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César Bolaño
Este artigo é o complemento de um anterior, publicado na Revista IHU On-Line n° 399, de 20/8/2012 , produzido ainda sob o impacto do falecimento de Valério Brittos. Agradeço ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, pela oportunidade de completar agora aquela apresentação. Na ocasião, tratei de explicitar a importância do trabalho de Valério para o campo da Economia Política da Comunicação - EPC e a pauta pendente que estamos tratando de cumprir, os membros do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade – CEPOS da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, grupo que ele fundou e que hoje tenho a honra de coordenar, na Universidade Federal do Sergipe - UFS. Neste artigo, concentrar-me-ei em dois outros aspectos da contribuição de Valério: a produção acadêmica anterior à EPC e a atividade organizativa desempenhada por ele no campo da Comunicação em seu conjunto.
O primeiro livro de Valério (Recepção da TV a cabo: a força da cultura local) foi resultado de uma releitura já da dissertação de mestrado (Recepção e TV a cabo: a mediação da identidade cultural pelotense), defendida na Pontifícia Universidade Católica – PUC-RS. Antes disso, produzira um estudo na área de Ciência Política sobre a realidade dos processos eleitorais em Pelotas (PTB e anti-PTB: duas forças em disputa). Quando da publicação do livro, ele já havia feito uma incursão na EPC (A oligopolização do mercado brasileiro de televisão por assinatura, um primeiro resultado da pesquisa que daria lugar à tese de doutoramento) e já estava engajado na construção do Grupo de Trabalho de Economia Política da Intercom, ao meu lado e de Alain Herscovici. Mas o livro é essencialmente um estudo de recepção e, nesse campo, representa uma contribuição muito particular.
Valério se mantém em todo o trabalho fiel à perspectiva convencional latino-americana dos Estudos Culturais, mas escolhe um objeto inusitado, muito diferente do tradicional estudo de recepção de programas particulares, especialmente as telenovelas, que constituíam o foco do programa de investigações lançado por Barbero ao final da década de 1970. Valério pretende desbravar outro terreno, o da TV segmentada, em que as estratégias de programação nada têm a ver com os modelos de fidelização do broadcasting tradicional, como a EPC bem sabe e como ele próprio deixará muito claro já nessa primeira contribuição ao campo. Não posso desenvolver o argumento nos limites deste texto, mas acredito que o autor, com isso, apresenta os limites do marco teórico então adotado – que será radicalmente abandonado em toda a sua obra posterior – ao mesmo tempo em que é obrigado a desenvolver uma contribuição original ao mesmo, ainda não devidamente incorporada pelos autores desse subcampo.
Ora, quando se desloca da velha análise dos gêneros para pensar a ruptura que a segmentação representa para os padrões conhecidos de comportamento do receptor, decorrente da introdução da primeira das tecnologias da comunicação que, a partir dos anos 1980, mudarão o panorama da chamada mídia tradicional, o autor observa um movimento de enorme amplitude, que prosseguirá com o desenvolvimento da Internet, das redes sociais etc. Ao mesmo tempo, o problema é posto em termos de intersecção dos determinantes de ordem local, regional e nacional na construção da identidade. O próprio Valério não seguirá depois nessa linha, mas não tenho dúvidas de que não é pequena a sua contribuição para aquele necessário e urgente diálogo entre a EPC e os Estudos Culturais.
O outro aspecto da sua contribuição que me interessa ressaltar aqui é o da construção institucional do campo da Comunicação, a começar pela EPC. Nessa área, foi o criador e primeiro coordenador do Grupo de Trabalho da Compós, hoje extinto; coordenou o Grupo de Trabalho da Intercom desde a sua recriação até o momento do seu falecimento e se preparava para assumir a coordenação do Grupo de Trabalho da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación - ALAIC, do qual era vice-coordenador. Esteve presente em todos os eventos preparatórios da constituição da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura - ULEPICC, desde o encontro de Buenos Aires, em 2001; foi o primeiro presidente da entidade no Brasil e assumiu a vice-presidência da Federação na última gestão. Foi ele o grande estimulador da criação do capítulo moçambicano, que surgiu a partir de um projeto seu, sob os auspícios do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
Foi também o idealizador do Fórum EPTIC-INTERCOM , que organizávamos a quatro mãos e que, a partir de 2012, passa a se chamar “Fórum EPTIC-INTERCOM Prof. Dr. Valério Cruz Brittos”. Ainda no campo da EPC, foi durante muitos anos editor da revista Eptic Online e criador do grupo CEPOS, que tanta contribuição deu ao debate nacional e internacional sobre a TV digital, por exemplo, transformando a Unisinos em referência na área. Sob sua coordenação, o grupo CEPOS produziu conhecimento, publicou livros, produziu programas de rádio, TV, debates em vários lugares do país.
Sua participação na ALAIC, como representante regional para o Cone Sul, na esteira da sua inestimável colaboração com o Grupo de Trabalho de Economia Política e na coordenação de um dos congressos da entidade na Unisinos, o levaria também a assumir uma posição importante nessa área, não fosse o seu prematuro desaparecimento. Como representante regional da ALAIC, apoiou a organização do seminário de São Paulo, em 2011, e do primeiro seminário regional da entidade, em Belém, ao final desse mesmo ano. Participou ativamente da organização da Confederação Ibero-Americana das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação – Confibercom, assumindo importante posição na nova diretoria. Teve, enfim, para não alongar a lista, um papel de relevo na organização do campo da Comunicação em nível nacional e internacional, onde se colocava à disposição para novos voos, sempre no afã construtivo e progressista que o caracterizava.
Para ler mais:
Confira alguns artigos publicados na Revista IHU On-Line sobre o professor Valério Brittos:
* Valério Cruz Brittos, artigo de Jacqueline Lima Dourado, na edição 406, de 29-10-2012.
Confira algumas entrevistas do professor César Bolaño concedidas à revista IHU On-Line e ao sítio do IHU:
* ALAIC: história, diálogos e perspectivas, entrevista com César Bolaño na edição 352, de 29-11-2010.
Confira algumas entrevistas do professor Valério Brittos concedidas à revista IHU On-Line e ao sítio do IHU: