Edição 201 | 23 Outubro 2006

Política suicida. Nem Lula nem Alckmin vão mudar

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IHU Online

Em entrevista exclusiva à IHU On-Line, o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa, disse que temos uma política suicida “que combina juros altos com taxas de câmbio valorizadas”. “A única coisa que cresce no Brasil são os lucros dos bancos e o rendimento financeiro das empresas de pessoas muito ricas, e o mercado interno não cresce, é um círculo vicioso”, completou. 

Lessa é economista, com mestrado em Análise Econômica e doutorado em Economia. Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de economia, com ênfase em Economia Industrial, atuando principalmente nos seguintes temas: economia e análise. Entre seus livros estão: Os Lusíadas na Aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002 e Depois do Atentado. Notícias da Guerra Assimétrica. São Paulo: Garamond, 2002. A entrevista a seguir foi concedida por telefone à IHU On-Line.

IHU On-Line - Qual seria na sua visão um diagnóstico econômico do Brasil de hoje?

Carlos Lessa
- Sou extremamente crítico e preocupado com o desempenho da economia brasileira nos cinco anos. O Brasil não cresce. Na verdade, o nosso crescimento médio nesses anos foi em torno de 2,3% ao ano. Nos últimos anos, cresceu um pouquinho mais, 2,6%. Como a população cresce 1,6% ao ano, praticamente a renda per capta não cresce, para dobrar seria necessário pelo menos quatro gerações nesse ritmo. Na América do Sul, que não é um continente muito brilhante, nós estamos em péssima posição, somente o Haiti cresce menos que o Brasil. Esse é o primeiro problema. O segundo problema é o volume de desemprego que existe na sociedade, que é devastador. Nós devemos ter algo em torno de 25% da força de trabalho ou desempregada ou subempregada. Esse que é o problema sério. Para isso o País precisa crescer. Porém, tanto a administração da política econômica dos anos 1990, inaugurada por Collor e aprofundada por Fernando Henrique Cardoso, quanto a política de Lula, que, de certa maneira, deu continuidade ao que aconteceu no governo tucano, não é capaz de fazer o País retomar o crescimento. O máximo que se consegue é o que eu chamo de “vôo de galinha”. Um ano a taxa melhora um pouquinho, a galinha dá um pulinho, mas ela não tem sustentação, então volta de novo para o chão do galinheiro. Por que digo isso? Por uma razão muito simples: apesar de a mídia fazer um esforço enorme para apresentar um cenário favorável, a verdade é que não há nenhum indicador objetivo de melhora. O Brasil vem perdendo posição no cenário mundial de uma maneira assustadora. Em 1980, nós éramos a 8ª economia industrial do mundo, hoje nós somos a 13°. Estamos ficando para trás, perdendo o bonde da história.

Política econômica

Acho que a política econômica, tanto do governo tucano quanto do governo do PT, não mudou nada e permitiu que se praticasse no Brasil uma especulação financeira selvagem. A única coisa que cresce no Brasil são os lucros dos bancos e o rendimento financeiro das empresas de pessoas muito ricas, e o mercado interno não cresce, é um círculo vicioso. Eu acho que nem o candidato Alckmin, nem o candidato Lula vão mudar esse quadro, nem dão sinais disso. Acompanhei com muita atenção o debate deles. Eu sintetizaria, dizendo o seguinte: para o candidato Alckmin a questão é só de gestão. Se houver uma boa gestão, o país volta a crescer. Isso é uma bobagem! Não é gestão que resolve os problemas como caixa de investimento macroeconômico, mercado interno, criação de infra-estrutura. É óbvio que a gestão é importante, mas imaginar que o Brasil vai voltar a crescer com gestão é uma declaração absolutamente vazia. Boa gestão não garante nada. Já o presidente Lula declara que está extremamente satisfeito com o que fez e que daqui para a frente vai colher os louros do que foi feito. Ele acha que acertou. Se ele acertou, não vai mudar no outro período. A projeção que eu faço do debate é que será tudo como antes, nada se modificará. Isso me dá uma aflição enorme.

IHU On-Line - Como seria um projeto desenvolvimentista do ponto de vista econômico para o Brasil? Quais seriam os pontos centrais e suas características? O senhor poderia citar cinco elementos fundamentais para traçar um projeto de desenvolvimento para o País nos próximos anos?

Carlos Lessa
- O Brasil é um país baleia, é um país com grande território, com uma grande população, com mais de 10 regiões metropolitanas, com uma rede de cidades muito bem organizada, com mais de 5 mil localidades urbanas. Então o Brasil só tem uma maneira de crescer, que é apostando no mercado interno. O mercado interno amplia-se por alguns mecanismos, um deles é um mecanismo que o governo tucano e Lula adotaram: elevar o salário mínimo em termos reais, mas só isso não é suficiente. Tampouco é suficiente criar mercado interno financiando as famílias, se elas se endividam, se não houver emprego, chegará uma hora em que elas vão dar calote, não tem como. Nós estamos chegando lá, a essa posição de exaustão de capacidade de financiamento familiar. Então só tem uma maneira: gastando em atividades relevantes. O que são atividades relevantes? Há muitas.

Se observarmos as cidades brasileiras, por exemplo, existem questões ligadas à habitação: a rede de saneamento, a melhoria urbana, a melhoria de água e esgoto etc. Se nós tivéssemos um programa desses, estaríamos gerando uma qualidade enorme de empregos em milhares de cidades. É um emprego de mão-de-obra não muito qualificada e demanda de materiais de construção quase sempre locais. Então teríamos um efeito relevante de ação de mercado interno. O Bolsa Família fez isso pelos supermercados no Nordeste, mas se houver uma política que fosse para valer, teríamos isso em todo o Brasil, com o dado adicional que é o seguinte: a família que melhora a sua qualidade de vida, adquire outras coisas para dentro da casa, algum móvel ou eletrodoméstico, então haverá uma ativação de toda a economia. O setor externo tem que continuar sendo tocado como está, só tem um problema muito sério, que é a taxa de câmbio. Essa taxa de câmbio que está aí, extremamente valorizada, penaliza a maior parte das exportações, vocês na região do sul sofrem muito com isso. Vocês aí no Vale do Rio dos Sinos, entre Novo Hamburgo e São Leopoldo, têm uma variedade enorme de indústrias de calçados que fecharam, porque não conseguem se segurar com essa taxa de câmbio, e o mercado interno também quase não compra calçados, porque as pessoas não têm dinheiro.

Por que a taxa de câmbio é mantida tão valorizada? Porque é um mecanismo pelo qual o Banco Central quer segurar a inflação. Então os produtos ficam baratos, galinha fica barata, ovo fica barato, ele segura a inflação com a redução da rentabilidade das exportações e arrebenta setores importantes como a indústria de calçados. Aí vem a outra medida absolutamente louca que o governo faz, facilitar importações, porque está entrando muito dólar e não tem compras, então tem que estimular a importação. O que está acontecendo? Inundação de objetos chineses por todo o lado. No Palácio do Planalto, a borrachinha de apagar papel é chinesa, o brinquedo é chinês, a roupinha de criança é chinesa, e por aí vai. O importante mesmo são essas quantidades imensas de coisas leves. Com isso, atinge-se mais nossa indústria, espremendo-a. É uma política suicida que combina juros altos e taxas de câmbio valorizadas. É o que o Brasil faz. A minha aflição é que, para mim, nem o Alckmin, nem o Lula vão mudar. Eu não estou esperançoso, estou muito angustiado. Eu vejo que as manchetes mostram um pouco isso também, de um modo geral as pessoas estão muito desencantadas. O Brasil tem tudo para crescer. Nós temos uma natureza muito favorável, não temos terras geladas nem terras secas, temos 8.500 km de fronteira, uma base industrial relevante, já temos um sistema de ciência e tecnologia, como é que não vamos para a frente? Não vamos, porque a escolha fundamental desse país é servir ao capital financeiro. Só isso.

Celso Furtado

Retomar o sonho de Celso é retomar o sonho de uma série de brasileiros. Celso Furtado propôs muitas coisas que não foram adotadas. Inclusive do ponto de vista teórico. Isso chamou a atenção nos seus escritos do texto final da saída, sob uma dimensão fundamental nesse jogo todo, a dimensão cultural lato-sensu. Não é cultural no sentido de desfrutar produções estéticas, é cultural no sentido de capacidade de refletir sobre as coisas que pensamos e fazemos, isto é cultura no sentido mais amplo. Temos que restabelecer o processo de vida cultural brasileira. Acho, por exemplo, que o nosso sistema educacional tem que ser revisitado com esse objetivo. Não é para gerar emprego não, porque não geramos emprego pelo sistema educacional. Geramos cultura que faz o País avançar. Um exemplo dramático: fizeram um inquérito para avaliar o grau de capacidade do jovem de 12 a 16 anos em interpretação de texto e cálculo aritmético, 31 países participaram dessa avaliação. O Brasil foi o 31°, o pior colocado. É terrível isso. Nós precisamos voltar a pensar o Brasil como terra do futuro. Acho que é por aí que a gente pode reconstruir.

IHU On-Line - E quanto à proposta de Nakano, de controlar a entrada de capitais? Isso é viável ou seria interferir no mercado de forma demasiada?

Carlos Lessa
- A China faz isso. Ela não deixa que entre no país nenhum capital que não seja para aplicação produtiva, discutindo previamente o que será feito com ele. Aqui no Brasi, fizeram uma promiscuidade total. O Meireles faz isso, inclusive como mecanismo para manter o câmbio elevado. O Nakano nisto está certo, em outras coisas está errado.

IHU On-Line - Para o senhor, qual é a principal novidade destas eleições? Qual sua percepção sobre o segundo turno entre Lula e Alckmin? O que está faltando no debate eleitoral?

Carlos Lessa
- Está faltando é um projeto para o Brasil. Eles não tiveram capacidade de formular nenhum projeto. Vamos para lugar nenhum.

Desencanto

 O desencanto não é só político, é mais grave do que isso. A democracia tem na coluna vertebral o princípio da representação. O que acontece com esse princípio no Brasil? A maioria da população não dá a menor bola para isso. Como o processo de debate político está desconstruindo a idéia do político, reforça-se a idéia de que a representação não é importante. Se consultarmos as pessoas, elas vão dar o nome do presidente, do governador e do prefeito, se indagarmos pelo senador, pelo vereador e pelo deputado, elas não sabem, 30 dias depois, os nomes das pessoas em quem votaram. Não dão a menor importância. Há um jogo muito perverso, esteriliza e acaba com a idéia da política. Esse é o problema. É muito grave. Esse fenômeno é absolutamente inquietante. Como revitalizar a visão democrática e política? Eu acho que é necessário restaurar a esperança das pessoas. O movimento social prospera quando tem um objetivo claro. O movimento sindical está debilitado, o movimento estudantil está debilitado. O único movimento social que tem alguma força no momento é o de reforma agrária, que assim mesmo está saturado. É muito complicado.

IHU On-Line - Sobre o desemprego, qual seria a solução mais plausível que o novo governo deveria tomar?

Carlos Lessa
- É impossível o Brasil voltar a crescer, se não empurrar para baixo substancialmente a taxa de juros. A taxa de juros está produzindo dois efeitos terríveis no País: primeiro desestimula o investimento produtivo pelas empresas, elas ganham é com investimento financeiro. Se examinarmos os balanços das empresas, nas bem-sucedidas, o que cresce é a receita não-operacional, ou seja, a receita financeira. Com essa taxa de juros, a capacidade de investimento do setor público é aniquilada. Esse ano o governo federal vai gastar 160 bilhões em juros. Com esses juros obscenos que o Brasil paga só prospera o quê? O resultado dos operadores de mercados capitais e os aplicadores financeiros. Quem são eles? Quem são os donos de título de dívida pública? É uma brutalidade. Não vejo indicadores de mudança nesse quadro. Vou votar no segundo turno com muita angústia, na certeza de que o meu voto não tem significado num quadro desses.

IHU On-Line - Que Brasil político, econômico e cultural o senhor quer?

Carlos Lessa -
O meu sonho é um que vem ao longo de séculos atravessando o País. É fazer deste um país onde as pessoas convivam umas com as outras. Alguns componentes nós temos. A civilização brasileira não é maravilhosa, mas é a sociedade que tem menos preconceitos étnicos e religiosos. Nós somos tolerantes, não somos orgulhosos, não somos arrogantes, gostamos muito de festa. Nós somos um povo da festa, em princípio uma manifestação muito positiva. Temos um fundo propiciatório de uma civilização muito interessante, mas precisamos gerar emprego e dignidade para os brasileiros, o que sem crescimento nós não vamos ter. Por isso, a minha aflição com a qualidade do debate político na televisão.

 

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