (financeirização), se aprofundam as desigualdades socioterritoriais, pois a cidade se consolida cada vez mais como produto de mercado, e seus moradores, como consumidores e não cidadãos”, argumenta.
Dirce Harue Ueno Koga é graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, realizou mestrado e doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, onde também cursou pós-doutorado. Fez estágio de doutorado sanduíche junto ao Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS, no Observatoire Sociologique du Changement, França, e estágio de pós-doutorado no Institut d’Études Politiques da Universidade Pierre Mendes France - UPMF, Grenoble, França. Atualmente é pesquisadora, professora titular da Universidade Cruzeiro do Sul e Coordenadora do Programa de Mestrado em Políticas Sociais na mesma Universidade, onde coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas Cidades e Territórios. É autora do livro Medidas de Cidades entre territórios de vida e territórios vividos (São Paulo: Editora Cortez, 2ª edição, 2011).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – De que forma podemos pensar o conceito de território a partir da perspectiva de Milton Santos? Que particularidades esse autor traz sobre o tema que reconfiguram nossa noção sobre este termo?
Dirce Koga - Interessante observar que para Milton Santos o território em si não é um conceito. Para ele seria o “território usado” a referência. Em uma entrevista para a editora Perseu Abrahmo, ele afirma: “O território em si não é um conceito. Ele só se torna um conceito utilizável para a análise social quando o consideramos a partir do seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente com aqueles atores que dele se utilizam” .
IHU On-Line – Como o modo atual de configuração e atuação das políticas públicas legitimam uma forma segmentária de compreensão da realidade social? Que impactos isso gera nas populações mais vulneráveis?
Dirce Koga - Penso que as políticas públicas no Brasil tendem a atuar a partir de suas respectivas institucionalidades, deixando em segundo plano a realidade social e suas múltiplas determinações sociais, econômicas, políticas e culturais. Dessa forma, se olha mais para os “públicos-alvo” e menos os contextos em que estão inseridos, se homogeneizando segmentos populacionais pelos seus perfis individuais.
IHU On-Line – Por que os territórios não estão restritos aos espaços físicos? Por que esta perspectiva é insuficiente para dar conta da complexidade de nossas sociedades?
Dirce Koga - Os territórios são seres vivos e dinâmicos, pois nele atuam e interagem atores sociais os mais diversos, que disputam sua ocupação. Por isso, restringir os territórios a uma delimitação física significa negar as relações sociais que se dão a partir dos mesmos, reconfigurando-os a cada momento. A delimitação física é somente um dos vetores a serem considerados para compreender os processos socioterritoriais em curso na nossa sociedade.
IHU On-Line – Qual é a abordagem sobre o tema do território prevista na Política Nacional de Assistência Social de 2004? Ela está sendo aplicada? Quais são as potencialidades e os limites?
Dirce Koga - O tema do território ainda é muito recente no campo da assistência social, tal como é seu reconhecimento como política pública de direito. Dessa forma, a perspectiva territorial na política de assistência social, em minha opinião, ainda não está devidamente consolidada e incorporada no cotidiano da política. Considero que é a dimensão do território de vivência, isto é, a escala do cotidiano dos territórios que talvez mais se aproxime das demandas de proteção social, defesa de direitos e vigilância social que se constituem as três funções da política de assistência social.
IHU On-Line – Do que se trata a ideia/conceito de “território de vivência”? Qual sua contribuição para as complexidades contemporâneas?
Dirce Koga - Como já dito, considero o “território de vivência” a dimensão mais próxima da política de assistência social ao considerar a escala do cotidiano dos territórios, pois é nessa perspectiva que é possível identificar a dinâmica das relações e a produção e reprodução de demandas socioterritoriais.
IHU On-Line – De que forma a perspectiva da financeirização dos espaços nas cidades, chamado por David Harvey de “empreendedorismo urbano”, legitima políticas públicas segregadoras? Por que essa lógica gera ainda mais desigualdades?
Dirce Koga - E financeirização dos espaços urbanos já coloca de saída a opção pela lógica do mercado na definição dos territórios que deverão e daqueles que não deverão se constituir em cidade. Nessa lógica se aprofundam as desigualdades socioterritoriais, pois a cidade se consolida cada vez mais como produto de mercado, e seus moradores, como consumidores e não cidadãos.
IHU On-Line – De que ordem são os desafios às políticas públicas quando se leva em conta as complexidades das cidades e dos territórios que não estão institucionalizados, mas que, mesmo assim, fazem parte de nossa realidade social e que, portanto, são também territórios de convivência?
Dirce Koga - O desafios iniciais para as políticas públicas no Brasil se referem a investir em conhecimento sobre as diversidades, desigualdades e particularidades das 5.570 cidades que hoje fazem parte do cenário nacional. Trata-se de um mosaico de dimensão continental a ser cada vez mais e constantemente desvendado, especialmente naquelas porções em que temos os territórios invisíveis, formados de cidadãos invisíveis justamente pelo fato de não pertencerem à cidade formal, aos territórios legais. Como exemplo, diria ainda que são desafiantes os territórios de fronteira (internacionais, interestaduais e intermunicipais) e as cidades de pequeno porte, que se constituem na maioria das cidades brasileiras e são vistas ainda de forma generalizada e homogênea.