Edição 441 | 28 Abril 2014

O governo do PT e a mudança no paradigma sindical

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Por Ricardo Machado | Colaborou: Cesar Sanson

Para Roberto Véras, apesar dos avanços nas negociações coletivas, não houve mudanças estruturais nas dinâmicas sociais do trabalho

“De fato, as negociações coletivas voltaram a produzir ganhos mais efetivos, especialmente reajustes salariais acima da inflação, completando o quadro de ganhos para os trabalhadores. Entretanto, tais conquistas e ganhos não têm conseguido produzir mudanças mais estruturais na configuração das dinâmicas sociais do trabalho (marcadas por clivagens e discriminações de várias ordens)”, pondera o professor Roberto Véras de Oliveira, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. Ao se debruçar sobre o pano de fundo do trabalho nos três mandatos do Partido dos Trabalhadores - PT à frente do Palácio do Planalto, o professor considera que houve uma mudança na dinâmica do capitalismo e, consequentemente, do trabalho. “No que se refere às agendas trabalhista e sindical, alguns aspectos do contexto que se estabeleceu a partir da eleição de Lula merecem maior destaque. Em primeiro lugar, é importante que se considere que a dinâmica mundial do capitalismo nas últimas décadas têm sido fortemente marcada por pressões flexibilizadoras e precarizantes, tendo isso se intensificado a partir do desencadeamento da crise global, em 2008”, frisa.

A força e a pressão que os sindicatos de trabalhadores exerceram, principalmente, na década de 1980, mas também na década seguinte, parecem ter perdido o fôlego. Na avaliação de Roberto Véras, “uma significativa presença de ex-sindicalistas nos diversos escalões do governo, inclusive em vários postos no primeiro escalão, não representou uma marcante presença sindical no debate público sobre os temas do trabalho e da cidadania. O sindicalismo brasileiro não tem conseguido recuperar o protagonismo político que teve nos anos 1980”, considera.

Roberto Véras de Oliveira é graduado em Economia pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Realizou mestrado em Sociologia também pela UFPB e doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente é professor na UFPB, atuando no Departamento de Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia, onde coordena o programa na gestão 2013-2015. 

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Completam-se, em 2014, 12 anos do PT no governo federal. Pensando a relação da gestão petista com o movimento sindical, qual é o balanço que pode ser feito?

Roberto Véras - O balanço não é simples de ser feito, visto que o governo tem atuado sob uma coalizão de forças bastante heterogênea e marcada por contradições. Um aspecto a realçar se refere à relação entre as expectativas geradas e as realizações. Em se tratando de uma raríssima oportunidade na qual um partido considerado de esquerda assume a Presidência da República, estabeleceu-se entre os eleitores, os simpatizantes e os militantes políticos mais diretamente identificados com a figura de Lula e com a história do PT, incluindo militantes sindicais, a confiança de que o enfrentamento dos problemas sociais históricos seria, enfim, tomado como prioridade no país. De fato, as políticas sociais foram alvo de investimentos jamais feitos na história do país, com destaque para o Bolsa Família , ao mesmo tempo que a retomada de um papel mais ativo do Estado no fomento ao desenvolvimento econômico produziu importante elevação das taxas de emprego e de formalização, assim como tem havido sistemática política de elevação do salário mínimo. Tudo isso favoreceu a elevação da renda dos trabalhadores, a diminuição dos índices de desigualdades sociais, o combate à pobreza extrema. 

Sob um contexto econômico mais positivo e um ambiente político mais amigável, estabeleceram-se condições mais favoráveis à ação sindical. De fato, as negociações coletivas voltaram a produzir ganhos mais efetivos, especialmente reajustes salariais acima da inflação, completando o quadro de ganhos para os trabalhadores. Entretanto, tais conquistas e ganhos não têm conseguido produzir mudanças mais estruturais na configuração das dinâmicas sociais do trabalho (marcadas por clivagens e discriminações de várias ordens: de gênero, regionais, de geração, de nível de qualificação, grau de formalização, de grau de proteção social, etc.). Por outro lado, as dificuldades de construção de uma maior unidade de organização e ação sindical até aumentaram, com a pulverização da cúpula do movimento sindical, trazida com a multiplicação das centrais, completando um quadro já bastante pulverizado na base, no âmbito dos sindicatos e federações. As indicações de um certo esgotamento no atual ciclo de retomada do crescimento econômico e nos efeitos das políticas sociais no padrão de distribuição de renda, somadas à incapacidade do sindicalismo de gerar uma presença e postura mais proativas no cenário político do país, anunciam maiores dificuldades no próximo período em manter os ganhos atuais e uma maior distância do horizonte de mudanças mais estruturais no quadro socioeconômico do país. 

 

IHU On-Line - Lula é oriundo do movimento sindical. Como o senhor avalia a postura do ex-presidente na agenda do mundo do trabalho? Ele teve uma postura mais ousada ou comportada?

Roberto Véras - No que se refere às agendas trabalhista e sindical, alguns aspectos do contexto que se estabeleceu a partir da eleição de Lula merecem maior destaque. Em primeiro lugar, é importante que se considere que a dinâmica mundial do capitalismo nas últimas décadas tem sido fortemente marcada por pressões flexibilizadoras e precarizantes, tendo isso se intensificado a partir do desencadeamento da crise global, em 2008. Quanto ao Brasil, embora esteja vivenciando, nestes últimos 12 anos, um momento político e econômico diferenciado, de modo contrastante com as tendências prevalecentes no próprio país nos anos 1990 e aquelas que continuaram marcando o quadro internacional, incluindo os países centrais, continuou submetido a tais pressões. Destaquem-se: do lado da dinâmica real das relações de trabalho, os processos de terceirização e a rotatividade no emprego continuaram concorrendo para flexibilizar e precarizar vínculos de trabalho; de outra parte, no que se refere às posições dos agentes e às disputas de ideias na sociedade, as lideranças empresariais continuaram sua agenda de divulgação e pressão pela flexibilização das relações de trabalho, incluindo a legislação trabalhista, o que continuou sendo amplamente propagado, especialmente em razão do apoio da grande mídia. 

Da parte do governo, algumas medidas concorreram para frear os ritmos de flexibilização/precarização, embora não de modo a eliminar tais pressões e menos ainda no sentido de produzir mudanças mais estruturais (conforme já comentamos): retirou do congresso o projeto de lei que flexibilizava a CLT ; instituiu o Fórum Nacional do Trabalho - FNT, com o fim de patrocinar o debate e a negociação, em bases tripartites, das reformas trabalhista e sindical; articulou políticas sociais e econômicas, que, conforme já comentado, produziram um quadro mais favorável aos ganhos dos trabalhadores. Como do FNT não resultou um acordo amplamente reconhecido pelas partes envolvidas e pelo congresso nacional, a partir dele não se produziu uma reforma trabalhista e sindical negociada. O tema sindical chegou a ser discutido, com alguma proposta tendo sido produzida, mas não implicou em um efetivo e sólido acordo. Quanto ao tema trabalhista, sequer chegou a ser debatido. 

Com um ambiente econômico de retomada do desenvolvimento, com ganhos salariais e sociais, o tema saiu de foco (no debate público), mas os processos de flexibilização e reprodução da precariedade, especialmente por meio da dinâmica da subcontratação e da rotatividade no emprego, continuaram. Ao mesmo tempo, medidas como a Reforma da Previdência subtraíram direitos sociais e representaram a outra face do Governo, aquela que tem fortes compromissos com a lógica do mercado, gerando um ambiente de tensão entre governo e centrais sindicais. Uma certa compensação foi produzida com a medida que reconhece as Centrais, inclusive destinando fundos públicos à sua manutenção. Agora, com as indicações de certo esgotamento do ciclo econômico e com um maior desgaste da base de apoio ao governo, assim como com a sombra da crise global pairando sobre país, voltam as pressões, inclusive do ponto de vista de alterações na lei. O destaque quanto a isso é o projeto que se encontra atualmente em discussão no congresso nacional sobre a terceirização (PL 4.330 ). Em síntese, a postura do governo visou, antes, segurar a onda desregulamentadora e precarizante, estabelecida ao longo dos anos 1990, do que produzir mudanças na base legal das relações de trabalho, que viessem trazer novas conquistas aos trabalhadores.

 

IHU On-Line - De que maneira avalia o comportamento do movimento sindical nesses 12 anos de poder do PT?

Roberto Véras - Em geral, e simplificando bastante, avalio que o movimento sindical não soube aproveitar o momento para avançar na sua agenda de reivindicações. De um lado, houve uma corrida, da parte das lideranças sindicais, especialmente da Central Única dos Trabalhadores - CUT (mais próxima do PT e de Lula), para ocupar cargos no governo, gerando a falsa sensação de que o sindicalismo estaria assim representado no programa a ser executado. De outro, os vínculos ideológicos (herdados da trajetória em comum de construção de um projeto democrático e popular para o país) e pragmáticos (cada vez mais presentes nas relações entre governo e sindicalismo) levaram a uma postura marcada pela cautela. Em algumas situações, como da Reforma da Previdência, a fidelidade ao governo falou mais alto do que a independência sindical, afetando sobremaneira a CUT, que passou desde então a sofrer sucessivas defecções. Em um balanço geral, poderia dizer que o sindicalismo (como um todo), nesse período, foi incapaz de criar uma base de ação articulada em torno de projetos comuns, de modo a aproveitar o contexto mais favorável (econômica e politicamente) para disputar propostas e os rumos do próprio governo. Uma significativa presença de ex-sindicalistas nos diversos escalões do governo, inclusive em vários postos no primeiro escalão, não representou uma marcante presença sindical no debate público sobre os temas do trabalho e da cidadania. O sindicalismo brasileiro não tem conseguido recuperar o protagonismo político que teve nos anos 1980.

 

IHU On-Line - Em termos práticos, quais foram os principais avanços na pauta do trabalho durante esse período?

Roberto Véras - Basicamente, os avanços se situam no aumento do emprego e da formalização, na recuperação do salário mínimo e na retomada das conquistas sociais e econômicas via negociações coletivas. Aliado aos ganhos materiais, é importante que se registre uma maior liberdade para a atuação sindical e um maior espaço político e institucional para negociações sociais.

 

IHU On-Line - E onde estão os principais recuos?

Roberto Véras - Eu não diria que houve propriamente recuo. O que tem ocorrido é que os avanços têm sido insuficientes (frente aos desafios estruturais) e passíveis de reversão. Basta que persista um ciclo econômico de baixo crescimento ou, pior ainda, de recessão, para que as taxas de desemprego cresçam, a formalidade decresça, os ganhos salariais sejam minados. Em um quadro assim, será necessário mais determinação política para se evitar danos maiores aos trabalhadores. Quanto ao sindicalismo, precisará passar para uma atuação mais competente e articulada.

 

IHU On-Line - Pensando na agenda do mundo do trabalho, quais são os principais desafios que precisam ser enfrentados?

Roberto Véras - O principal desafio é político. Passa pela possibilidade histórica da autoconstituição dos trabalhadores como força social e política capaz de influir nos acontecimentos, garantindo que suas demandas e seu ponto de vista se traduzam em projeto.

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