Edição 441 | 28 Abril 2014

O mundo do trabalho na Era Lula/Dilma: Ganhos conjunturais, ‘perdas’ estruturais

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Cesar Sanson

“São inegáveis os ganhos dos trabalhadores sob a hegemonia do PT nesses doze anos de poder. Houve conquistas conjunturais, porém, mudanças substanciais de natureza estrutural que poderiam dar ganhos perenes aos trabalhadores não foram realizadas”. A opinião é de Cesar Sanson, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, em artigo para a IHU On-Line.

Eis o artigo.

No palanque do 1º de maio de 2012, o ministro Gilberto Carvalho  — principal interlocutor do governo junto ao movimento sindical — afirmou: “Estamos felizes. No 1º de Maio na Europa, os trabalhadores estão fazendo protestos e aqui o clima é outro, de pleno emprego, economia crescendo e distribuição de renda (...) nos últimos dez anos, a classe trabalhadora deixou de ser marginalizada e passou a ser contemplada, efetivamente por políticas sérias de governo de inclusão social”  .

São inegáveis os ganhos dos trabalhadores sob a hegemonia do PT nesses doze anos de poder. Houve conquistas, sobretudo conjunturais, porém, mudanças substanciais de natureza estrutural que poderiam dar ganhos perenes aos trabalhadores não foram realizadas.

Nos últimos anos, assistiu-se a diminuição do desemprego com acentuada oferta de postos de trabalho de carteira assinada, o aumento real dos salários e a mobilidade social ascendente de milhares de brasileiros. Esses foram os principais ganhos conjunturais. Mesmo esses ganhos, porém, precisam ser matizados. Apesar do incontestável crescimento do assalariamento e da recomposição salarial, os salários, na média, ainda são muito baixos .

Mais de 90% das ocupações criadas na última década são de até 1,5 salário mínimo. O valor do salário mínimo no país, em que pese o seu aumento real, ainda se mantém distante do valor digno preconizado pela Constituição brasileira. É preciso destacar também que persistem muitas ocupações precárias e o desemprego disfarçado em que pessoas entram nas estatísticas como ocupadas, mas na verdade estão em situação precária, procurando novas ocupações, percebendo rendimentos do mercado informal, e muitas vezes sequer recebendo. 

Outro dado significativo é de que parte substantiva dos empregos gerados é terceirizada, e emprego terceirizado é, via de regra, emprego precário. Estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese, revelam que o trabalhador terceirizado fica 2,6 anos a menos no emprego, tem uma jornada semanal de trabalho de três horas a mais e ganha 27% menos. Ainda mais, a cada 10 acidentes de trabalho, oito ocorrem entre terceirizados. Pior ainda, a terceirização presta-se como mecanismo de desrespeito aos direitos dos trabalhadores. 

Faz-se necessário observar ainda que perduram os altos índices de rotatividade no trabalho, e o que é pior, crescimento assustador do número dos acidentes de trabalho e das doenças ocupacionais. Não é um exagero afirmar que a integridade física dos trabalhadores brasileiros está em perigo. As condições precárias de trabalho acidentam anualmente cerca de 500 mil trabalhadores, chegando a 2,5 mil mortos. 

Ao mesmo tempo, portanto, que não se pode deixar de reconhecer a expansão do emprego com carteira assinada e a política de valorização do salário mínimo, é preciso admitir que o mercado de trabalho brasileiro permanece bastante precário. Considerando-se, entretanto, as décadas perdidas do período anterior, anos 80 e 90, é indiscutível que a realidade melhorou consideravelmente para o conjunto dos trabalhadores. Nessa perspectiva é que se chega à conclusão de que após uma década sob a hegemonia do PT no poder têm-se ganhos conjunturais para os trabalhadores e trabalhadoras.

No rol de avanços no mundo do trabalho da Era petista inclui-se ainda a melhora na relação com o movimento operário. Apesar das tensões, o governo nunca deixou de conversar com as centrais sindicais e estabelecer mesas de negociação. Diferentemente de governos anteriores, respeitou-se e não se criminalizou o movimento sindical. Ainda mais, muitos militantes do movimento operário, particularmente sindical, assumiram postos relevantes no governo facilitando canais de diálogo com a agenda do movimento sindical. Desde a chegada de Lula ao poder, por outro lado, a porção majoritária do movimento sindical brasileiro tem estado ao lado do governo. Com exceção da Central Sindical e Popular - CSP-Conlutas  e da Intersindical, oriundas de cisões na Central Única dos Trabalhadores - CUT , as demais centrais por afinidade ideológica com o modelo (CUT) ou por conveniência e pragmatismo (Força Sindical) perfilam-se no apoio ao governo.

Feito esse primeiro balanço positivo da década petista vis a vis ao mundo trabalho, percebe-se que avanços estruturais na agenda do trabalho não acompanharam os ganhos conjunturais. Considerando-se a trajetória das forças políticas que assumiram o Palácio do Planalto, esperava-se uma agenda mais ousada. O que se viu, porém, foi uma pauta conservadora. 

Acuado pela enorme pressão exercida pelo mercado financeiro e fiel à ‘Carta ao Povo Brasileiro’, Lula  manteve a macroeconomia da Era FHC  e deu início à Reforma da Previdência que à época sinalizou o forte compromisso do governo com o ajuste fiscal. A Reforma da Previdência que começou na esfera pública e avançou para a esfera privada significou perdas para os trabalhadores. Com exceção da política de recuperação do poder de compra do salário mínimo, a agenda do trabalho do “governo dos trabalhadores” começou regressiva.

Bandeiras históricas da luta operária e camponesa não entraram na pauta, apenas na retórica. A redução da jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas e a Reforma Agrária nunca foram prioridades. A Era Lula/Dilma não teve coragem de afrontar o capital produtivo e o agronegócio. Pode-se invocar a conjuntura internacional e a ausência de uma sólida base de apoio no Congresso como justificativa das dificuldades na implementação dessa agenda, o fato, porém, é que essas ‘bandeiras’ não fizeram parte da agenda do governo. Passados quase década e meia da hegemonia petista no poder, a redução da jornada de trabalho e a Reforma Agrária — reformas estruturantes — continuam imobilizadas. No caso da redução da jornada de trabalho, sequer o governo nomeou uma comissão para debater o assunto.

Ao mesmo tempo que não se viu ousadia do governo com a agenda do mundo do trabalho, assistiu-se abertura à agenda do capital, financeiro, produtivo e agrário: Compromisso com o ajuste fiscal e monetário de interesse do capital financeiro, desonerações tributárias para o capital produtivo e generosos subsídios ao agronegócio. 

Outro aspecto de regressividade no mundo do trabalho diz respeito à desindustrialização. Estima-se que o peso da indústria de transformação na economia nacional foi na ordem de 30% nos anos 70 e hoje estaria na ordem de 20% nas avaliações mais otimistas. As implicações desse cenário para o mercado de trabalho são grandes. Os melhores salários encontram-se na indústria de bens manufaturados e é nesse setor que as categorias de trabalhadores e os seus sindicatos conquistam convenções coletivas mais avançadas, o que "puxa" a pauta de reivindicações do conjunto dos trabalhadores "para cima". 

Embora as causas da desindustrialização sejam múltiplas e complexas e não se possa culpabilizar apenas o governo por esse processo, é bom lembrar que na Era Lula/Dilma foram anunciados reiterados ‘pacotes’ com uma extensa pauta de desonerações tributárias favorecendo o capital produtivo. Nesse contexto, poder-se-ia perguntar: Por que não criar mecanismos de desoneração para a diminuição da jornada de trabalho?  Pior ainda, sequer o governo condicionou as isenções tributárias — a mais utilizada foi redução do IPI — com o compromisso da manutenção do emprego. 

O que se viu nessa última década foi que proporcionalmente ao encolhimento da indústria junto ao PIB brasileiro, assistiu-se ao crescimento da economia baseada em produtos primários, a denominada commoditização ou ainda reprimarização da economia, com o avanço do agronegócio e da mineração. A pauta de exportações brasileira hoje é feita, sobretudo, de produtos básicos, de commodities e mercadorias de baixa tecnologia ou que pouco ou quase nada agrega no aumento da massa salarial.

No balanço da quase década e meia do PT no plano federal, a percepção é de que no governo há certa postura de “tarefa cumprida” na relação com o mundo do trabalho. Essa postura se traduz na ideia de que na Era Lula/Dilma houve grande geração de empregos, aumento real do salário mínimo, oferta de crédito e aumento do poder de consumo. 

Uma leitura mais rigorosa, entretanto, mesmo considerando que desde os anos 80 assiste-se a uma forte e contínua ofensiva do capital frente ao trabalho, é de que um governo que se autodenomina de esquerda poderia ter feito muito mais. Contentou-se com os ganhos conjunturais, porém, não teve a ousadia em avançar em reformas estruturais.

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