Edição 451 | 25 Agosto 2014

O trabalhismo à brasileira de um nacionalista obcecado

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Luciano Gallas

Dossiê Vargas: “Com seus acertos e erros, com sua sede de poder, com sua obsessão nacionalista, mudou o Brasil. Fez uma parte. Não chegou a mudar o Brasil rural”, aponta Juremir Machado da Silva sobre Getúlio Vargas

“Getúlio foi o personagem mais complexo da história do Brasil, o mais lúcido, o mais enigmático, o mais gelado e o mais útil. Com seus acertos e erros, com sua sede de poder, com sua obsessão nacionalista, mudou o Brasil. Fez uma parte. Não chegou a mudar o Brasil rural”, afirma Juremir Machado da Silva, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. Para ele, Vargas sempre teve como objetivos centrais a diminuição da desigualdade no país, a criação de bases para o desenvolvimento e a formalização da economia. E, para isso, utilizou intensamente os instrumentos de comunicação de que dispunha: “o rádio, a música, as escolas de samba, a cultura em geral e até o marketing de imagem em objetos. [Vargas] Foi o político por excelência da era do rádio. Mais do que um populista, foi um realizador de um trabalhismo à brasileira”.

Juremir Machado da Silva é jornalista e historiador. Possui mestrado e doutorado em Sociologia da Cultura pela Université Paris V - René Descartes, na França. Atualmente, é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. É tradutor, romancista e cronista, tendo publicado 30 livros individuais — três deles traduzidos para o francês. Entre suas obras, estão Getúlio (Rio de Janeiro: Record, 2004), História regional da infâmia - o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras (Porto Alegre: L&PM, 2010), 1930, águas da revolução (Rio de Janeiro: Record, 2010), Vozes da Legalidade, política e imaginário na era do rádio (Porto Alegre: Sulina, 2011), A sociedade midíocre, passagem ao hiperespetacular - o fim do direito autoral, do livro e da escrita (Porto Alegre: Sulina, 2012), Jango, a vida e a morte no exílio (Porto Alegre: L&PM, 2013) e 1964 – O golpe midiático-civil-militar (Porto Alegre: Sulina, 2014).

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Passados dez anos da publicação do livro Getúlio, houve alguma mudança em sua percepção de jornalista e historiador sobre esta personalidade brasileira? 

Juremir Machado da Silva - Aprendi muito sobre Getúlio nestes dez anos. Percebi que ele não foi tão contraditório quanto se diz. Tinha um projeto para o Brasil e se comportou como um homem do seu tempo, um tempo de valorização dos executivos fortes, de golpismo e de fragilidade da democracia. Nunca perdeu o rumo que se impôs: diminuir o fosso da desigualdade no país, levar o Brasil ao desenvolvimento e formalizar a economia. 

 

IHU On-Line - Quais os principais fatores que levaram à construção do mito Getúlio Vargas? Que participação tiveram os meios de comunicação neste aspecto?

Juremir Machado da Silva – Getúlio lançou mão de todos os instrumentos de comunicação disponíveis para se fortalecer como político, reformador, ditador e condutor do seu projeto de modernização conservadora. Usou o rádio, a música, as escolas de samba, a cultura em geral e até o marketing de imagem em objetos. Foi o político por excelência da era do rádio. Mais do que um populista, foi um realizador de um trabalhismo à brasileira.

 

IHU On-Line - Que diferenças podem ser observadas entre o Getúlio que assumiu o poder com a revolução de 1930 e o Getúlio eleito pelas urnas em 1950?

Juremir Machado da Silva – O Getúlio de 1930 era um positivista tímido em busca da grande oportunidade política da sua vida. O cavalo passou encilhado e ele montou. O Getúlio de 1950 era um homem calejado, conhecedor de todos os atalhos, marcado pela sua própria ditadura e desejoso de experimentar uma nova face, democrática, mais aberta e mais à esquerda. Ele compreendeu as mudanças da época e adaptou-se a elas.

 

IHU On-Line - Há diferenças em termos de propaganda governamental entre estes dois períodos? 

Juremir Machado da Silva – Sim, a lógica paternalista foi deixada de lado. Entrou em campo uma discursividade mais sedutora. A propaganda, de qualquer maneira, sempre encobre a frontalidade do objetivo com a sinuosidade das suas formas pensadas para conquistar a servidão voluntária.

 

IHU On-Line - Qual foi a extensão da repressão imposta pelo Estado Novo? Há semelhanças com a ditadura militar pós-1964?

Juremir Machado da Silva – O Estado Novo e a ditadura de 1964 foram violentos, implacáveis e ardilosos: prenderam, torturaram e mataram com a mesma desenvoltura.

 

IHU On-Line - É possível comparar a linha editorial dos jornais que faziam oposição a Vargas em 1954 com a linha editorial dos jornais favoráveis ao golpe civil-militar de 1964? 

Juremir Machado da Silva – É a mesma. Os jornais  de 1954 combateram Jango como uma continuação de Getúlio.

 

IHU On-Line - Que relações entre Estado e sociedade, principalmente no que se refere à comunicação, foram fundadas por Vargas?

Juremir Machado da Silva - Vargas procurou manipular a população para manter a sociedade sob seu controle. Fez isso, como todo condutor, convencido de que agia pelo bem social.

 

IHU On-Line - Qual foi a efetiva participação de Vargas na extradição de Olga Benário , então grávida de sete meses, ocorrida por decisão do Supremo Tribunal Federal?

Juremir Machado da Silva – A decisão foi do Supremo Tribunal Federal - STF. Aconteceu antes de o Brasil mergulhar totalmente no regime autoritário. E ainda não existiam as câmaras de gás. Ninguém tinha ainda noção do que seria de fato o nazismo. Getúlio pecou por omissão. Mas não se pode dizer com nexo causal que tenha enviado Olga para que ela fosse morta nas câmaras de gás.

 

IHU On-Line - Qual era a relação entre Getúlio Vargas e Luís Carlos Prestes ?

Juremir Machado da Silva – Uma relação distanciada e meramente política. Eram dois monstros políticos capazes de engolir seus rancores em nome dos seus projetos.

 

IHU On-Line - Gostaria de adicionar algo?

Juremir Machado da Silva – Getúlio foi o personagem mais complexo da história do Brasil, o mais lúcido, o mais enigmático, o mais gelado e o mais útil. Com seus acertos e erros, com sua sede de poder, com sua obsessão nacionalista, mudou o Brasil. Fez uma parte. Não chegou a mudar o Brasil rural.

 

Leia mais...

- A imprensa prepara o golpe. Entrevista com Juremir Machado publicada na edição 439 da IHU On-Line, de 31-03-2014;

- “João Goulart foi, antes de tudo, um herói”. Entrevista com Juremir Machado publicada no sítio do IHU em 26-08-2013;

- A defesa de Brizola pela Legalidade foi heroica. Entrevista com Juremir Machado publicada na edição 372 da IHU On-Line, de 05-09-2011;

- Geração Y “parece coisa de revista Veja”. Entrevista com Juremir Machado publicada na edição 361 da IHU On-Line, de 16-05-2011;

- A cultura política do RS mudou. Para pior. Entrevista com Juremir Machado publicada no sítio do IHU em 08-10-2010;

- “1968 reduz enormemente a carga de hipocrisia da sociedade”. Entrevista com Juremir Machado publicada na edição 250 da IHU On-Line, de 10-03-2008.

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