Edição 448 | 28 Julho 2014

A incompletude do universo, um futuro aberto à criação

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Márcia Junges e Ricardo Machado| Tradução: Claudia Sbardelotto

John F. Haught debate sobre os processos evolutivos da consciência a partir da construção permanente do cosmos

“A evolução consciente estabelece instruções, preceitos éticos e exercícios espirituais que nos ajudarão a escolher o caminho certo para nós, a humanidade, o nosso planeta e o universo que ainda está despertando”, explica o professor doutor John F. Haught, em entrevista por e-mail à IHU Online. Ao abordar a temática, o professor recorre ao filósofo e teólogo Teilhard de Chardin, um dos primeiros cientistas do século XX que chamou atenção para uma perspectiva mais cosmológica da consciência. “O universo não é um palco onde os seres humanos são testados a fim de provar se merecem ganhar uma recompensa celestial. Sabemos agora, graças à ciência, que os seres humanos, juntamente com outros seres vivos, eles mesmos são produtos de um processo cósmico imensamente longo e extravagantemente criativo”, sustenta.

John F. Haught lembra que para Teilhard, os cristãos, ao tomarem decisões, devem estar em conformidade com os ensinamentos de Jesus e as virtudes da fé, da esperança e do amor. “Uma função importante da teologia cristã, creio eu, é refletir sobre como a prática da virtude contribui para a criação contínua e próspera da vida no universo. Os defensores da evolução consciente também buscam esse objetivo, embora para mim e para muitos outros cristãos seus escritos geralmente não têm um sentido suficientemente personalista da realidade suprema”, esclarece. “Para atrair a nossa entrega religiosa, Deus deve ser pensado como infinitamente maior do que o imenso universo da ciência moderna. Uma divindade antropomórfica de um planeta não é mais suficiente. Eu acredito que a falta de interesse geral da evolução consciente em um Deus pessoal é, em parte, devido ao fato de que a teologia cristã tem feito Deus parecer muito pequeno, como o próprio Teilhard salientou corretamente”, complementa. 

Haught é professor de Teologia da Universidade de Georgetown, Estados Unidos, e membro sênior do Woodstock Theological Center. Graduado em Filosofia pela St. Mary’s University, de Baltimore, é mestre e PhD pela Catolic University of America, Washington, com a tese Foundations of the hermeneutics of eschatology. É autor de inúmeros livros, dentre os quais destacamos Deeper than Darwin: the prospect for religion in the age of evolution (Boulder, Colo: Westview Press, 2003); Purpose, evolution and the meaning of life (Ontario: Pandora Press, 2004); Is nature enough: meaning and truth in the age of science (Cambridge: Cambridge University Press, 2006); e Christianity and science (Maryknoll: Orbis Press, 2007). Em português, do autor, foi publicado o livro Deus após Darwin. Uma teologia evolucionista (Rio de Janeiro: José Olympio, 2002).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que é a evolução consciente?

John F. Haught – É um movimento não sectário contemporâneo associado a Barbara Marx Hubbard , Ken Wilber , Deepak Chopra , Andrew Cohen , Ted Chu  e outros que compartilham a crença de que, com o surgimento evolutivo dos seres humanos, o universo agora tornou-se consciente de si mesmo. Já que a consciência inclui a capacidade de livre arbítrio, os defensores da evolução consciente afirmam que cada um de nós é responsável por escolher a direção em que a evolução irá no futuro. A evolução consciente estabelece instruções, preceitos éticos e exercícios espirituais que nos ajudarão a escolher o caminho certo para nós, a humanidade, o nosso planeta e o universo que ainda está despertando.

 

IHU On-Line - Qual é a origem dessa concepção?

John F. Haught – É difícil definir isso exatamente. No entanto, a ideia foi importante para o biólogo humanista Julian Huxley  (1887-1975), primeiro diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco, e para seu amigo, o paleontólogo jesuíta Teilhard de Chardin (1881-1955). Apesar de os dois cientistas diferirem entre si sobre a importância da crença religiosa (Huxley era um agnóstico), ambos concordavam que o cosmos tornou-se consciente de si mesmo, pela primeira vez, com o nascimento dos seres humanos e que temos de assumir a responsabilidade pelo curso futuro da evolução. Eles também concordavam que nem todo caminho leva a um futuro produtivo e habitável, por isso temos de escolher o caminho certo a seguir. Nós podemos fazer isso olhando o que funcionou no passado evolutivo e que levou a avanços criativos.

Teilhard foi um dos primeiros cientistas do século XX que percebeu que o cosmos inteiro, e não apenas a evolução da vida, é uma história ainda em desenvolvimento. O universo não é um palco onde os seres humanos são testados a fim de provar se merecem ganhar uma recompensa celestial. Sabemos agora, graças à ciência, que os seres humanos, juntamente com outros seres vivos, são eles mesmos produtos de um processo cósmico imensamente longo e extravagantemente criativo. Não podemos mais olhar para a humanidade ou o destino humano, portanto, separado do processo cósmico que deu origem à nossa espécie. Os defensores da evolução cósmica concordam com isso.

 

IHU On-Line - Quais são os embasamentos científicos e teológicos que fundamentam tal ideia?

John F. Haught – Cientificamente, a evolução consciente depende, em parte, pelo menos, da nova compreensão do mundo natural, como ainda em desenvolvimento, uma história de 13,8 bilhões de anos. A geologia, a biologia evolutiva e a cosmologia contemporânea demonstraram que o universo está inacabado, que ainda está se formando, e que ele pode ter um longo futuro pela frente. O universo não foi concluído no início, como pode sugerir uma leitura literal das histórias bíblicas da criação. Pelo contrário, o universo é um processo contínuo no qual um “ser mais” [more being] (ou um “ser mais integral” [fuller being]) pode emergir "mais à frente" no futuro.

Filosoficamente, o pensamento moderno tornou-se cada vez mais consciente de que o universo é um processo de transformação. Em minha opinião, o matemático Alfred North Whitehead  (1861-1947) desenvolveu a versão filosoficamente mais sofisticada da "filosofia do processo". Mesmo que grande parte da filosofia contemporânea ainda esteja sobrecarregada de suposições materialistas sobre a natureza, uma minoria de filósofos segue Whitehead mantendo que consciência e natureza estão intimamente entrelaçadas e que algo importante está acontecendo no universo que as ciências naturais não estão conseguindo perceber. A evolução consciente é apenas uma pequena parte de um movimento maior no pensamento moderno e pós-moderno para ligar a consciência humana com mais força ao passado e futuro cósmicos.

Teologicamente, a visão futurista de Teilhard do universo também tem influenciado a evolução consciente (embora, tecnicamente falando, Teilhard não fosse um teólogo). Pelo que eu sei, Teilhard não usou a expressão "evolução consciente", embora ele concordasse que a consciência é algo que tem evoluído gradualmente na história natural e que os seres conscientes devem assumir a responsabilidade do futuro cósmico. Ao contrário de Whitehead e do filósofo francês e vitalista Henri Bergson , que imaginavam o universo como um processo criativo indeterminado sem fim específico em mente, Teilhard (1881-1955) pensava que o universo tinha uma meta — um ponto Ômega — que (em harmonia com a teologia cósmica do apóstolo Paulo ) ele identificava como o Deus encarnado em Cristo. Além disso, Teilhard insistiu que, para os cristãos, pelo menos, as decisões que tomamos em um mundo em evolução devem estar em conformidade com os ensinamentos de Jesus e as virtudes da fé, da esperança e do amor. A evolução consciente, embora concordando, de uma forma geral, com Teilhard, não promove qualquer compreensão teológica tradicional unificada do universo, embora alguns de seus seguidores podem se classificar como teístas em um sentido amplo.

 

IHU On-Line - Qual é a influência de ideias como a noosfera e a cristificação da Terra, de Teilhard de Chardin, na evolução consciente?

John F. Haught – Eu acredito que sim, pelo menos em alguns casos (Barbara Marx Hubbard, por exemplo). A evolução em cada fase trouxe uma interação cada vez mais intensa e uma intercomunhão dos seus elementos individuais. No início do processo cósmico, as unidades subatômicas uniram-se umas às outras para construir átomos, então os átomos se ligaram até criar moléculas, moléculas grandes, eventualmente, reuniram-se em células vivas, as células se fundiram em organismos, organismos constituídos em associações cada vez mais complexas, e assim por diante. Neste momento, uma nova "camada" geológica dominante constituída por pessoas humanas conscientes tem coberto o nosso planeta. Teilhard refere-se a essa nova pele planetária de "pensamento", como a noosfera (do grego nous = mente). Agora, os seres humanos precisam se ligar consciente e eticamente uns com os outros, com mais força e intimamente, se deve haver qualquer avanço na evolução.

 

IHU On-Line - Em que aspectos há uma síntese entre evolução e fé no conceito de evolução consciente?

John F. Haught – Eu vou responder a essa pergunta em termos dos próprios esforços pioneiros de Teilhard de relacionar a ciência com a fé. A evolução consciente, em termos gerais, quer integrar as descobertas da ciência em nossos hábitos mentais e espirituais. É por isso que tem pouca dificuldade de incorporar algumas das ideias de Teilhard. No entanto, para Teilhard, em cada fase da evolução, o mundo pode crescer ou se tornar “mais” [become “more”] apenas por se organizar em torno de centros novos e superiores de forma sucessiva. Ele chamou essa tendência cósmica recorrente de "centração" [centration]. A centração ocorreu muito cedo na história cósmica quando elementos subatômicos se organizaram em torno de um núcleo atômico; mais tarde, quando as moléculas grandes aglomeradas em torno do ADN nuclear das células eucariontes; em seguida, para a formação de um sistema nervoso “central" na evolução dos vertebrados; e em insetos sociais reunindo-se em torno de sua rainha. Sem centração, tudo se desmorona.

Atualmente, as unidades dominantes na evolução são pessoas humanas. Elas podem ser reunidas em uma síntese orgânica superior, no entanto, só se o seu centro unificador for, pelo menos, pessoal. Nós, seres humanos, não podemos ser totalmente movidos para "nos tornarmos mais" [“become more”] por nada que careça de uma subjetividade, liberdade e capacidade de resposta, pelo menos, tão intensa como a nossa. Nós não podemos ser totalmente atraídos ou desafiados ao centro do nosso ser por qualquer coisa que seja menos do que pessoal ou que não nos eleve pessoalmente. Assim, se o universo fosse, em última análise impessoal, não importa quão grande e interessante, seria mais inferior na escala do ser verdadeiro do que as pessoas. Não podemos participar plenamente na evolução, portanto, a menos que o pulso da personalidade pulse no coração da realidade cósmica. Evolução, para Teilhard, requer uma realidade centralizada que não só mantenha o cosmos unido, mas que também o leve para a frente a fim de ser mais completo. Para ser totalmente atraente para as pessoas, a realidade da centração deve ser um "Tu", não uma "coisa" [“Thou,” not an “It”].

Para Teilhard, tal Centro existe, e não é outro senão o Deus pessoal, que em Cristo se tornou totalmente encarnado materialmente e que ainda reúne o cosmos emergente para o corpo estendido de Cristo. Teilhard não conseguia entender o recente surgimento de pessoas humanas em evolução para além da influência atrativa de um Deus transcendente, promissor e pessoal que se tornou cada vez mais encarnado na matéria.

A visão da evolução consciente do universo, pelo contrário, em sua maior parte, não está interessada em colocar um Deus pessoal no centro ou como meta do processo cósmico. Tanto quanto eu posso dizer, os defensores da evolução consciente não estão interessados na ideia de um Deus que se envolve intimamente nas lutas e nos sofrimentos da vida. Além disso, a espiritualidade de Andrew Cohen, para dar um exemplo, seria demasiado individualista e muito dependente de esforço humano para se adequar ao sentido cristão de Teilhard da dependência constante do mundo da graça divina, como mediada através da natureza e da comunidade humana.

Apesar de eu levar a evolução consciente a sério, como um cristão católico, a visão de Teilhard me atrai. Ao mesmo tempo, no entanto, eu acredito como Teilhard que nossas ideias de Deus devem sempre ser apresentadas não só como algo pessoal, mas também como suprapessoal (para usar a terminologia do teólogo Paul Tillich ). Para atrair a nossa entrega religiosa, Deus deve ser pensado como infinitamente maior do que o imenso universo da ciência moderna. Uma divindade antropomórfica de um planeta não é mais suficiente. Eu acredito que a falta de interesse geral da evolução consciente em um Deus pessoal é, em parte, devido ao fato de que a teologia cristã tem feito Deus parecer muito pequeno, como o próprio Teilhard salientou corretamente.

 

IHU On-Line - Em que medida a evolução consciente pode nos ajudar a aprofundar o entendimento humano rumo a uma ação evolutiva para o bem de toda a vida na Terra?

John F. Haught – Acredito que a evolução consciente está tentando promover um sentido de responsabilidade partilhada entre os membros de nossa espécie, de modo que o presente cenário terrestre possa dar lugar a algo melhor no futuro cósmico. O surgimento da noosfera está acontecendo agora de forma rápida e explosiva, mas a maioria dos cientistas — em parte porque ainda estão cegos por crenças materialistas — necessita prestar mais atenção a ela. Eles não conseguem ver que o surgimento da consciência não é um acaso, mas uma expressão do que o cosmos é na realidade. A evolução consciente concorda com isso e, com razão, segue o pensamento de Teilhard em reconhecer que não devemos assumir que tendências do universo em direção a uma maior complexidade e consciência estão perto de ser concluídas. Junto com Teilhard, ela abraça a ideia de um "universo inacabado" e um futuro aberto à criação contínua que segue "em frente". Ela concorda que o nosso novo sentido de que o universo ainda tem um futuro deve ser um poderoso incentivo para uma ação moral, aqui e agora.

 

IHU On-Line - Em entrevista concedida à IHU On-Line em 2009, o senhor afirmou que “o Deus de evolução cria continuamente um novo mundo não por empurrar as coisas do passado para frente, mas desenhando o mundo em direção a um novo futuro dali em diante”. A partir dessa constatação, quais são as conexões entre a evolução consciente e a fé cristã?

John F. Haught – Na visão cristã de Teilhard, a encarnação, morte e ressurreição de Cristo são eventos que acontecem no contexto de um universo em evolução. O evento-Cristo, portanto, deve significar que todo o processo de criatividade cósmica encontra o seu destino na compaixão redentora eterna de Deus. Mesmo que, eventualmente, o mundo físico "morra" pela exaustão de energia, como os astrofísicos preveem, nada na história cósmica é perdido ou esquecido por Deus. A esperança cristã da ressurreição do corpo, seja o que for que isso possa significar, prevê que toda a história cósmica, e não só a alma humana, é salva e resgatada para sempre na vida de Deus. Assim, a evolução, vista teologicamente, significa que a criação ainda está acontecendo e que Deus está criando e salvando o mundo não o empurrando para frente a partir do passado, mas chamando-o lá da frente. A partir de uma perspectiva cristã, todos os eventos que compõem a história cósmica ainda estão sendo reunidos no Cristo cuja vinda os cristãos continuam a esperar. Mais uma vez, essa visão personalista de Deus e da redenção é bastante diferente das ideias da evolução consciente.

 

IHU On-Line - Como esse nexo entre evolução consciente e fé cristã se apresenta na posição assumida pelas integrantes da Conferência de Liderança das Religiosas (Leadership Conference of Women Religious – LCWR)? 

John F. Haught – Acredito que, em geral, as religiosas da LCWR estão mais próximas, teologicamente, de Teilhard do que da evolução consciente. No entanto, como Teilhard, elas são capazes de apreciar o fato de que a evolução consciente é parte de um despertar geral do universo neste momento da história humana e cósmica e que precisa ser levado a sério por pessoas de fé. A LCWR encontra em Barbara Marx Hubbard, por exemplo, alguém que, como Teilhard, tem imensa esperança no futuro. A este respeito, a evolução consciente está mais próxima do espírito da fé bíblica do que certas autoridades eclesiásticas que possuem pouca esperança para o mundo. A divisão mais significativa entre as pessoas, hoje em dia, como Teilhard observou, não é entre ateus e teístas, mas entre aqueles que têm esperança e aqueles que não a tem. A LCWR se posiciona junto àqueles que têm esperança, e ao fazê-lo demonstra que está mais perto do núcleo da promessa abraâmica da fé católica do que os críticos da LCWR.

A LCWR também pode apelar para a compreensão de Teilhard sobre a necessidade do cristianismo para continuar a evoluir. Ao visualizar todos os fenômenos no contexto da evolução, Teilhard não poderia isentar a sua própria tradição de fé de sofrer as perturbadoras transições de estado que ocorrem em outros sistemas em evolução. Em 1933, ele escreveu: "Creio que o cristianismo é imortal. Mas essa imortalidade da nossa fé não impede que ela seja sujeita (ao mesmo tempo que se eleva acima delas) às leis gerais da periodicidade que regem toda a vida. Reconheço, portanto, que, neste momento, o cristianismo (exatamente como a humanidade) está chegando ao fim de um dos ciclos naturais de sua existência". Em seguida, ele acrescenta que esta é "uma indicação de que o tempo para a renovação está próximo". Acho que ele seria um admirador entusiasta da LCWR.

 

IHU On-Line - Quais são as objeções fundamentais oriundas da Igreja Católica à evolução consciente?

John F. Haught – Talvez eu possa responder a esta questão também de uma forma teilhardiana. O que distingue a visão católica de Teilhard da natureza a partir do movimento da evolução consciente é que o cientista jesuíta identifica o Deus que se encarnou em Cristo como a explicação definitiva e objetivo (Ômega) do movimento criativo contínuo do universo em direção a um novo ser. É inconcebível, portanto, que a Igreja possa ter qualquer objeção a esta intuição teilhardiana, especialmente porque ela se harmoniza tão bem com a teologia paulina e joanina. Na verdade, o Papa Paulo VI  disse que a visão de Teilhard é "necessária" hoje, e Bento XVI  falou com aprovação da compreensão cósmica de Cristo de Teilhard. Além disso, a Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Atual (Gaudium et spes) do Concílio Vaticano II  mostra uma clara evidência de ter sido influenciada pelas ideias de Teilhard.

O que a Igreja Católica pode achar censurável, e com razão, é qualquer presunção de que os seres humanos podem moldar o futuro da evolução de forma responsável, sem levar em conta a graça divina, um sentido profético da justiça, a crença consistente da Igreja na dignidade inviolável de cada pessoa e os critérios para "ser mais" que Jesus colocou em sua visão do "Reino de Deus". A evolução consciente é, de fato, complexa e diversificada em suas expressões. Em muitos aspectos, busca objetivos e propõe mudanças no estilo de vida que se sobrepõem com os ideais cristãos de paz, justiça e prosperidade humana. Condená-la direta ou indiretamente, sem nuance, não traz nenhuma autoridade moral ou religiosa. Uma abordagem melhor seria a de Jesus: "Quem não está contra nós, está a nosso favor" (Mc 9, 40).

 

IHU On-Line - Em que medida essa concepção é um contraponto às visões pessimistas e catastróficas do futuro da humanidade e do planeta?

John F. Haught – A evolução consciente é contracultura na medida em que vai contra o materialismo metafísico que ainda influencia tanto o pensamento e o estilo de vida contemporâneos. Embora a elite intelectual arrogantemente descarta-a como trivialidade da Nova Era, a oposição da evolução consciente ao cientificismo e ao materialismo científico precisa ser levada a sério. Ken Wilber, por exemplo, fornece um desmascaramento intelectualmente sofisticado do cientificismo e do materialismo. Para muitas pessoas que se sentem desconfortáveis com o cristianismo e outras religiões tradicionais nos dias de hoje, a evolução consciente fornece uma alternativa espiritual ao materialismo, que serve para elevar seus corações e dar um novo incentivo para suas vidas morais na era da ciência. Ao contrário do julgamento de pessimistas cósmicos, essa esperança está completamente consistente com as descobertas da ciência. O movimento da evolução consciente, eu creio, é um exemplo, entre outros, do que eu suspeito que vai ser uma tendência crescente neste século para expor e superar as pressuposições materialistas superficiais — e inevitavelmente pessimistas — que ainda prosperam no mundo acadêmico.

 

IHU On-Line - Por outro lado, como conciliar a visão da evolução consciente num planeta cujo sistema econômico é predatório e globalizado?

John F. Haught – A criação contínua do universo, pelo menos do ponto de vista terrestre, exige por parte dos seres humanos a prática fervorosa e persistente da virtude. Hoje, é preciso acrescentar, a evolução contínua do mundo precisa dar atenção especial à justiça econômica e à responsabilidade ambiental. Uma função importante da teologia cristã, creio eu, é refletir sobre como a prática da virtude contribui para a criação contínua e próspera da vida no universo. Os defensores da evolução consciente também buscam esse objetivo, embora para mim e para muitos outros cristãos seus escritos geralmente não têm um sentido suficientemente personalista da realidade suprema. Um cristão cosmicamente sensível irá rezar, de qualquer forma, e pedir sabedoria e graça para poder distinguir as ações humanas que podem contribuir para a criação contínua do universo daquelas que só levam à destruição. Ao fazê-lo, devem dar uma olhada na evolução consciente.

 

Leia mais...

- A nossa compreensão de Deus não pode ser a mesma depois de Darwin. Entrevista com John F. Haught publicada na edição 330 da IHU On-Line, de 13-07-2009.

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