Edição 421 | 04 Junho 2013

O talento e a vontade de aprender

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Ricardo Machado

Do lado de trás do balcão está o professor. Impunha na mão direita uma cuia e no rosto um sorriso fácil de quem gosta do que faz. Fala com a propriedade de quem diz ter alcançado tudo o que queria, quando tudo o que queria era simplesmente ser feliz.
Nildo e o chimarrão no mercado: "Me sinto realizado"

Como se espera de um professor, tem a lição na ponta da língua, não porque é profundo conhecedor da teoria, ao contrário, mas devido à prática de mais de 25 anos no ramo. À frente do próprio negócio, patrão de si mesmo, ele dispara: “É muito importante saber lidar com uma criança de 7 anos e com um vovô de 80 anos para que a pessoa se sinta bem atendida e tenha vontade de voltar”, ensina Arnildo Dilli, o Nildo, que há quase 27 anos, administra seu pequeno mercado no bairro Santo Antônio, da cidade de Montenegro, no interior do Rio Grande do Sul. Em 1986, quando começou o negócio em sociedade com a irmã e o cunhado (a parceria durou até 1995), tinha 26 anos de idade e o mercado que comprou já existia há 27 anos. “Quando comprei esse comércio pensei – ‘27 anos é uma eternidade’–, mas mês que vem eu estarei aqui durante todo esse tempo. Passou muito rápido”, conta.

Mercados globais, técnicas de gestão e protocolos internacionais de administração são termos que não residem no vocabulário do dono do mercado Primavera. Porém, não subestime a capacidade de gestão de Nildo, afinal ele administra sozinho seu negócio e sobreviveu a turbulências como a instabilidade monetária do início da década de 1990. “É preciso ter sempre os pés no chão. Tendo isso em mente, é muito fácil administrar. Faço tudo automaticamente, sei o que comprar e só compro o que eu vou vender. Não adianta eu comprar coisas na promoção que não vou conseguir vender no meu mercado. Isso é mal negócio”, explica. 

Sonho de infância

O menino ingênuo que nasceu em uma antiga localidade no interior de Montenegro, onde atualmente fica a cidade de Brochier, admirava o dono da “venda” do bairro de infância em que morava sempre que ia à missa. Nascido na roça, Nildo estudou até a quinta série e deixou de ir à escola quando já tinha 14 anos. Seguiu trabalhando no campo até que adquiriu o mercado. Da vida difícil da infância e da juventude aprendeu que gostar do que se faz é mais importante que qualquer outra coisa. “Para manter um comércio, é preciso primeiramente gostar deste tipo de trabalho e, em segundo lugar, não escolher os dias para trabalhar”, revela o comerciante que diariamente abre as portas de seu mercado às 7 horas e fecha às 19 horas. “Logo que comecei tive que largar o futebol, que era uma coisa que eu gostava, mas garanto: se não fosse bom eu não estaria aqui até hoje”, relata.

Aluno atento aos ensinamentos da escola da vida, como ele mesmo diz, Nildo tem suas lições na ponta da língua. “O mais importante de tudo é ter na mão o negócio. Tem que saber o que comprar e vender aquilo que pode dar um retorno. Com o tempo, a gente se sente em casa e o negócio vai crescendo automaticamente”, ensina.

Dificuldades

Nesses 26 anos e 11 meses à frente do mercado Primavera, Nildo conta que o período mais complicado foi no início da década de 1990, quando a instabilidade financeira do país tornou todas as coisas mais difíceis. “A pior época de todas foi a da inflação descontrolada. Nós comprávamos um item em um dia e na semana seguinte estava muito mais caro. Nunca estávamos com os pés no chão, não tinha como prever. Se tivesse continuado daquele jeito, talvez eu tivesse desistido”, conta. Aproximadamente, um ano depois da implantação do Real como sistema monetário, em 1995 Nildo passou a administrar seu negócio sozinho, quando a irmã e o cunhado venderam suas partes no negócio e começaram a se dedicar a outras atividades. “Depois de 1994 ficou melhor a questão financeira, pois o dinheiro passou a ter valor. Uma pessoa com uma moedinha de 5 centavos consegue comprar uma bala. O dinheiro ainda tem valor há 19 anos”, considera.

Apesar de não ter considerado fácil o período inflacionário da década de 1990, Nildo é categórico ao descrever qual momento é o mais complicado na gestão do negócio. “O momento mais difícil é quando você tem que dizer ‘não’ para uma pessoa”, avalia.

Conquistas

Atualmente o gestor do mercado Primavera tira de letra seu trabalho. De trás do balcão cuida dos quatro corredores com prateleiras recheadas de itens de alto a baixo, tem sempre uma brincadeira ou uma história para interagir com quem entra apressado em busca de alguma coisa para comprar. Entre um chimarrão e outro, Nildo desdobra em palavras e lembranças sua história e se emociona ao falar da maior conquista de sua vida: sua mulher e seu filho, Pedro de sete anos. “Eu vim do nada e agora tenho o meu comércio, minha casa, meu carro. Tenho, acima de tudo, minha esposa e meu filho”, conta com os olhos azuis cobertos por uma fina e transparente camada da lágrima que resiste à gravidade e não se desprende das vistas. “Me sinto realizado”, complementa.

A contribuição inconsciente de Nildo ao debate da gestão contemporânea, focada em mercados globais e internacionalização dos negócios, reside na mais elementar questão de todas: saber lidar com as pessoas. “O que a vida me ensinou foi conhecer muito as pessoas e com o tempo aprender a respeitá-las e guardá-las no coração”, pondera. Talvez o sucesso do mercado Primavera esteja, justamente, em nunca ter perdido a vocação de ser um local familiar às várias gerações que há mais de 50 anos cruzam a porta do venda localizada na esquina das ruas 14 de Julho e Cel. Antônio Inácio, em Montenegro. Entender a gestão global passa, também, pela lição do escritor Fiódor Dostoiévski, que assim diz: “Se você quiser conhecer o mundo, comece por sua aldeia”. Para quem tem vontade de aprender, o professor está lá, detrás do balcão com uma cuia na mão direita e um sorriso no rosto.

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