Edição 200 | 16 Outubro 2006

Nobel da Física 2006 auxilia a compreender a formação do Universo

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

A descoberta dos astrofísicos americanos John C. Mather e George F. Smoot, premiados com o Nobel de Física 2006 “permite o desenvolvimento de nossa compreensão sobre os mecanismos de formação de estruturas no Universo, tais como galáxias e aglomerados de galáxias”, afirmou o físico Mario Novello, em entrevista por e-mail, concedida com exclusividade à IHU On-Line momentos antes de embarcar para a Itália em função do Acordo que o International Conference in Representations of Algebras (ICRA-Brasil) fez recentemente com a rede de Institutos de Cosmologia e Astrofísica Relativista ICRANet, sediada em Roma.

Convidado a repercutir a importância do Prêmio Nobel de Física 2006, concedida à dupla de astrofísicos americanos em 03-10-2006 e publicada na página eletrônica do IHU, www.unisinos.br/ihu, Novello foi enfático: “A ciência não deve ter como pretensão a explicação de tudo, mas ela deve encaminhar-se para a tentativa de explicação de tudo que existe. Ou seja, sua atividade é humana e política”. Mather, 60 anos, doutor em Física pela Universidade da Califórnia em Berkeley, trabalha como astrofísico no centro da Nasa Goddard Space Flight, em Greenbelt (EUA). Smoot, 61 anos, doutor em Física por Cambridge (Massachusetts), trabalha como catedrático na Universidade de Berkeley.

Novello leciona no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, onde é coordenador do Laboratório de Cosmologia e Física Experimental de Altas Energias. É graduado em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pela Universidade de Brasília (UNB), mestre em Física pelo CBPF e doutor na mesma área pela Université de Genève (Suíça), pós-doutor pela University of Oxford (Inglaterra) e doutor honoris causa pela Universidade de Lyon (França). É autor de mais de 150 artigos e de inúmeros livros, dos quais destacamos: Cosmos e Contexto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. O Círculo do Tempo: Um olhar científico sobre viagens não-convencionais no tempo. Rio de Janeiro: Campus, 1997; Os jogos da natureza. Rio de Janeiro: Campus, 2004 e Máquina do tempo – Um Olhar Científico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. É um dos organizadores de The Tenth Marcel Grossmann Meeting. 1. ed. Cingapura: World Scientific, 2006. Novello concedeu entrevista na edição 142 da IHU On-Line, de 23-05-2005, intitulada “A cosmologia está mudando a forma humana de pensar”. Na edição 185, de 19-06-2006, colaborou com a editoria Memória, falando sobre O pensamento, suas raízes e conexões segundo José Leite Lopes.

IHU On-Line - Qual é a importância da descoberta dos físicos americanos ganhadores do Prêmio Nobel 2006? No que consiste exatamente a “descoberta da forma de corpo escuro da radiação de fundo”?

Mario Novello
- Primeiro, eles comprovaram com uma enorme precisão, a descoberta feita anos antes da existência desta radiação cósmica que equivale a uma enorme quantidade de fótons (os grãos de luz, de diferentes freqüências) no Universo e que mostra inequivocamente que o Universo foi muito mais quente em seu passado. Ademais, ao descobrir pequenas anisotropias nesta radiação, ele permite o desenvolvimento de nossa compreensão sobre os mecanismos de formação de estruturas no Universo, tais como galáxias (conjunto enorme de matéria, contendo  centenas de bilhões de estrelas), aglomerados de galáxias etc. Sem a descoberta destas pequenas anisotropias, os cosmólogos não poderiam entender como o Universo evoluiu a partir de uma fase de alta dose de homogeneidade, para a atual, onde observamos galáxias, estrelas etc.

IHU On-Line - O que esse olhar para a “infância” do universo revela sobre o passado cósmico do nosso Planeta?

Mario Novello
- A palavra “infância" está mal-aplicada, pois ela nos remete à idéia de que houve um momento de “nascimento ou criação do universo", o que está além da teoria do Big Bang  e trata, na verdade, de uma ideologia que lhe está acoplada. Vou tratar disso na questão a seguir, com mais detalhes.

IHU On-Line - Em que medida a descoberta de Mather e Smoot auxilia a consolidar a Teoria do Big Bang?

Mario Novello
- Antes de qualquer comentário, e considerando que ainda algumas pessoas confundem os dois conceitos, deixe-me repetir que há dois sentidos em que o termo Big Bang vem sendo aplicado. Em seu termo técnico, usado pelos cientistas, ele se refere à idéia que os cosmólogos elaboraram nos últimos 20 anos, afirmando que nosso Universo possui um processo de expansão, que sua temperatura está diminuindo com o passar do tempo (cósmico) e que, consequentemente, seu volume total (o que chamamos comumente de “espaço") foi bastante menor no passado e que muito possivelmente, quando ele estava muito reduzido, a teoria clássica da gravitação que determina sua evolução deveria ser modificada. Há várias propostas desta modificação. Em outro sentido, popular --- embora alguns físicos sejam responsáveis por esta simplificação errônea e especulativa --- o Big Bang descreveria o momento de criação do universo. As observações de Mather e Smoot sustentam a teoria científica do Big Bang, e não a ideologia ingênua de identificação com o “mito científico de criação".

IHU On-Line - O senhor acredita que a descoberta de Mather e Smoot ajuda o ser humano a compreender melhor o seu lugar dentro do Universo? Quais seriam as implicações existenciais e religiosas dessa descoberta?

Mario Novello
- Devemos separar de sua pergunta o que poderíamos entender como “implicações existenciais" das que você chamou de “implicações religiosas".  A primeira está presente, em princípio, em toda a investigação sobre como funciona a natureza, pois toda atividade científica, deveria ser entendida como uma busca para o homem compreender-se melhor, entender sua situação no universo. No caso da Cosmologia , essa função deveria estar explicitada a cada momento. Infelizmente, por várias razões de caráter não-científico, de natureza político-social, não é isso que ocorre. Quanto à segunda, eu lembro que já há vários séculos, a humanidade conseguiu entender (embora não ainda na sua prática cotidiana) que ciência e religião são duas atividades importantes do homem, mas totalmente separadas.

IHU On-Line - A Teoria do Big Bang possui alguma aproximação com a arkhé aristotélica (a causa incausada), ou com a causa sui dos neoplatônicos (a causa como causa de si mesma)?

Mario Novello
- Veja, sua pergunta mostra como as pessoas, mesmo aquelas com acesso enorme às informações, não estão isentas de ideologia, quando esta vem sob uma roupagem “quase-científica". A teoria do Big Bang não produz uma teoria-do-começo-do-universo ou, pelo menos, não tem o direito de fazê-lo, pois ela esbarra numa “singularidade inicial" à qual a física não teria acesso. Conseqüentemente, ela deveria afirmar sua impossibilidade formal de comentar sobre o que teria acontecido naquele ponto de condensação infinita, onde todas as quantidades físicas teriam assumido o valor infinito e, conseqüentemente, estariam fora de uma explicação racional. Por sua vez, e sem que se desvie da produção de uma imagem do Universo como um processo dinâmico e que estabelece que o volume total do universo foi extremamente pequeno (mas não zero!) no passado, vários cientistas de diferentes centros de pesquisa no Brasil, na Rússia, na França e em outros países, elaboraram várias propostas de explicação sobre o que teria ocorrido antes do começo da fase expansionista atual do universo. Dentro deste quadro, sua questão, embora não resolvida, se transporta para a produção de duas outras, a saber: supondo que tenha havido uma fase colapsante anterior à atual fase em expansão do Universo, o que teria provocado este colapso? E por que teria ele parado e invertido sua direção, passando a expandir-se? É assim que o conhecimento científico deve preparar sua ação no mundo: como uma atividade contínua e inesgotável. A ciência não deve ter como pretensão a explicação de tudo, mas ela deve encaminhar-se para a tentativa de explicação de tudo que existe. Ou seja, sua atividade é humana e política.

 

 

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição