Edição 432 | 18 Novembro 2013

A força política do ativismo na Europa

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Andriolli Costa/Tradução: Moisés Sbardelotto

Ativista por mais de 20 anos e membro do parlamento europeu, Arnaud Apoteker defende que a força das manifestações levanta o debate sobre os riscos dos transgênicos em toda a sociedade

Em toda a União Europeia, apenas dois tipos de sementes transgênicas podem ser cultivados. O milho OGM da Monsanto (MON810) e a batata Amflora do grupo alemão BASF, que não foi liberada para consumo humano. Tal processo de fechamento do mercado para os OGMs começou ainda em 1996, com o escândalo da doença da Vaca Louca  e o receio de que o uso de soja transgênica seria um dos responsáveis. De lá para cá, o assunto vem sendo muito debatido e o lobby para a liberação dos transgênicos é grande, mas sofre uma oposição igualmente poderosa: a dos ativistas. 

Durante mais de 20 anos, Arnaud Apoteker trabalhou no Greenpeace, na França, e atualmente é representante do partido Greens/EFA no parlamento europeu, onde atua como consultor de organismos geneticamente modificados. Durante este tempo, ele foi organizador de uma série de ações mais incisivas no combate à entrada dos transgênicos na França. Em 2006, por exemplo, os ativistas do Greenpeace invadiram uma plantação da Monsanto e marcaram um círculo na plantação com um grande X, indicando que aquela era uma lavoura transgênica. A ação foi uma resposta a uma solicitação da multinacional para que o Google Maps retirasse da página a marcação digital que também identificava a área como região de cultivo de transgênicos. 

 “Estas atividades ‘obrigam’ a mídia a falar sobre o assunto”, esclarece Apoteker. “Ajudam os consumidores a chegar, a conhecer quais são as realidades das importações de transgênicos, e levam a discussões com os quem decide no âmbito político”. Para ele, o discurso de escassez que justificaria o uso das sementes transgênicas é uma falácia. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o ativista e pesquisador evidencia suas preocupações. “Todos os transgênicos comerciais de hoje são plantas pesticidas, que ou resistem a aplicações de herbicidas ou produzem o seu próprio inseticida, tornando-os ‘esponjas de pesticidas’, que vão acabar na nossa comida”. 

Arnaud Apoteker é mestre em Proteção Ambiental pela Universitée Paris 7 e doutor em Física Aplicada de Biologia Química pela Paris 12. Seu pós-doutorado em Química Analítica e Cinética das Enzimas foi concluído na University of Arizona, em Tucson, EUA. Apoteker é autor do livro Du poisson dans les fraises, Notre alimentation manipulée, [NT: Peixe nos morangos – Nossos alimentos manipulados] (Paris: Ed. La Découverte, 1999). 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Por muitos anos você tem se posicionado de maneira contrária aos organismos geneticamente modificados. Você defende o fim desse tipo de pesquisa? Ou acredita que elas são possíveis, desde que haja uma avaliação adequada de seus impactos?

Arnaud Apoteker – Os organismos geneticamente modificados (OGMs) podem ser ferramentas muito boas e importantes de pesquisa, para a pesquisa fundamental (como a compreensão de como os genes e os genomas funcionam, por exemplo) e a pesquisa aplicada, como a concepção de novos medicamentos. Mas essa pesquisa deve ser feita em laboratórios e em ambientes confinados, e nenhum transgênico deve ser liberado no meio ambiente, pois as consequências ecológicas de longo prazo são imprevisíveis.

 

IHU On-Line - Do ponto de vista dos riscos à saúde humana e ao meio ambiente, qual a diferença das plantas geneticamente modificadas (PGMs) para os demais organismos geneticamente modificados (OGMs)? 

Arnaud Apoteker – A modificação genética de plantas pode ter impactos sobre o genoma das plantas de formas desconhecidas e imprevisíveis. Ainda sabemos muito pouco sobre como o genoma funciona, mas sabemos que o velho dogma de que um gene comanda uma função não é verdade, e que os genes poderem ter várias funções e as interações entre genes são pelo menos tão importantes quanto as próprias funções dos genes. Às vezes, microrganismos geneticamente modificados são usados para produzir aditivos para produtos alimentares, mas o próprio transgênico não está no produto final, gerando um risco bastante diferente das plantas. E, até agora, não há absolutamente quase nenhum conhecimento sobre potenciais consequências à saúde de comer animais geneticamente modificados.

 

IHU On-Line - Uma das justificativas para o uso de sementes transgênicas é o aumento da produtividade, de modo a responder às demandas mundiais por alimento, e a capacidade de produzir em lugares de baixa aplicação agrícola (terras desérticas ou alagáveis). O que pensa destes argumentos? Os riscos implicados são maiores que os benefícios?

Arnaud Apoteker – Acho que a crescente produtividade dos transgênicos é um mito e uma ferramenta de propaganda da indústria dos transgênicos. Hoje em dia, nenhuma cultura transgênica está rendendo mais do que a sua contrapartida, e, de fato, a modificação genética nunca teve a intenção de aumentar a produtividade como tal, apenas diminuir a concorrência de inseto ou plantas daninhas. Todos os transgênicos comerciais de hoje são plantas pesticidas, que ou resistem a aplicações de herbicidas ou produzem o seu próprio inseticida, tornando-os "esponjas de pesticidas", que vão acabar na nossa comida. Existem outras técnicas de produção modernas e menos controversas que são muito mais suscetíveis a dar bons resultados em termos de produtividade e adaptação em duras condições climáticas, tais como a Seleção Assistida por Marcadores  (MAS, na sigla em inglês).

 

IHU On-Line - No Brasil, a Monsanto monopoliza 70% do mercado de transgênicos do país. Como enxerga o avanço dessas multinacionais nos mercados emergentes para o agronegócio como a África e o próprio Brasil?

Arnaud Apoteker – Os transgênicos ajudaram na concentração do setor agroalimentar e mais especificamente de sementes em todas as partes do mundo. A Monsanto está prestes a monopolizar o mercado de sementes em todos os lugares, e isso já está acontecendo na América do Sul, incluindo o Brasil, na Ásia e na África.

 

IHU On-Line - Em 2006, ainda no Greenpeace, você declarou que havia localizado um carregamento de sementes transgênicas e as tornaria inutilizáveis. Em que contexto veio esta afirmação? Qual foi o desenlace do acontecimento?

Arnaud Apoteker – Desde 1996, o Greenpeace tem realizado uma série de atividades para denunciar as importações de soja transgênica na União Europeia. Em 2005, quisemos fazer outra atividade altamente visível para denunciar a introdução de grandes quantidades de transgênicos na União Europeia, neste caso na França, para a alimentação animal, quando os consumidores já disseram inúmeras vezes que não querem comer animais alimentados com transgênicos. Nós localizamos um carregamento de soja transgênica em um navio vindo da Argentina e navegamos ao lado do navio de soja durante três dias e três noites, e anunciamos a sua chegada no porto de Lorient, a fim de que esse carregamento fosse "acolhido" por milhares de manifestantes no porto. Essa atividade aumentou a visibilidade das importações de transgênicos na União Europeia.

 

IHU On-Line - De que forma você acredita que este ativismo mais incisivo é capaz de colaborar para a questão dos transgênicos no mundo? 

Arnaud Apoteker – Essas atividades "obrigam" a mídia a falar sobre o assunto e ajudam os consumidores a chegar a conhecer quais são as realidades das importações de transgênicos, e levam a discussões com os quem decide no âmbito político. Muitas discussões e debates públicos sobre os transgênicos têm sido provocados com esse tipo de atividade altamente visível, mas essas atividades precisam ser complementadas pelo fornecimento de informação aos cidadãos e consumidores.

 

IHU On-Line - Você já trabalhou como pesquisador na Bolívia e tem acompanhado de perto a situação dos transgênicos no Brasil. De onde veio esse interesse na América Latina?

Arnaud Apoteker – Como cidadão do mundo e ativista, estou interessado no que está acontecendo (e mais particularmente nas questões pelas quais estou lutando, como a proibição de transgênicos) em todo o mundo. No entanto, por razões pessoais, estou muito ligado à América do Sul, onde vivi por quase 10 anos e onde tenho parentes que se mudaram para o Brasil há 60 anos e fundaram uma família a qual eu sempre fico feliz em visitar.

 

IHU On-Line – De uma visão estrangeira de quem há muito milita uma causa, como enxerga os 10 anos dos transgênicos no Brasil? 

Arnaud Apoteker – Visto da Europa, que é um continente que quase parou de cultivar transgênicos (exceto um milho transgênico cultivado quase exclusivamente na Espanha), a situação no Brasil é muito complicada e preocupante. De fato, apesar de uma forte demanda por soja não transgênica, o país agora está cultivando quase exclusivamente soja transgênica, tornando a soja livre de transgênicos um nicho de mercado com um preço tão elevado que o Brasil pode perder esse mercado para outros potenciais exportadores de soja. Também começou a cultivar milho transgênico, ameaçando contaminar as variedades de milho locais. 

A Comissão de Biossegurança está nas mãos dos promotores da biotecnologia e não desempenha o seu papel de garantir a segurança dos transgênicos. E o lobby agroalimentar é particularmente forte, impedindo uma discussão aprofundada sobre os transgênicos e o modelo agrícola do país. Mesmo assim, há bons motivos para ter esperança, com uma vibrante sociedade civil que se opõe aos transgênicos e, particularmente, guardiões de sementes e pequenos agricultores. Acredito que, quando os consumidores estiverem mais informados sobre a presença de transgênicos na sua comida, eles vão pedir mais escolhas, e provavelmente os produtos não transgênicos serão preferidos pelos consumidores brasileiros.

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