Edição 423 | 17 Junho 2013

O que vem antes do começo

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Ricardo Machado

Essa é uma história que começa antes mesmo do começo. Parece estranho, mas explico. Tudo tem início há 12 anos quando Mônica, 32 anos, e Felipe, 35 anos, começaram a namorar, há sete são casados. Nascidos, criados e crescidos em Porto Alegre, quando não estão trabalhando e praticando esportes, gostam de ficar em casa, olhando televisão bem sossegados e brincando com seus cachorros. Quando tudo isso fica enfadonho demais, gostam de interromper a rotina para viajar. Há aproximadamente três anos, o casal resolveu ter um filho. Descobriram, entretanto, que não seria tão simples assim: eles precisariam de ajuda da medicina. Era o começo antes do começo.

“A decisão de ter filhos foi algo bem natural, decidimos quando, do nada, resolvemos comprar um apartamento maior, com dois quartos, como se quiséssemos preparar nosso ninho. Isso foi em agosto de 2010. Resolvi parar a pílula, bem tranquila. Depois de tanto tempo juntos é mais do que natural que a relação evolua para a construção de algo dos ‘dois’”, conta Mônica. Depois de um ano de tentativas, resolveram fazer exames para ver se havia algo errado e descobriram que Felipe tinha azooespermia – quando nenhum espermatozoide é detectado no sémen ejaculado. A notícia, como se pode esperar, não foi boa, mas nada que abalasse a confiança do casal e Felipe partiu para o tratamento.

Homeopatia do tempo

Talvez o único remédio para todos os males, ainda que homeopático, seja o tempo. Com Mônica e Felipe não foi diferente. “Então, é tudo tão engraçado, estávamos conversando esses dias que o tempo cura tudo. Logo que parei a pílula, combinamos que não iríamos nos estressar se demorasse. Mas demorou, começamos a nos estressar e quando vimos que tinha algo errado ficamos arrasados. Na hora pensamos: ‘nunca iremos partir para este lance de fertilização’”, relata. 

Com o tempo, o casal foi se informando mais sobre a reprodução assistida e se acostumando com a ideia. Mais de um ano depois da primeira tentativa, amadurecidos na decisão, eles decidiram pela fertilização in vitro, já que a inseminação artificial não foi possível devido ao baixo número de espermatozoides. Mesmo com a dificuldade de coleta de material, o casal insistiu; Monica tomou injeções diárias, passou por procedimentos e punções até que quatro embriões foram fertilizados. Dois deles transferidos para o útero de Mônica, em agosto de 2012, e os outros dois ficaram congelados.

“Eu pensei que o processo fosse mais dolorido e ruim, mas achei tranquilo. Costumamos dizer que o ruim da fertilização in vitro é que a pessoa precisa pensar... Porque se pensar muito, decide não colocar um filho neste mundo louco. Mas a gente estava lá, com quatro embriões lindos, prontos para se transformar em ‘filhos’. Loucura, né”, descreve Mônica.

Tentativas

Depois de cinco semanas da primeira transferência de embrião, Mônica perdeu o filho, o que, segundo ela, é comum quando se trata da primeira gravidez e, por isso, disse que não pôde se abalar demais. “Se pensarmos friamente a chance de dar certo na primeira fertilização é muito pequena. Nesse sentido, estávamos com sorte. E além do mais, desta primeira fertilização ainda tinham dois embriões. Depois de um mês do aborto espontâneo já colocamos um embrião congelado que não deu certo e, na sequência, o outro que também não deu certo. Tudo isso em 2012”, recorda.

Após esta sucessão de tentativas, o casal resolveu descansar a cabeça, sair de férias e pensar nisso no começo deste ano. A rotina de médicos, exames e procedimentos começaria novamente. Um resultado nada agradável apontou que Felipe estava com zero presença de espermatozoides. Umas das soluções seria retirar diretamente dos testículos, o que foi um baque forte para os dois. “E se não houver nos testículos, não temos mais de onde tirar, aí não temos chance de ter um filho nosso. Imagina se realmente descobrirmos que não podemos ter um filho?”, questiona-se Mônica.

O cenário nada animador fez com que os dois tivessem uma conversa séria, e Felipe, em um dos gestos mais sublimes de amor, questionou se sua esposa ainda estava disposta a encarar todas essas batalhas. Afinal, ela poderia ter filhos. “Óbvio que é complicado, mas a resposta é simples: eu quero um filho dele, ele foi o homem que escolhi para ser o pai do meu filho”, respondeu Mônica. Tudo isso é muito recente e Felipe está fazendo um tratamento para tentar uma boa amostra, visando uma segunda fertilização que o casal pretende fazer ainda este ano. 

Motivação

Pessoas, mais do que qualquer outra coisa, motivam pessoas. E é, justamente, na história de outros casais que obtiveram sucesso na fertilização in vitro que Mônica e Felipe se inspiram e encontram alegria de sorrir em busca do sonho deles. “A maior alegria é pensar que o esforço vai gerar algo nosso e saber que, mesmo com tudo isso, nos curtimos e continuamos firmes, juntos e fortalecidos”, destaca Mônica. 

Apesar das dificuldades, o casal se sente privilegiado por poder ter acesso às tecnologias de reprodução e por poder pagar por isso. “Primeiramente nos sentimos azarados, mas depois com sorte. Sorte de podermos usufruir deste tratamento que é caro e que infelizmente não está disponível para todo mundo”, avalia o casal. No Brasil, somente a partir de maio 2013 que os procedimentos de reprodução assistida foram incluídos na lista de atendimentos do Sistema Único de Saúde – SUS, e apenas oito hospitais  atendem a demanda em todo o país. 

Adoção

Mônica e Felipe contam que já pensaram em adotar, mas que desistiram. “Adotar também não é um processo fácil. Com certeza, pai e mãe é quem cria. Isso é fato e que no final, como diz um amigo meu, vale o prazer da criança brincando contigo e te chamando de pai ou mãe, mas adoção é um processo tão complicado quanto a fertilização”, considera Mônica. Eles não descartam, mas primeiro querem esgotar todas as possibilidades de reprodução assistida.

“Sabemos que ter filhos não é fácil e nos questionamos muitas vezes sobre isso. Será que vai valer a pena? Eu prefiro acreditar que sim, que este trabalho que estamos passando é apenas uma ‘amostra’ do que vamos ainda passar. Hoje é porque não conseguimos ter filhos. Amanhã será porque tivemos e ele ficou resfriado. Depois porque ele está mal na escola. Enfim, é a vida”, projeta Mônica.

Essa é uma história que ainda não começou, mas que, se depender da disposição e esforço de Mônica e Felipe, ela não terá somente um final feliz. O que se espera é que a primeira página dessa história seja assim: “E começaram felizes para sempre.”

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