Edição 201 | 23 Outubro 2006

“O governo Lula foi um fracasso rotundo”

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IHU Online

O economista Reinaldo Gonçalves afirma, em entrevista concedida, por telefone, à IHU On-Line, que “temos hoje um Brasil sem rumo e sem prumo, do ponto de vista de estratégia e de política econômica com uma gestão macroeconômica catastrófica, com resultados medíocres”.

Ex-filiado do PT, Gonçalves falou da atual conjuntura econômica e social brasileira. Ele é professor titular da UFRJ, doutor em Economia pela University of Reading, diretor da Sociedade Brasileira de Economia Política e da Associação Nacional de Cursos de Graduação em Economia, ganhador do Prêmio Jabuti em 2001 na área de Economia, Direito e Administração é autor de mais de duas centenas de trabalhos publicados em 18 países. Reinaldo concedeu entrevista à IHU On-Line na edição número 176, do dia 17 de abril de 2006.

IHU On-Line - Qual seria na sua visão, o diagnóstico econômico do Brasil de hoje?

Reinaldo Gonçalves
- O diagnóstico brasileiro é muito desfavorável. Se nós fizermos um check-up, pegando vários indicadores, veremos que a economia brasileira anda numa situação muito desfavorável, comparando não só com o desempenho dela no passado, mas também com outros países no mesmo padrão de desenvolvimento.

IHU On-Line - Como seria um projeto desenvolvimentista do ponto de vista econômico para o Brasil? Quais seriam os pontos centrais e suas características?

Reinaldo Gonçalves
- Fundamentalmente o que nós precisamos é reduzir a vulnerabilidade externa do País, que é muito elevada. A conjuntura internacional hoje tem sido bastante favorável para o Brasil e para o resto do mundo, mas nós não temos logrado reduzir estruturalmente essa vulnerabilidade externa. Então, é preciso que uma diretriz estratégica seja a redução dessa vulnerabilidade nas esferas comercial, produtiva, tecnológica, monetária e financeira. Outra coisa muito importante é a retomada do investimento. Para essa retomada, a diretriz número um é o investimento público, que vai puxar o investimento privado. O investimento público no Brasil funciona como uma espécie de locomotiva dos vagões que são o investimento privado. Essas são diretrizes de natureza mais de estratégia econômica.

Do ponto de vista de políticas macroeconômicas, o Brasil precisa fazer uma mudança radical. A política fiscal é marcada por uma distorção muito grande, está completamente equivocada. Cerca de 8% da nossa renda vai para o pagamento de juros, e isso entrava a economia brasileira. A política monetária é uma tragédia. Nós temos hoje a maior taxa de juros real do mundo, e isso precisa ser alterado. A política cambial é completamente torcida, o dólar está muito barato, o que faz o Brasil importar muitas coisas que poderiam estar sendo produzidas no Brasil, gerando renda e emprego. Temos, então, que ter políticas comercial e tecnológica orientadas para o balanço de pagamentos, geração de empregos e renda no País. É um conjunto de diretrizes que precisam ser implementadas, e que não estão sendo. Temos hoje um Brasil sem rumo e sem prumo, do ponto de vista de estratégia e de política econômica com uma gestão macroeconômica catastrófica e com resultados medíocres.

IHU On-Line - Que modelo econômico inspira o PT atualmente?

Reinaldo Gonçalves
- O PT não inspira modelo nenhum. Ele está reproduzindo um modelo anterior, inclusive negando o que está na diretriz estratégica do programa de 2002. Fica muito difícil falar de um programa do PT, porque ele não cumpriu o programa de 2002. Enfim, o PT não tem nenhuma credibilidade sequer para redigir um programa econômico. Um partido que redige um programa em 2002, fica quatro anos e não cumpre esse programa, perde a credibilidade e não dá para ser levado muito a sério. Em síntese, qualquer coisa que seja dita hoje, nos dá a percepção de que estamos diante de um puro jogo político eleitoral, eleitoreiro, sem maiores conseqüências ou responsabilidades.

IHU On-Line - Como seria uma proposta econômica de um partido como o PSOL?

Reinaldo Gonçalves
- Tenho a impressão de que o PSOL recuperaria – usando o argumento lógico, pois eu não vi nenhuma proposta econômica do PSOL – e reproduziria, em parte, desenvolveria, estenderia as propostas que inclusive estavam no PT em 2002, nas diretrizes estratégicas.

IHU On-Line - Hoje o que seria uma proposta de esquerda? O que é ser de esquerda hoje?

Reinaldo Gonçalves
- Ser de esquerda hoje significa ser o que era há muitos anos. É ter um foco importante na área da distribuição da riqueza e da renda, ter um foco grande na distribuição do poder na sociedade. E um compromisso com rupturas e mudanças estruturais no País. Fundamentalmente, ser de esquerda é rejeitar essa ausência de rumo e prumo na economia brasileira, rejeitar essa conciliação, essa reforma que está fazendo o Brasil patinar na mediocridade e no subdesenvolvimento. Significa romper com a herança trágica do neoliberalismo que derrotou o Brasil nos anos 1990, com o Fernando Henrique, e esse neoliberalismo que derrota e humilha o Brasil agora com o Lula. Ser de esquerda é rejeitar as políticas de Lula e Fernando Henrique Cardoso e de todos esses governantes medíocres que estão levando o Brasil para uma situação de mais  subdesenvolvimento.

IHU On-Line - Quem seria representante da esquerda hoje no Brasil?

Reinaldo Gonçalves
- Do ponto de vista político, o PSOL se posicionou claramente à esquerda. Foi uma referência importante nesse momento político eleitoral no Brasil, foi a referência de esquerda mais relevante, sem dúvida alguma. No entanto, tenho a impressão de que forças independentes da esquerda devem avançar no Brasil em função do próprio fracasso ou implosão do PT e do governo Lula. A esquerda brasileira está se fragmentando ao longo do governo Lula pela traição desse governo e daqui para a frente essas forças que se fragmentaram e ficaram independentes, que se autonomizaram, devem se aglomerar.

IHU On-Line - O PT, independente de Lula, ainda pode ser considerado um partido de esquerda?

Reinaldo Gonçalves
- Não. O PT é um partido há muitos anos controlado por Lula. São grupos dirigentes que de, uma forma ou de outra, foram cooptados não só pela máquina partidária, mas também pelo governo federal, que eles têm na mão. A minha avaliação é de que o PT morreu e nós temos que deixá-lo enterrar seus mortos. Não podemos ficar dependendo desses fantasmas, desses mortos, e desses espectros que estavam no PT, inclusive o próprio Lula. Daqui a alguns anos, na história, vamos olhar essa experiência como uma experiência trágica. O governo do PT foi uma tragédia moral, política e social. O Brasil precisa construir novas instituições, novos partidos, novas lideranças. Esse governo do PT foi um fracasso rotundo.

IHU On-Line - Qual é a principal novidade destas eleições? Qual sua percepção sobre o segundo turno entre Lula e Alckmin? O que está faltando no debate eleitoral?

Reinaldo Gonçalves
- Está faltando um contraponto. Ambos estão falando exatamente a mesma coisa, com nuances e, ao mesmo tempo, se marca um denominador comum, que é o conservadorismo, a conciliação, o reformismo, que atravanca o desenvolvimento brasileiro. Estamos na escolha entre duas grandes mediocridades do ponto de vista do quadro político brasileiro. Isso é ruim. Num segundo governo de Lula ou num governo do PSDB de Alckmin, o Brasil não deve avançar muito. Então, temos que nos preparar para um desafio de longo prazo, que é levantar, sacudir a poeira desse neoliberalismo medíocre, seja de Lula, seja FHC ou eventualmente de Alckmin e dar a volta por cima.

IHU On-Line - O pensamento de Celso Furtado pode ajudar a inspirar um novo projeto de desenvolvimentista para o Brasil?

Reinaldo Gonçalves
- Sem dúvida alguma. Furtado é um pensador universal. Deixou uma obra importante, com vários ensinamentos. Ele é e será uma das referências mais importantes para repensarmos e reconstruirmos o Brasil de antes.

IHU On-Line - Por que o senhor acha que Lula não segue as orientações de Celso Furtado?

Reinaldo Gonçalves
- O Lula não segue nada, só segue as suas conveniências políticas, é uma ânsia de poder incomensurável e só segue seus próprios interesses e não os interesses do Brasil.

IHU On-Line - Professor, qual é o Brasil que o senhor almeja?

Reinaldo Gonçalves
- Eu faço um diagnóstico não positivo do Brasil nos últimos anos. O Brasil está em um processo de africanização, no sentido do subsaara da África, ou seja, um país com crise sistêmica, que é essa crise social, com tanta violência, com corrupção. A degradação das instituições atinge o aparelho produtivo, com esse desempenho econômico absolutamente medíocre. Vejo que a conjuntura atual é um momento muito ruim, desfavorável, com uma trajetória de instabilidade de crise e mediocridade total do País. Porém, temos que ter uma perspectiva histórica, de longo prazo, ou seja, em algum momento o povo brasileiro deve reagir, os grupos dirigentes têm que responder positivamente à sociedade, abandonarem as trajetórias que eles têm utilizado nos últimos anos e aí nós eventualmente, provavelmente, poderemos retomar um certo desenvolvimento. No curto e médio prazo, lamentavelmente, as perspectivas do Brasil são muito desfavoráveis. Isso é a realidade. Outra coisa é auto-ilusão e uma auto-ilusão péssima. 

 

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