Edição 201 | 23 Outubro 2006

A Cepal e a análise do Brasil e da América Latina

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IHU Online

Ricardo Bielschowsky, economista da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e professor da UFRJ, fala, na entrevista que concedeu para a IHU On-Line, por telefone, sobre a contribuição da Cepal para a compreensão do subdesenvolvimento e das estratégias para superá-lo. Bielschowsky é autor de Pensamento Econômico Brasileiro - O Ciclo Ideológico do Desenvolvimentismo: 1930-1964, publicado em 2000 pela Editora Contraponto e organizador da coletânea Cinqüenta Anos de Pensamento na Cepal, publicada em 2000 pela Editora Record. Eis a entrevista.

IHU On-Line - Qual o pensamento teórico inaugural da Cepal no período de sua fundação, nos anos 1940 e 1950?

Ricardo Bielschowsky
– A Cepal caracterizava as economias periféricas por contraste às centrais, diferenciando as estruturas produtivas das economias da periferia latino-americana das estruturas produtivas financeiras das economias centrais. Dizia-se que aqui havia baixa diversidade produtiva e especialização em bens primários; forte heterogeneidade tecnológica e oferta ilimitada de mão-de-obra; uma estrutura institucional pouco vocacionada para o investimento e progresso técnico. Então, toda a análise centro-periferia que a Cepal realizou foi com base nesse contraste, mostrando e focando as diferenças das estruturas produtivas nossas com relação às centrais.

IHU On-Line - Que implicações tem isso?

Ricardo Bielschowsky
- A implicação básica é de que a industrialização é a forma de superar a pobreza e reverter a distância crescente entre periferia e centro. Ela é problemática, primeiro, porque a baixa diversidade implica a necessidade de investimentos simultâneos em muitos setores. O processo é exigente em matéria de poupanças e divisas. Segundo, porque a especialização em bens primários significa que a capacidade de geração de divisas é limitada, e a pressão por divisas é elevada. Terceiro, porque a heterogeneidade tecnológica significa que a produtividade média é baixa e é pequeno o excedente com proporção da renda. Em quarto lugar, está o atraso institucional que significa um desperdício de parte do excedente por meio de investimentos improdutivos, de consumo supérfluo e de um baixo estímulo ao investimento e ao progresso técnico.

IHU On-Line - Quais são as implicações analíticas e de política disso tudo?

Ricardo Bielschowsky
- As analíticas são as de que o desenvolvimento e o crescimento dessas estruturas subdesenvolvidas têm tendências perversas: desequilíbrios estruturais da balança de pagamentos e inflação causada por fatores estruturais. Além disso, aparece toda a análise da dinâmica do processo substitutivo de importações. E como principal implicação de política econômica, dado que a industrialização espontânea nas estruturas periféricas é problemática, é necessário planejar e atuar no âmbito do comércio internacional para atenuar as desvantagens da periferia com relação aos centros. 

IHU On-Line - O pensamento da Cepal mudou muito nesses cinqüenta e oito anos, desde sua fundação?

Ricardo Bielschowsky -
Não e sim. Não, porque, na verdade, esses fundamentos que eu acabei de enunciar estão presentes na análise posterior. Os elementos analíticos que compõem o pensamento original da Cepal estão aqui ainda presentes e são quatro: análise histórico-estrutural; análise da inserção internacional da América Latina; análise das condições estruturais internas do crescimento do progresso técnico e do emprego, assim como da distribuição de renda e a análise da ação estatal. Esses quatro elementos atravessam todo esse período de quase seis décadas, o que mostra a continuidade do pensamento cepalino através dos tempos.

IHU On-Line - Em que, então, foi mudando?

Ricardo Bielschowsky
- Foi mudando porque a história foi mudando, a realidade vai se alterando, e o Cepal vai se adaptando aos novos elementos da história, para enfrentá-los por meio de novas mensagens. A mensagem do final dos anos 1940 e dos anos 1950 foi a da industrialização como forma de superar a pobreza. A mensagem dos anos 1960 foi aquela de fazer reformas institucionais: educacional, financeira, reforma agrária, reforma tributária, como forma de viabilizar a continuidade do processo de crescimento e industrialização. A mensagem dos anos 1970 foi sobre estilos de crescimento, pois era necessário mudar o estilo perverso de crescimento sem distribuição de renda e construir uma alternativa distinta daquela que estava ocorrendo até então. A mensagem dos anos 1980, quando a América Latina estava toda endividada, era a de uma forma específica de enfrentar o endividamento, que era com crescimento, adequar o pagamento necessário da dívida externa a um escalonamento temporal de tal maneira que, com mais exportações e não com menos importações, se pudesse enfrentar o problema do endividamento. E, finalmente, a partir dos anos 1990, um paradigma que se mantém até agora, é o da transformação produtiva com eqüidade, o que vale dos inícios dos anos 1990 até os dias de hoje. Isso é o que vai mudando. A Cepal vai se adequando aos momentos históricos distintos, e inovando as suas mensagens, mas sem perder os elementos analíticos inaugurais.

IHU On-Line - Qual o balanço que a CEPAL tem feito do desempenho latino-americano no período pós-reformas neoliberais, isto é, nos últimos 15 anos?

Ricardo Bielschowsky
- Eu gosto muito de um livro escrito pelo ex-secretário executivo da Cepal, José Antônio Ocampo juntamente com outro economista chamado Juan Martin, que fala de luzes e sombras do crescimento, das tendências recentes . Sem me fixar totalmente no que está nesse livro, eu posso mais ou menos dizer que a Cepal avalia que, do lado das luzes, houve uma institucionalidade macroeconômica estável, uma redução da inflação, o controle do déficit fiscal, um dinamismo exportador, uma atração do investimento estrangeiro direto, a modernização das empresas produtivas grandes, o aumento do gasto social, a democracia e alguma melhora nos indicadores sociais. Do lado das sombras, avalia que a macroeconomia e o crescimento têm sido insuficientes, instáveis e voláteis, tem havido ausência de política anticíclica, a poupança-investimento é insuficiente, especialmente a infra-estrutura. Some-se a isso o fato de que temos altos níveis de desemprego, precariedade laboral e informalidade, altos níveis de pobreza, diferenças distributivas muito amplas ainda, deterioração do meio ambiente e uma melhora muito insuficiente nos indicadores sociais.

IHU On-Line - O que é atual do pensamento cepalino teórico original?

Ricardo Bielschowsky
- De modo geral, trata-se da análise do subdesenvolvimento como um processo evolutivo específico de estruturas produtivas e sociais heterogêneas. E aí temos cinco elementos básicos, que estão ainda presentes não só na análise da Cepal, mas de muitos economistas e cientistas sociais da América Latina: primeiro, a Cepal continua fazendo a análise das debilidades da estrutura institucional produtiva e social e de suas implicações político-econômicas. Segundo, faz a análise das barreiras da criação, incorporação e difusão do progresso técnico nas condições idiossincráticas latino-americanas. Terceiro, faz a análise das interações entre crescimento e distribuição de renda, do estudo do padrão ou estilo de desenvolvimento. Quarto, faz a análise da inserção internacional e da vulnerabilidade externa. E quinto, muito importante no período de análise da inflação inicial nos anos 1980 no Brasil e na Argentina, a Cepal fazia, nos anos 1950, a análise determinante não-monetária do processo inflacionário.

IHU On-Line - Como avançar no conhecimento sobre a América Latina? Qual a agenda de pesquisas da Cepal?

Ricardo Bielschowsky -
A Cepal tem cinco documentos que saem a cada ano, além de outras pesquisas. Ela faz a cada ano um documento, um balanço preliminar das economias latino-americanas, sobretudo em dezembro. Depois, faz, em meados de cada ano, o estudo econômico da América Latina, as principais tendências da economia. Faz, anualmente, uma análise da inserção internacional da América Latina, uma análise do investimento estrangeiro direto na América Latina e uma análise do panorama social da América Latina. Fora isso, tem as agendas de pesquisa próprias de cada uma das cinco ou seis divisões de pesquisa, e a cada dois anos publica um documento que é apresentado na reunião bianual no seu período de inserções. Esse último documento foi sobre rede de proteção social na América Latina e o próximo documento ainda está em estudo, provavelmente será algo sobre exportação, estrutura produtiva e inserção internacional.

IHU On-Line - Onde ficam os estudos sobre estratégias nacionais de desenvolvimento nessa agenda?

Ricardo Bielschowsky
- Nesse plano, ainda há muito o que desenvolver. Há um certo exagero na tentativa de identificar semelhanças entre países, quando o segredo agora talvez esteja na necessidade de identificar as diferenças entre países. As idiossincrasias institucionais produtivas sociais de cada país, para daí tentar definir estratégias nacionais de desenvolvimento, que não podem ser as mesmas para todos os países. Uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil não pode ser igual à estratégia de desenvolvimento de Honduras ou do Equador. A chilena há de ser distinta da venezuelana. A mexicana não pode ser igual à argentina. Essa é toda uma avenida a ser percorrida quanto aos estudos e às pesquisas sobre as especificidades de cada país, para daí se elaborarem projetos nacionais de desenvolvimento, para, então, se poder fazer uma tipologia de casos latino-americanos e começar-se uma nova aproximação de semelhanças com base nas diferenças e não-diferenças.

 

 

 

 

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