Edição 433 | 02 Dezembro 2013

Áreas úmidas artificiais – As lavouras de arroz no Rio Grande do Sul

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Ricardo Machado e Andriolli Costa | Colaborou: Leonardo Maltchik

Ana Silvia Rolon, bióloga da Unisinos, expõe a importância dos arrozais para o ecossistema, mas alerta que as lavouras não substituem as áreas úmidas naturais

O Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz irrigado em todo o País. De acordo com dados do Instituto Rio Grandense do Arroz – Irga, 65% da produção nacional do grão vem das lavouras do Estado. Ainda de acordo com o Instituto, a estimativa é de que sejam semeados mais de 1 milhão de hectares de arroz em todo o Estado. De acordo com a bióloga Ana Silvia Rolon, estes agroecossistemas representam grande parcela das áreas úmidas gaúchas, “sendo consideradas por diversos pesquisadores como áreas úmidas artificiais”. Estas compartilhariam uma série de características em comum, apresentando “potencial para conciliar a conservação da biodiversidade aquática e a produção de arroz”.

No entanto, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Rolon afirma que estas lavouras não podem ser consideradas substitutos para as áreas úmidas tradicionais. Isto porque a biodiversidade de cada ambiente é diversificada, e com fauna e flora heterogênea. Mais do que isso, elementos como “o manejo do solo, o uso de maquinários e agrotóxicos, a previsibilidade de inundação, o controle artificial da profundidade e a monocultura” impedem que as lavouras de arroz possam ser comparadas às áreas naturais. De acordo com a bióloga, “essas práticas agrícolas funcionam como um filtro, selecionando quais espécies poderão ou não ocorrer no local”.

Uma das grandes dificuldades para a conservação destas áreas é a consciência do poder público e do próprio produtor rural da importância destes ecossistemas. Entre as várias funções das áreas úmidas, Rolon destaca a propriedade de armazenar e purificar a água, garantir o desenvolvimento de espécies essenciais para o controle de pragas, disponibilizar nutrientes e polinizar. “A ausência de qualquer um desses serviços ecossistêmicos pode inviabilizar o desenvolvimento agrícola de uma região”, alerta.

Ana Silvia Rolon é graduada em Ciências Biológicas pela Unisinos, possui mestrado em Biologia pela mesma universidade, doutorado em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Possui ainda um pós-doutorado na Unisinos, onde atualmente leciona. É membro do laboratório Ecologia e Conservação de Ecossistemas Aquáticos. Suas pesquisas voltam-se principalmente para o estudo das plantas aquáticas, unidades de conservação e diversidade no ecossistema no Rio Grande do Sul.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – O que são espécies endêmicas e por que é importante preservá-las?
Ana Silvia Rolon -
Espécies endêmicas são aquelas que têm sua área de ocorrência restrita a uma área geográfica reduzida, como, por exemplo, um bioma, bacia hidrográfica ou formação geológica. Para que ocorra a efetiva conservação destas espécies é essencial que o ambiente nas quais elas ocorrem esteja preservado. Todas as espécies devem ser conservadas, independentemente da sua área de distribuição (ampla ou restrita) ou de sua importância para a sociedade. Todas as espécies são relevantes ecologicamente, sendo essenciais para o equilíbrio e o funcionamento dos ecossistemas. O valor intrínseco de cada espécie, por si só, já justifica a sua conservação, entretanto, maiores esforços de conservação são destinados às espécies endêmicas, pois as limitações geográficas de sua distribuição as tornam mais suscetíveis à extinção. Além disso, algumas espécies endêmicas são consideradas símbolos da sua região, agregando a importância cultural para a sua conservação.

IHU On-Line – As lavouras de arroz correspondem à maioria das áreas alagadas do Rio Grande do Sul? Como podemos pensar práticas de sustentabilidade visando à preservação da biodiversidade em ambientes agrícolas?
Ana Silvia Rolon -
Embora as lavouras de arroz não correspondam à maior parcela de áreas inundadas do Rio Grande do Sul, elas realmente representam uma parcela significativa da paisagem. Esses agroecossistemas apresentam uma série de características em comum com as áreas úmidas, sendo consideradas por diversos pesquisadores como áreas úmidas artificiais. Dessa forma, as lavouras de arroz são áreas com potencial para conciliar a conservação da biodiversidade aquática e a produção de arroz. Entre as práticas de manejo que podem viabilizar essa conservação, podem ser citadas a redução ou eliminação do uso de agrotóxicos, o controle no uso de fertilizantes, o manejo sustentável da água nas lavouras e o manejo das lavouras no período de entressafra.

IHU On-Line – Como os diferentes manejos em áreas agrícolas distintas — permanentemente inundadas e áreas que alternam períodos sem inundação — impactam na biodiversidade? Que tipo de manejo é o mais adequado ao meio ambiente?
Ana Silvia Rolon -
Estudos recentes realizados em lavouras de arroz e em áreas úmidas naturais do Rio Grande do Sul indicaram que o tempo que a água permanece no sistema é determinante para a composição de espécies que colonizam esses ambientes. Lavouras que permaneciam naturalmente inundadas no período de entressafra eram colonizadas por espécies de plantas aquáticas com grande dependência da água, as quais eram muito similares ao conjunto de espécies encontradas em áreas úmidas permanentes. Entretanto, as espécies encontradas nas lavouras de arroz que alternavam períodos secos e úmidos eram típicas de áreas úmidas intermitentes. Ambos os manejos adotados na entressafra (manter inundada ou drenada) foram eficientes no sentido de manter a biodiversidade de plantas, invertebrados, anfíbios e aves. Contudo, quais espécies ocorriam em cada uma dependia da capacidade dos organismos de tolerarem períodos de seca. Com base nos resultados obtidos entre os diferentes grupos taxonômicos estudados — plantas, invertebrados, anfíbios e aves —, a indicação seria manter um mosaico de lavouras permanentemente inundadas e lavouras que alternam períodos inundados e secos. Isso contribuiria para a maior heterogeneidade da paisagem e, assim, maior disponibilidade de ambientes para a colonização de espécies de áreas úmidas.

IHU On-Line – Dada a realidade dos arrozais, considerando inclusive que são áreas privadas, que desafios estão postos à conscientização do manejo adequado com vistas à preservação ambiental? De que maneira o Estado poderia ajudar nesse sentido?
Ana Silvia Rolon -
O atual desafio da conservação da biodiversidade reside exatamente na incorporação das áreas privadas como auxiliares na conservação ambiental, visto que áreas destinadas à conservação — parques, reservas e outras Unidades de Conservação — são insuficientes para a efetiva conservação das espécies. Esclarecer aos produtores rurais os benefícios em longo prazo do manejo adequado das culturas agrícolas e, obviamente, a intensificação de pesquisas sobre as técnicas mais sustentáveis estão entre os principais desafios futuros para um desenvolvimento agrícola sustentável. A conscientização da importância dos recursos naturais para a sustentabilidade das atividades agrícolas é algo que deve ser priorizado. As áreas úmidas têm, entre outras funções, a propriedade de armazenar e purificar a água, assim como as espécies são essenciais para controlar pragas, disponibilizar nutrientes e polinizar. A ausência de qualquer um desses serviços ecossistêmicos pode inviabilizar o desenvolvimento agrícola de uma região. O papel do Estado seria apoiar e incentivar práticas que visem à conservação ambiental; exemplos de incentivos fiscais, financiamentos, redução de impostos e pagamento por serviços ambientais para produtores ambientalmente conscientes podem ser vistos em diversos países europeus.

IHU On-Line – Podemos pensar que as áreas úmidas ocupadas pelas lavouras de arroz podem ser consideradas substitutas das áreas úmidas naturais? Como cada uma se caracteriza?
Ana Silvia Rolon -
As lavouras de arroz não podem ser consideradas substitutas de áreas úmidas naturais. Diversas espécies aquáticas não ocorrem nessas áreas manejadas. Os arrozais sustentam apenas uma parcela da biodiversidade das áreas úmidas e sua importância reside na conservação das espécies que apresentam alguma resistência às diversas práticas de manejo adotadas nas lavouras. Salientando-se que nem todas as espécies de plantas aquáticas são danosas à cultura do arroz. O manejo do solo, o uso de maquinários e agrotóxicos, a previsibilidade de inundação, o controle artificial da profundidade e a monocultura são alguns dos atributos que impedem que as lavouras de arroz possam ser comparadas às áreas naturais no sentido de função ecológica, produtividade e diversidade biológica. Essas práticas agrícolas funcionam como um filtro, selecionando quais espécies poderão ou não ocorrer no local.
 
IHU On-Line – Podem-se recuperar áreas úmidas naturais que foram drenadas? Se sim, como?
Ana Silvia Rolon -
As áreas úmidas estão entre os ecossistemas com grande capacidade de recuperação. Diversos estudos evidenciam resultados satisfatórios e rápidos na restauração de áreas úmidas degradadas. Em muitos casos a simples restauração da condição hidrológica natural é suficiente para a recuperação do ecossistema, em outros casos, onde os impactos foram severos, a introdução de algumas espécies faz-se necessária para que outras possam colonizar e dar sequência ao processo de sucessão de espécies.

IHU On-Line – Desde quando a questão das áreas úmidas se tornou uma preocupação ambiental e qual a importância das pesquisas na área? Que espaço o Brasil ocupa nesse âmbito acadêmico?
Ana Silvia Rolon
- A questão das áreas úmidas tornou-se evidente diante da crise da água, sua escassez física e redução em qualidade, e do aumento de espécies em perigo de extinção. A possibilidade de falta de água e as suas consequências sociais e econômicas despertaram o interesse no estado de conservação dos recursos aquáticos. Pesquisas no sentido de garantir a sustentabilidade da água como um recurso imprescindível para a sociedade e para a biodiversidade vêm aumentando a cada ano; além disso, as áreas úmidas são reconhecidamente importantes para a manutenção da biodiversidade global. A alta biodiversidade encontrada nesses ecossistemas e a elevada degradação decorrente do crescimento populacional incentivam os crescentes estudos visando à conservação e recuperação de áreas úmidas. O número de pesquisas realizadas no Brasil vem crescendo aceleradamente, e o impacto dessas pesquisas vem sendo mais amplamente difundido.

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