Edição 420 | 27 Mai 2013

Notas sobre a atuação política de Fernando Ferrari

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Maura Bombardelli

O artigo a seguir foi escrito por Maura Bombardelli, graduada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e mestranda em História pela mesma instituição. A pesquisadora é uma das autoras de Jornais Raros do Musecom (1808-1924). (Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008) e participa como articulista da obra Fernando Ferrari: ensaios sobre o político das mãos limpas. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, organizada por Fernando Ferrari Filho. Confira o artigo.

A atuação política de Fernando Ferrari perpassou o chamado Período Democrático de 1945 a 1964. O final da Segunda Guerra Mundial e, na esfera nacional, o encerramento do Estado Novo, ambos ocorridos em 1945, abriram caminho para um tempo de reformulações ideológicas, de busca de novos rumos para o desenvolvimento do Brasil. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) era uma das principais agremiações políticas desse período a propor um projeto de país. Tal projeto teria como base o trabalhismo. 

Foi por essa sigla que Ferrari, em 1947, aos 25 anos, se elegeu deputado estadual do Rio Grande do Sul e, e em 1951, se tornou deputado federal, reelegendo-se duas vezes e exercendo o cargo até 1962. Ferrari também foi líder da bancada do PTB na Câmara Federal em meados dos anos 1950. Seu percurso político é essencialmente parlamentar. Nas memórias associadas a ele é constante a referência a sua boa oratória e ao gosto que tinha em ocupar a tribuna, fato comprovado pela grande quantidade de discursos proferidos pelo deputado. Dentre os aspectos de sua atuação parlamentar estão a busca da garantia dos direitos constitucionais aos trabalhadores, a valorização dos pequenos produtores rurais e a defesa de sua classe profissional, os economistas. Com relação à ideologia do trabalhismo, as formulações de Ferrari são indissociáveis das de outro político do PTB, Alberto Pasqualini, qualificado como “o teórico do trabalhismo brasileiro”. 

Fundação do MTR

A historiografia destaca a influência da religião católica, com a chamada Doutrina Social da Igreja, nas formulações de Pasqualini, político que propunha um modelo de desenvolvimento assentado no capitalismo solidarista, diferente tanto do socialismo quanto do capitalismo tido como mero produtor de lucro, a que denominava capitalismo individualista. Em tal sistema, as relações entre capital e trabalho seriam reguladas por uma legislação justa, que garanta a justa recompensa ao trabalhador por sua contribuição na produção de bens que formam a riqueza nacional. Caberia ao Estado o papel de regulador das relações entre capital e trabalho, garantindo a distribuição equânime da riqueza. 

 Ferrari partilhava das concepções do capitalismo solidarista de Pasqualini e buscou se associar ao grupo ligado ao político. A partir de 1954, com o falecimento de Getúlio Vargas, fundador e líder inconteste do PTB, teve início um processo de redefinição partidária no PTB, com o avanço da agenda reformista, mas também com a competição de lideranças pela hegemonia na sigla. João Goulart era o principal herdeiro político de Vargas, mas havia outras lideranças que propunham uma renovação no trabalhismo, em detrimento do modelo do PTB, o qual consideravam antiquado e fisiológico. Dentre essas lideranças estava Ferrari, líder da cisão partidária mais significativa do PTB, que deu origem ao Movimento Trabalhista Renovador (MTR), fundado em 1959 como movimento cívico-apartidário e transformado em partido em 1960.

Cisão polêmica

Teria sido a ruptura com o PTB motivada pela disputa de poder com outros líderes do partido, sobretudo Goulart e ainda, na esfera estadual, o então governador Leonel Brizola? A abordagem historiográfica salienta a polêmica existente em torno da atuação política de Ferrari (programático-doutrinário ou personalista) e a relação dessas características com a cisão. No entanto, mais importante do que mensurar o quanto o fator disputa de poder e o quanto o fator disputa de ideias marcou a cisão ferrarista é elucidar as ideias políticas de Ferrari e a forma como ele se posicionou no jogo político de então, levando em consideração as duas variáveis.

As disputas internas do partido, e sua exteriorização ao conjunto de eleitores na eleição para a Vice-presidência da República de 1960, quando Ferrari (candidato pelo Partido Democrata Cristão e apoiado pelo MTR) se opôs pela primeira vez ao seu partido de origem, representado pela candidatura de Goulart (PTB), eram de fato, disputas por poder. Como recurso político Ferrari buscou, nesse pleito, acirrar as divergências, antes controladas internamente no PTB, entre os que buscavam pôr em prática as formulações teóricas do partido (como o eram Pasqualini, falecido naquele ano, e Ferrari) e os que agiam de forma pragmática, visando apenas a obtenção do poder (Goulart e Brizola, entre outros). 

Contudo as formulações teóricas preconizadas por Ferrari não podem ser consideradas apenas como subterfúgio para justificar a ruptura com o PTB. Daí a relevância – para uma melhor compreensão da atuação do dissidente trabalhista e do próprio contexto político da época – de estudos sobre Ferrari, que levem em conta também seus projetos políticos e suas contribuições para o trabalhismo brasileiro.

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