Edição 443 | 19 Mai 2014

Um ambientalismo para além das soluções econômicas

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Ricardo Machado

Maureen Santos debate os desafios postos à luta ambiental no contexto internacional e nacional diante do aquecimento global

Diante de uma série de limitações de em órgãos como a Organização das Nações Unidas – ONU, apesar de posicionamentos contundentes de Ban Ki-Moon sobre a mudança climática, a entidade tem sido pouco efetiva na luta contra as potências poluidoras. “A ONU deixa a desejar, pois poderia ter uma corte internacional para julgar crimes ambientais e socioambientais e é nesse sentido que ela poderia se dedicar mais, mas não se dedica”, aponta Maureen Santos, em entrevista por telefone à IHU On-Line. A principal crítica que a ambientalista faz é de que as soluções postas à crise ambiental se reduzem ao viés econômico. “Há outros programas capitaneados pela iniciativa privada, que é o de precificar a natureza e o modo de vida, ao invés de valorizar o trabalho, de criar políticas de crédito ou criar feiras e projetos de renda associados a este trabalho que a população tradicional realiza e os produtos que ela produz. É preciso considerar que esses produtos deveriam ser mais valorizados justamente porque são feitos respeitando a natureza e permitindo que a população continue nestes locais”, sustenta.

Para Maureen, o retrocesso na legislação ambiental brasileira está diretamente relacionado à forma como esta questão política está sendo tratada. “O que se percebeu é que a pressão do agronegócio brasileiro foi determinante e permitiu que uma aberração como a que foi feita (Novo Código Florestal) pudesse ter sido aprovada. Isto tudo está diretamente conectado à questão do (neo)desenvolvimentismo, porque há um retrocesso, também, das próprias políticas de produção para que pudesse haver uma retomada do crescimento, argumenta a pesquisadora. 

Maureen Santos é coordenadora do Programa de Justiça Ambiental da Fundação Heinrich Böll Brasil e professora do quadro complementar da graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Possui mestrado em Ciência Política pelo IFCS/UFRJ (2007) e graduação em Relações Internacionais pela Universidade Estácio de Sá (2002). Na última década, dedicou seu trabalho à Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - FASE, realizando formação de base, educação popular e construção de redes e articulações sobre comércio internacional, integração regional, meio ambiente e mudanças climáticas. Monitora as negociações da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em especial o tema de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) e Adaptação. Compõe umas das equipes de produção de estudos do High Level Panel of Food Security da FAO, que produziu recentemente um estudo sobre mudanças climáticas e segurança alimentar.

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – Tendo em vista os resultados parciais do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, que avaliação é possível de se fazer sobre a importância que os países dão à pauta ambiental, principalmente as grandes potências?

Maureen Santos – Esse último relatório parcial do IPCC reafirma o que o painel havia apresentado em outros relatórios e que grande parte da sociedade civil mundial já tinha manifestado preocupação, que são os efeitos das mudanças climáticas. Na verdade, ele não traz novidades do ponto de vista dos impactos ou das preocupações com aquilo que já vem acontecendo, apesar de uma assertiva mais forte com relação a alguns pontos. Porém, no que se refere à postura e às declarações das grandes potências, gostaria de destacar a fala do Barack Obama, em que o presidente dos Estados Unidos declara a preocupação com as mudanças climáticas e o aquecimento global. Isso não significa que os Estados Unidos não tenham declarado formalmente estas questões, como, por exemplo, podemos citar a fala do próprio presidente dos Estados Unidos em Copenhague, na 15ª Conferência das Partes, realizada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - UNFCCC, embora do ponto de vista prático e efetivo o governo nunca tenha feito nada. Desta vez é a posição do Obama e vamos aguardar para ver se isso vai se efetivar na prática, tanto do ponto de vista doméstico quanto das negociações.

 

IHU On-Line – Como é a relação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima com os países do G8 e do G20?

Maureen Santos – Os países não participam com estas categorias na negociação da convenção, que foi assinada por um grande número de nações durante a Rio 92. Desde esse momento foram feitas divisões internas não do ponto de vista da convenção em si, mas da articulação política entre os países. Um dos exemplos é o Basic, que reúne os ministros do Meio Ambiente do Brasil, África do Sul, Índia e China. Ele existe desde 2009, mas não funciona de forma institucional dentro das Nações Unidas – ONU. No que se refere ao G8, há pessoas que o referem pelo status que o grupo tem no sistema global, mas não necessariamente se apresentam como tal na negociação ambiental e muito menos o G20, que embora já tenha pautado a questão climática em alguma de suas reuniões, nunca avançou muito em relação a isso. 

 

IHU On-Line – Quanto às populações e países mais miseráveis, quem defende seus interesses diante das grandes potências produtoras e poluidoras? Por que a ONU não se posiciona de maneira mais firme? Que constrangimentos estão em jogo?

Maureen Santos – A ONU tem uma série de limitações, do ponto de vista da estrutura e da convenção de mudança climática. Do ponto de vista de declaração formal, eu já cansei de ver o Ban Ki-Moon, secretário-geral da ONU, entre outros representantes das Nações Unidas, posicionando-se de forma bem forte sobre os efeitos das mudanças climáticas, mas está clara essa limitação de efetividade do que a entidade pode fazer. Há diversas organizações do sistema ONU que têm relação com este debate. Há lacunas enormes, por exemplo, como a questão dos refugiados ambientais, em que não se tem a aceitação do conceito de refugiado ambiental nem mesmo dentro do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - Acnur. Há muitos problemas, sim, em que a ONU poderia ser mais enfática, especialmente aos impactos dos países que já estão sofrendo por já terem vulnerabilidades preexistentes, e com o aquecimento global esses impactos serão ainda mais frequentes. A convenção não é capaz de criar constrangimentos para além daqueles que a opinião pública e a sociedade civil colocam aos países da convenção. Esse é um problema sobre efetividade dos acordos, que parece ser um vácuo que deveria ser pensado. Havia toda uma discussão sobre o descumprimento do Protocolo de Kyoto, de quem não cumprisse as medidas estabelecidas no próprio documento, mas estas eram extremamente ínfimas. É por todas essas coisas que se considera que a ONU deixa a desejar, pois poderia, por exemplo, ter uma corte internacional para julgar crimes socioambientais, e é nesse sentido que ela poderia se dedicar mais, mas não se dedica. 

 

IHU On-Line – Diante das limitações da ONU, que alternativas os países mais impactados têm para enfrentar os problemas climáticos?

Maureen Santos – Se contássemos somente com o sistema ONU para defender essas populações, seríamos bastante inocentes. Isso porque sabemos que o sistema é formado por Estados-Nacionais e eles têm a primazia nas decisões. Por isso a pressão doméstica é muito importante; no caso do Brasil há uma série de entidades, desde as representativas das populações tradicionais, que fazem essa articulação com o Estado brasileiro nestas disputas por interesses que são muito difíceis de garantir avanços, mas que são fundamentais. A proteção da Floresta Amazônica é um bom exemplo, pois se não houvesse as populações indígenas e as comunidades tradicionais nesses territórios, a floresta estaria destruída. O reconhecimento da existência dessas populações para o enfrentamento das questões ambientais é fundamental, também, para mostrar isso para o mundo todo. 

 

IHU On-Line – A única alternativa às negociações climáticas é a econômica? Que outras opções podem ser viáveis?

Maureen Santos – Percebemos que há uma lacuna muito grande do ponto de vista de políticas públicas, que quando chegam a esses locais vêm através da financeirização da natureza. Isso se dá com pagamentos como do Bolsa Verde, por exemplo, que acaba impedindo, de certa forma, o manejo que as comunidades estão acostumadas a fazer. Mas, para receber esse recurso, as famílias precisam declarar uma renda tão baixa, que elas não conseguem acessar outros tipos de programa, como o Pronaf. Criam-se, portanto, armadilhas para a própria comunidade para que não saia dessa situação. Há outros programas capitaneados pela iniciativa privada, que é o de precificar a natureza e o modo de vida, em vez de valorizar o trabalho, de criar políticas de crédito ou de criar feiras e projetos de renda associados a este trabalho que a população tradicional realiza e os produtos que ela produz. É preciso considerar que esses produtos deveriam ser mais valorizados, exatamente porque são feitos respeitando a natureza e permitindo que a população continue nestes locais. Essa discussão toda é algo com que nos preocupamos muito, primeiro porque estes projetos como o Pagamento por Serviços Ambientais ocorrem por meio de contrato privado, e sabemos o que estas relações contratuais podem gerar; segundo porque, além disso, criam-se certas identidades, como “servidor ambiental” ou “prestador de serviços ambientais”, que desconstroem uma série de heranças e culturais e geram uma série de problemas que percebemos, sobretudo, com relação à forma em que política vai se estabelecendo e criando a valorização das populações via mecanismos de financeirização, mas muito diferente da forma como elas sempre lutaram. Dentro dos projetos de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal – Redd, já se começa a trazer toda essa negociação do mercado formal de carbono para essas populações. Isso tudo é uma maluquice. Trata-se de um problema muito sério e que o Brasil acabou entrando na onda.

 

IHU On-Line – Quanto ao atual projeto desenvolvimentista nacional, o que se pode perceber da postura do Brasil com relação à questão ambiental e sua relação com os países vizinhos?

Maureen Santos – Uma crítica que não é só ao Brasil, mas também aos demais países da América Latina, é a questão do (neo)desenvolvimentismo, do extrativismo — que era algo que havia sido reduzido no continente, mas que voltou com toda a pompa nos anos 2000 — e, ao mesmo tempo, do retrocesso na legislação ambiental e nas políticas do país. Isso fica claramente expresso na flexibilização do Novo Código Florestal Brasileiro, sobretudo com relação à forma como isso foi feito, à revelia da opinião pública e das populações que estão na floresta, da agricultura familiar, da sociedade civil, dos ambientalistas, etc. O que se percebeu é que a pressão do agronegócio brasileiro foi determinante e permitiu que uma aberração como a que foi feita pudesse ter sido aprovada. Isto tudo está diretamente conectado à questão do (neo)desenvolvimentismo, porque há um retrocesso, também, das próprias políticas de produção para que pudesse haver uma retomada do crescimento. 

Nos anos 1990, existia um desejo de diversificação da matriz exportadora, mas nos últimos dez anos há uma espécie de primarização desta pauta; com isso, é mais produção de grãos, mais latifúndio, mais créditos e subsídio para estes setores da agricultura. Ainda que nos últimos anos tenha havido um aumento de crédito e políticas para a agricultura familiar e camponesa, a desigualdade de investimentos permanece. Isto tudo mostra os impactos na questão ambiental, visto o aumento do desmatamento, que voltou a acontecer — desde 2005 estava em uma curva descendente devido às políticas de combate ao desmatamento, mas, especialmente no bioma do Cerrado, percebemos uma expansão absurda do desmatamento. A resposta mais concreta que está sendo dada à questão ambiental brasileira é a financeirização, com as Bolsas de Ativos Ambientais para financiar reserva legal, ou seja, se determinado produtor só poderia desmatar 10% de determinada área, mas desmata 20%, pode “comprar” uma cota de outra propriedade por meio da bolsa de valores com títulos de reserva ambiental. Isso é um processo de virtualização das próprias políticas e questões ambientais, que se forma de maneira muito complexa e é um enfrentamento que deve piorar nos próximos anos.

 

IHU On-Line – Após 20 anos de conferências climáticas internacionais, o que mudou na responsabilização dos países e o compromisso com combate ao aquecimento global?

Maureen Santos – Se comparamos a Convenção de Mudança Climática, com relação à de biodiversidade, ou a Convenção de Viena, com relação à camada de ozônio, percebemos que as medidas concretas e os compromissos adotados são bem reduzidos. Existe uma crítica muito grande de que a urgência do debate climático ocorre em concomitância com outras urgências, como, por exemplo, a crise da biodiversidade, que não é enfrentada da mesma forma. A discussão de mudança climática foi capitaneada pelo mercado e, por isso, mesmo que se estabeleçam metas, como no caso do Protocolo de Kyoto, que foram irrisórias e não tiveram efetividade nenhuma do ponto de vista de redução de emissões, percebe-se que políticas e instrumentos econômicos, no caso de mercado de carbono, são criados para acompanhar este processo. A questão é: até que ponto, ao criar novas metas de redução nos países mais poluentes, novos instrumentos econômicos — que trarão mais problemas — serão criados? Existe uma preocupação muito grande nesse sentido. O meu receio é quanto ao que pode acontecer quando criamos novas metas de redução. Ou seja, pode-se continuar emitindo poluentes, desde que haja dinheiro para comprar a cota de outro. 

 

IHU On-Line – Tendo em vista o cenário atual, avançamos para quem e retrocedemos para quem?

Maureen Santos – Creio que continuaremos avançando para os setores que querem implementar esta economia verde, um avanço maior para os setores que são dominantes no agronegócio, por meio de uma agricultura de baixo carbono — seja lá o que isso quer dizer — trazendo elementos cada vez mais fortes do ponto de vista da política econômica e ganhos desses setores. Infelizmente, não percebo nada que me traga uma esperança de setores da economia verde que estejam pensando em alternativas concretas para o Brasil ou pensando um novo modelo de desenvolvimento, que me parece ser o grande ponto de discussão que não é tocado. Qual o modelo de desenvolvimento que queremos para enfrentar o problema ambiental e poder construir um mundo sem um passivo para as próximas gerações? Este é um ponto do debate que as convenções não tratam, os Estados não estão tratando, mas que as populações tradicionais e a sociedade civil vêm tocando a todo momento.

 

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Maureen Santos – Do ponto de vista da sociedade civil, estamos em um ano que vai ser de bastante trabalho e articulação com a próxima COP-20, que ocorrerá na América Latina, em Lima, no Peru, de 1º a 12 de dezembro de 2014. Vai ser uma convenção que é amazônica, indígena. Este evento traz alguns elementos, não do ponto de vista oficial, mas da perspectiva da construção social, pois será um ponto de encontro importante da sociedade civil para se fortalecer e para as populações tradicionais trocarem experiências. Além disso, para a América Latina será importante, sobretudo para tentarmos construir alguma coisa, pensar novas formas de fazer política e de atuar no tema ambiental, que é muito mais amplo que a mudança climática.

 

Leia mais...

- COP-17: um compromisso político. Entrevista com Maureen Santos publicada nas Notícias do Dia, de 15-12-2011;

- COP-17 e o impasse de Kyoto. Entrevista especial com Maureen Santos publicada nas Notícias do Dia, 24-10-2011.

 

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