Edição 455 | 29 Setembro 2014

A arbitrariedade da técnica na construção dos sentidos de território

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Ricardo Machado

Arlete Moysés Rodrigues argumenta que é necessário superar uma visão de que as técnicas não são políticas e que devemos desvelar a suposta neutralidade da técnica

Segundo a professora e pesquisadora Arlete Moysés Rodrigues, uma das principais atribuições dos observatórios de políticas públicas é o de tentar superar a aparência de conceitos como a da sustentabilidade, que parecem estar acima de qualquer questionamento. “As patentes intelectuais representam de modo contundente como, ao mesmo tempo que se nega a importância do território, são em lugares específicos que se desenvolvem determinados tipos de espécies vegetais, animais e formas de organização comunitária. Nesses lugares as grandes corporações se apropriam, pela patente intelectual, tanto do conhecimento das comunidades como da singularidade territorial como um ativo financeiro. O objetivo é a garantia de um mercado futuro com o discurso da sustentabilidade e da preocupação com as gerações futuras”, critica Arlete, em entrevista por e-mail à IHU On-Line

Nesse sentido, a entrevistada argumenta que não há técnica neutra. “O que foi dito sobre as patentes intelectuais é um demonstrativo de que sob a aparência de uma questão técnica tem-se na realidade a questão política. As grandes indústrias farmacêuticas e químicas desenvolveram técnicas e, assim, têm o ‘poder’ de se apropriar das condições naturais e do conhecimento das populações tradicionais”, debate. “A questão parece técnica quando na realidade é política relacionada aos interesses de acumulação de capital”, complementa.

Ainda sob a mesma perspectiva, Alerte destaca que o ideário do “desenvolvimento sustentável” jogou uma cortina de fumaça sobre o debate em torno dos territórios. “As diferenças socioespaciais foram ocultadas, já que a tecnologia, com o tempo, resolveria todos os problemas do presente e do futuro, mesmo sem saber quais seriam os problemas do futuro”, sustenta. “Aplainam-se, deste modo, as diferenças territoriais e, como diria Milton Santos, ocultam as rugosidades, as especificidades socioterritoriais, as crises (econômicas sociais e políticas), as contradições e os conflitos de apropriação privada das riquezas. (...) A disputa não relevada é como as corporações multinacionais — que têm suas sedes nos países do centro do sistema e podem se apropriar dos recursos naturais”, ressalta. 

Arlete Moysés Rodrigues é graduada e licenciada em Geografia pela Universidade de São Paulo, onde também realizou mestrado e doutorado em Geografia Humana. Atualmente é professora na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. De 1988 a 1990 foi Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB e representa a entidade no Fórum Nacional de Reforma Urbana. Foi conselheira do Conselho das Cidades de 2006 a 2010. 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – De que forma a ideia de “desenvolvimento sustentável” reconfigurou as análises com relação ao território? Que disputas estão em jogo nesse processo?

Arlete Moysés Rodrigues - O ideário do “desenvolvimento sustentável” jogou uma espessa cortina de fumaça sobre as reais configurações territoriais, descaracterizou as condições concretas de cada lugar, região, país e continentes, ao colocar que tudo seria resolvível no futuro baseado em noções abstratas de desenvolvimento. As diferenças socioespaciais foram ocultadas, já que a tecnologia, com o tempo, resolveria todos os problemas do presente e do futuro, mesmo sem saber quais seriam os problemas do futuro. Como isto seria resolvível no “futuro”, o espaço, o território, o lugar ficaram em um plano secundário, como se ações pudessem ocorrer no espaço sideral. Ou seja, a reconfiguração implicou em negar o espaço em sua concretude, em suas especificidades.

As disputas em jogo ficam explícitas quando se analisa que os pressupostos do “desenvolvimento sustentável” alegam que todos, independentemente das classes sociais a que pertencem, e todos os países, independentemente de seu grau de desenvolvimento, são igualmente responsáveis pela destruição e dilapidação das riquezas naturais e, portanto, são igualmente responsáveis pela construção de um desenvolvimento supostamente “sustentável”.  

Aplainam-se, deste modo, as diferenças territoriais e, como diria Milton Santos , ocultam as rugosidades, as especificidades socioterritoriais, as crises (econômicas sociais e políticas), as contradições e os conflitos de apropriação privada das riquezas. Adota-se a perspectiva neoliberal de que o mercado, em especial, quando comandado pelas corporações multinacionais, poderia resolver a insustentabilidade do avanço do modo de produção de mercadorias e, para tanto, esperam que o tempo os ajude a resolver. Na realidade o tempo (histórico) só aumentou os problemas, o que demonstra a falácia da “sustentabilidade”. No neoliberalismo, acirra-se a ideia de que o mercado é bom e o Estado é ruim e desse modo os países, em especial os ditos subdesenvolvidos, não sabem controlar o seu território e precisam da ajuda internacional com atrelamento ao FMI e Banco Mundial e às corporações multinacionais. 

A disputa não relevada é como as corporações multinacionais — que têm suas sedes nos países do centro do sistema e podem se apropriar dos recursos naturais. Ao assim procederem, ocultam a importância do espaço, do território e das relações societárias com o objetivo de continuar a alavancar a acumulação ampliada do capital e, para tanto, é necessário abstrair as condições concretas. Provocam, desse modo, a “erosão” da importância dos territórios dos Estados Nacionais. 

 

IHU On-Line – Como as apropriações em torno da ideia de desenvolvimento sustentável legitimam uma lógica de financeirização dos espaços geográficos, territoriais, inclusive, e transformam as disputas de classes em disputas de gerações?

Arlete Moysés Rodrigues - Forjou-se um consenso das ideias contidas no Relatório Nosso Futuro Comum , na Agenda 21  e outros documentos de que tudo poderá ser resolvível, no futuro, utilizando-se recursos financeiros obtidos no FMI e Banco Mundial. Consenso que impõe uma lógica de conceber o mundo, sem contradições e sem conflitos de classes com problemas resolvíveis no mercado financeiro. Basta assistir ao noticiário e ver que se fala de bolsa tal e tal, dos riscos de países x ou y, mas não se fala da produção e de questões concretas. Tudo parece se resolver nas “contas”, sem espaço, sem território e sem classes sociais.

Forja-se o consenso de que todos são responsáveis para pensar no bem comum, sem explicitar que as riquezas são apropriadas privadamente. Desloca-se o mundo da produção para o mundo do consumo, apontando-se que é o mundo do consumo responsável pela dilapidação e esgotamento dos recursos naturais. No mundo do consumo o que conta é a capacidade de compra, medida pelos níveis de renda e não pelo lugar na produção, ou seja, pelas classes sociais.  Ao se criar a ideia de que é o consumo que gera a produção e de que todos são iguais, ainda que dependente da faixa de renda, o conflito e as contradições de classes sociais se transformam em conflitos de gerações. Como é o mundo do consumo o responsável, todos (independentemente da produção e das classes sociais) devem consumir “sustentavelmente” para garantir o futuro das gerações que ainda não nasceram. Assim todos são responsáveis e todos devem mudar a sua forma de consumir, embora a cada dia novas mercadorias, mesmo que apenas com a camuflagem de novas, sejam colocadas no mercado. Atribui-se o desperdício ao “consumidor” e assim é ele que deverá pensar na geração futura. Cria-se o consenso de que todos são “iguais” e que devem pensar no futuro. Quem seria contra pensar nas gerações futuras? Porém, as gerações presentes não estão sendo ouvidas e nem compreendidas em sua complexidade. Esta é uma das questões de fundo: ocultar as condições sociais e deslocar o mundo da produção para o mundo do consumo, como se pudesse haver consumo sem que houvesse produção, como se os chamados consumidores ditassem as normas e os produtos que desejam sem saber se podem ou não ser produzidos. 

Os empréstimos financeiros, capital portador de juros, devem voltar acrescidos de juros, e não se fala na exploração de riquezas que serão apropriadas pelo capital portador de juros e pelo capital produtivo. É como se o capital dinheiro fosse proveniente de poder divino que lhe daria o direito de explorar as riquezas. Esse poder divino oculta quem de fato trabalha no dia a dia para tornar viável a riqueza, portanto, não se analisam as contradições, crises e conflitos. 

O neoliberalismo, quando mais se expande a financeirização, nega a importância do Estado e de sua dimensão territorial. Na mesma lógica da hegemonia neoliberal, desloca-se também a produção para o capital financeiro como se ele produzisse por si só. Criam-se mecanismos para novas mercadorias, como os “créditos de carbono”, como as commodities ambientais, agrícolas. E aí fica evidente a financeirização da economia, porque os preços não estão relacionados à produção, mas ao capital fictício, como nos ensina Marx  e retoma David Harvey .

Enfim, ao ocultar as diferenças territoriais, a apropriação privada da riqueza, deslocar o mundo da produção para o do consumo, expandem novas mercadorias relacionadas diretamente ao setor financeiro. Como não tem chão, embora não exista produção e consumo sem território, sem espaço, parece que não há classes sociais.  Difunde-se a ideia de que todos são igualmente responsáveis e que é necessário pensar apenas nas gerações futuras, e quem melhor do que o capital portador de juros que aparece acima de tudo e de todos? Afinal vive-se no mundo das “contas nacionais, internacionais, públicas e privadas”. 

 

IHU On-Line – Como compreender a complexidade de um processo que transforma a apropriação de uma riqueza territorial em um ativo financeiro de empresas multinacionais, cujo discurso se funda na justificativa da sustentabilidade?

Arlete Moysés Rodrigues - Quando analisamos os documentos que tratam do tema fica evidente que são as empresas multinacionais e a tecnologia dos países do centro do sistema, as quais dominam tanto o FMI como o Banco Mundial, que buscam ‘inventar’ e recriar formas de manter as taxas de acumulação ampliada de capital. O que significa o crédito de carbono senão uma forma de aplainar ainda mais o território? Porém, o que se afirma é que o crédito de carbono será uma forma de atingir a sustentabilidade. Mas, enfim, quem domina e quem tem o controle mundial das tecnologias para colocar — em papéis — o crédito de carbono? Não é estranho que países economizem recursos para vender seus créditos aos países que já esgotaram suas reservas ou que a utilizem de forma irracional? Os papéis representam a financeirização em seu exemplo mais contundente.

No século XXI tem que se agregar o adjetivo sustentável ou o substantivo sustentabilidade, sem que se saiba o que eles significam, para dizer que as propostas visam ao bem-estar comum, que visam preservar para as gerações futuras.

Um dos aspectos importantes para os observatórios de políticas públicas é colocar em destaque que para ir além da aparência temos de nos indagar sobre o seu significado, analisar as ideias de sustentabilidade que ignoram as especificidades territoriais e “transformam” qualquer riqueza em papéis que comporão os chamados ativos financeiros, destacar que os parâmetros são os de interesse do capital de multinacionais. As patentes intelectuais representam de modo contundente como, ao mesmo tempo que se nega a importância do território, são em lugares específicos que se desenvolvem determinados tipos de espécies vegetais, animais e formas de organização comunitária. Nesses lugares as grandes corporações se apropriam, pela patente intelectual, tanto do conhecimento das comunidades como da singularidade territorial como um ativo financeiro. O objetivo é a garantia de um mercado futuro com o discurso da sustentabilidade e da preocupação com as gerações futuras.

 

IHU On-Line – De que forma se relegou à técnica (principalmente a desenvolvida pelas potências econômicas) e ao seu discurso de neutralidade a solução das questões ambientais? 

Arlete Moysés Rodrigues - Quem domina a técnica são os países do centro, sendo eles também que dominaram os debates na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD, impondo as estratégias do neoliberalismo. Não há técnica neutra, não há questões técnicas no sentido simplista do termo, as questões são políticas, em especial, quando o tema trata das questões territoriais. O que foi dito acima sobre as patentes intelectuais é um demonstrativo de que sob a aparência de uma questão técnica tem-se na realidade a questão política. As grandes indústrias farmacêuticas e químicas desenvolveram técnicas e, assim, têm o “poder” de se apropriar das condições naturais e do conhecimento das populações tradicionais. A escala global é escala do capital, portanto, é necessário colocar em evidência que quem domina a técnica, inclusive as das comunicações, domina o mundo. Quando se analisam os documentos, verifica-se que o que se propõe enquanto técnica é calcado no mundo financeiro, ou seja, obter empréstimos para utilizar o que se chama de técnicas adequadas que não têm nada a ver com a sociodiversidade. Outro exemplo de como o que aparece é a questão técnica ocultando a questão política e os interesses do mercado capitalista são os transgênicos. Afirmam os setores interessados, como a Monsanto, que os transgênicos aumentam a produção e não causam problemas à saúde. No entanto, pesquisadores da área apontam que os transgênicos podem, sim, ocasionar doenças. Mas o poder que se esconde pela técnica dos poderosos do setor de transgênico é desqualificar as pesquisas científicas que demonstram que, além dos problemas de saúde, se observa, nas áreas onde há produção de transgênicos, o aprisionamento do agricultor à comercialização de sementes, quando antes ele detinha o conhecimento e guardava sementes de um ano para outro. A questão parece técnica quando na realidade é política relacionada aos interesses de acumulação de capital. 

 

IHU On-Line - De que forma tal perspectiva se mostrou insuficiente ante as demandas que ainda devemos enfrentar? Que exemplos de não neutralidade das soluções técnicas podemos citar?

Arlete Moysés Rodrigues - A solução não é técnica, pois o avanço da técnica ao longo do tempo provocou o aumento da insustentabilidade, com a possibilidade de exploração mais acelerada das riquezas naturais. Os catadores representam um demonstrativo de como o território foi aplainado e como se deslocou o discurso da produção para o consumo. Parece que as famílias é que produzem os descartáveis quando na realidade os domicílios apenas descartam, e, em geral, somente as embalagens de produtos, material este coletado pelos catadores.

O setor produtor de embalagens, que utiliza técnicas sofisticadas de produção de embalagens, é altamente rentável, até mesmo mais do que os produtos que são embalados. Por exemplo, a Parmalat “quebrou”, mas a embaladora Tretapak não entrou em crise apesar de embalar o leite longa vida produzido pela Parmalat. Uma das questões a ser analisada em relação aos catadores é entender o mundo da produção, mesmo que seja o das embalagens que são rapidamente descartadas. O aumento de resíduos recicláveis coletado por uma infinidade de catadores está relacionado ao sucesso da tecnologia. E eles vivem em situação extremamente precária. O exemplo dos catadores é emblemático para mostrar que a técnica ocasiona problemas que ela mesma não pode solucionar e que a técnica é aplicada apenas no interesse da acumulação ampliada do capital, e não no interesse da maioria.  

 

IHU On-Line – Que tipos de abstrações com relação ao território foram construídos e que são incompatíveis com a natureza, tais como divisões políticas ou administrativas? Que implicações estas perspectivas trazem?

Arlete Moysés Rodrigues - A mais importante abstração está relacionada à ideia de que tudo e todos são responsáveis pelos problemas globais num mundo neoliberal. Os Estados são os responsáveis pela proteção da natureza (qualquer que seja o seu significado), mas é o mercado que define o que e onde produzir. 

A natureza não tem fronteiras políticas, administrativas, o que significa que todas as divisões são abstrações. Porém a maior abstração está relacionada ao fato de que os Estados, no neoliberalismo, são considerados apenas os que devem resolver as questões e não os que vão intervir no funcionamento do mercado e, portanto, nas formas de exploração das riquezas naturais. Por exemplo, quem fala do petróleo como uma riqueza nacional quando se debatia como e para quem deveriam ir os royalties? Na disputa política pouco apareceu a questão de que a aplicação de um recurso nacional deveria ser aplicado nacionalmente, na educação e na saúde como foi proposto. A disputa era quem na divisão administrativa deveria ficar com a maior parcela dos royalties, ou seja, o que chamou a atenção é que os royalties eram reivindicados pelos estados onde se encontrará petróleo, e não o Estado como um todo. 

Podemos citar que as bacias hidrográficas não se encontram num limite territorial de estados, municípios e mesmo países. A bacia Amazônica, a floresta Amazônica, a bacia do Rio Paraná e Uruguai, o Aquífero Guarani  extrapolam os limites de um país. O ar não tem fronteiras e circula para além de todos os limites administrativos. Ou seja, há vários impasses que precisam ser mais bem compreendidos e penso que observatórios de políticas públicas podem contribuir para o entendimento. 

 

IHU On-Line – Como resolver as incompatibilidades entre o fato de os Estados assinarem compromissos formais de preservação ambiental ao passo que os detentores das tecnologias são as multinacionais? Diante deste cenário é possível superar a perspectiva neoliberalista de enfrentamento das questões?

Arlete Moysés Rodrigues - Esta é a questão vital, e penso que os que se debruçam sobre estes temas têm o dever de explicitar a contradição entre a forma pela qual se impõe ao chamado terceiro mundo o neoliberalismo, para que as corporações multinacionais possam fazer exatamente o que interessa ao capital e continuar tornando os Estados responsáveis. 

Não tenho a resposta de como resolver as incompatibilidades, mas é fundamental que se alterem, no âmbito da geopolítica, as dependências econômicas em especial com os países do centro do sistema. E os Estados, ao contrário do que prega o neoliberalismo, têm que ser fortes para conduzir políticas adequadas. Talvez fosse fundamental aprofundar este debate no âmbito dos BRICS  de forma consistente. 

 

IHU On-Line – De que forma a financeirização da economia promoveu a “desterritorialização” dos territórios?

Arlete Moysés Rodrigues - Creio que falei desta questão em especial ao citar como exemplo as patentes intelectuais. Desterritorializa-se em função dos interesses econômicos e financeiros. Desaparece, de certo modo, o território de cada Estado-Nação em função dos interesses das corporações que se apropriam das riquezas existentes em cada lugar com os papéis que lhe garantem a exploração das riquezas naturais.  Um exemplo, a privatização da Petrobras implicou uma “desterritorialização” em prol do capital financeiro. Formou-se uma Sociedade de Propósitos Especiais (por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento - BNDES) para que os “sócios” conseguissem empréstimos no exterior. A própria Petrobras conseguiria os empréstimos sem que houvesse necessidade de pulverizá-la em “sócios” que engoliram os lucros obtidos na exploração do Campo de Marlim . Uma relação unívoca feita pelo governo da época entre a desterritorialização de uma riqueza que está contida no território nacional e a financeirização. 

 

IHU On-Line – Do que se trata a “nova” divisão territorial do trabalho sustentada por Harvey?

Arlete Moysés Rodrigues - Harvey aponta como se dá de modo marcante a despossessão de áreas e de atividades de interesse para a acumulação ampliada do capital. Uma das formas pelas quais ocorre a atual despossessão é pela apropriação das riquezas naturais. 

A divisão territorial do trabalho não é estática, tem-se alterado ao longo do tempo e do espaço. No caso do Brasil, um dos maiores países em termos de biodiversidade, torna-se ímpar seu papel na “manutenção” das condições naturais que se diz interessar ao mundo. Porém, contraditoriamente, é necessário extrair as riquezas e enviá-las aos países do centro sem agregação de valor, para manter a tradicional divisão territorial do trabalho.

O exemplo do pré-sal é marcante. Com o regime de partilha no pré-sal, busca-se conseguir esta divisão territorial do trabalho de forma não subordinada. Mas o que vemos hoje, no debate eleitoral, é que há forças que se colocam dentro da lógica do interesse internacional de defender que se deve voltar ao regime de concessão, o que significa retornar a uma posição subordinada. Ou seja, defende-se o retorno à divisão territorial do trabalho em que os países que têm riquezas naturais sejam apenas o território onde se explora, sem agregação de valor. A partilha implica na melhor maneira de o Brasil sair de uma forma totalmente subordinada para uma nova perspectiva na divisão territorial do trabalho. 

 

IHU On-Line – Tendo em vista toda a discussão realizada, qual a importância dos observatórios na construção de políticas públicas de enfrentamento de nossos desafios?

Arlete Moysés Rodrigues - Eles são fundamentais na medida em que coloquem em pauta que as políticas públicas são políticas econômicas e que não se deve abstrair apenas uma questão, mas tentar entender a complexidade. 

 

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Arlete Moysés Rodrigues - Há muitas questões cruciais. Tentei apenas deixar evidente alguns aspectos procurando responder a questões fundamentais que apontam para as formas como se oculta a importância do espaço, do território, das classes sociais e da produção em geral.

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