Edição 202 | 30 Outubro 2006

O jornalismo como um espaço de luta política

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

Um dos principais teóricos da comunicação da atualidade, Nelson Traquina, concedeu uma entrevista exclusiva para a revista IHU On-Line, por telefone, na última semana. Ele ajuda a compreender o papel dos meios de comunicação na sociedade contemporânea, na edição em que buscamos analisar a relação entre a mídia e a política. Para ele, “os jornalistas estão vendo seu papel cada vez mais central nas democracias contemporâneas”.

Nelson Traquina é professor catedrático de Jornalismo na Universidade Nova de Lisboa e é presidente do Centro de Investigações Media e Jornalismo (CIMJ). Português, Traquina é mestre em Política Internacional, formado em Jornalismo pelo Institut Français de Presse e doutor em Sociologia. Como jornalista, foi correspondente da UPI (United Press International Television News). Hoje, Traquina se dedica ao estudo do jornalismo. Ele é considerado um dos principais teóricos da comunicação da atualidade, responsável por amplo painel biográfico das transformações do jornalismo nas últimas décadas e da análise sociológica dos processos de produção das notícias. Traquina é autor de O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Unisinos, 2001; Jornalismo: Questões, Teorias e Estórias Lisboa: Veja, 1993; O Poder do Jornalismo. Análise e Textos da Teoria do Agendamento. Coimbra: Minerva, 2000. Ele esteve na Unisinos em abril de 2004, ministrando palestras sobre cidadania e abuso de poder. Leia a entrevista.

IHU On-Line - Como se dá a relação entre política e mídia?

Nelson Traquina
- Esse é um assunto muito complexo. Os meios de comunicação social são centrais para a política e para os profissionais do campo político. O fato é que um grande número de pessoas utiliza os meios de comunicação social para ter informação sobre o ambiente que os circunda e, sobretudo, durante os processos eleitorais. A política faz parte do meio que nos rodeia e haverá pessoas que querem saber mais sobre essa realidade. Se os meios de comunicação social não falam do ator político, esse ator não existe no mundo de que as pessoas se utilizam para informar-se. Portanto, os políticos sabem cada vez mais que é preciso aparecer e estar nos meios de comunicação social. Muitas vezes, eles criam acontecimentos para conseguir um espaço nesse mundo inventado pelos meios. Certamente essa é uma razão pela qual há mais investimentos em toda essa indústria de relações públicas, intimamente ligada à política hoje em dia.

IHU On-Line - Como podemos pensar a ética no jornalismo, considerando um sistema político marcado pela corrupção?

Nelson Traquina
- Essa é uma realidade que confronta os profissionais com sérios desafios. A postura muito dependerá da maneira de a pessoa fazer jornalismo. Há no jornalismo toda uma série de responsabilidades e comportamentos que devem ser associados ao profissional do campo jornalístico. Esse é um desafio muito grande, mas penso que, no Brasil, continua a haver muitos profissionais que acreditam nesse objetivo. Embora não seja conhecedor profundo da realidade brasileira, nos últimos meses e anos vejo que os jornalistas têm enfrentado questões sérias para o processo político e a democracia no Brasil.

IHU On-Line - Qual o papel das teorias do jornalismo para ajudar a compreender o fazer da profissão muitas vezes corrompida pelo poder político? Essas teorias não deveriam sofrer alterações?

Nelson Traquina
- É necessário estudar o jornalismo, sobretudo encará-lo como um espaço de luta política, por exemplo, em que os diversos atores políticos tentam fazer ouvir a sua voz nos meios de comunicação social. Certamente os jornalistas têm um papel importante, porque eles têm o poder de selecionar que acontecimentos vão fazer parte, ou que vão construir o noticiário, que aspectos da sociedade vão estar presentes nos meios de comunicação social. A luta, a abrangência e a pluralidade de opiniões são muito importantes no jornalismo, e os jornalistas estão vendo seu papel cada vez mais central nas democracias contemporâneas.  

IHU On-Line - Como o senhor analisa as transformações tecnológicas que o jornalismo vem sofrendo, com a inserção de jornalismo eletrônico, por meio de blogs e sites de notícias? O que muda na lógica da produção jornalística?

Nelson Traquina
- As novas tecnologias oferecem novas oportunidades, mas, ao mesmo tempo, novos desafios. Um desafio é a crescente pressão do fator tempo no trabalho jornalístico. Mas, da mesma maneira, oferece capacidades de conseguir maior número de idéias, obter mais informação, tornar o trabalho jornalístico com mais qualidade.

IHU On-Line - O senhor fala de jornalismo ideológico e econômico. Pode explicar esses dois tipos de jornalismo relacionando-os à política?

Nelson Traquina
- O jornalismo ideológico certamente não corresponde ao paradigma dominante no jornalismo nas sociedades democráticas. Quanto ao jornalismo econômico, podemos falar de duas coisas diferentes: um jornalismo sobre economia, que seria uma especialização dentro do jornalismo, e o fator econômico no jornalismo, bem como os efeitos que esse fator tem sobre o jornalismo.

IHU On-Line - Democracia e liberdade de imprensa andam juntas? Elas são compatíveis? 
   
Nelson Traquina
- Elas são essenciais uma a outra. Portanto, não há jornalismo e democracia sem liberdade.

IHU On-Line - Existe imparcialidade no jornalismo? Ela pode ser ainda aplicada no jornalismo da contemporaneidade, marcado pela luta de tantos poderes?

Nelson Traquina
- Depende da maneira como cada um concebe a imparcialidade no jornalismo. Se isso quer dizer que não há valores no jornalismo, acho que é uma concepção errada. O jornalismo tem ganhado credibilidade, e os profissionais do campo jornalístico mostram uma tentativa constante de tentar ouvir as diversas vozes num conflito ou numa disputa sobre uma determinada questão. 

 

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição