Edição 416 | 29 Abril 2013

Memória: Robert Castel (1933-2013)

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Graziela Wolfart

Faleceu no último dia 12 de março o sociólogo francês Robert Castel, aos 79 anos, em Vincennes, próximo a Paris, como informou a Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais – EHESS, onde era diretor desde 1990. Castel nasceu em 1933 em Brest (França) em uma família operária. A morte de sua mãe, devido ao câncer, quando tinha 10 anos e o suicídio de seu pai dois anos depois marcaram sua infância. Na Faculdade, Castel foi aluno de Raymond Aron e Pierre Bourdieu, junto ao qual abandonou a filosofia pelas Ciências Sociais. Durante sua trajetória acadêmica, dirigiu o Centro de Estudos dos Movimentos Sociais – CNRS (sigla em francês). Nos anos 1970 começou sua carreira com estudos sobre a psiquiatria e a doença mental, na linha de Michel Foucault e Franco Basaglia. Mas foi sua análise da formação do mundo de trabalho assalariado, as transformações trabalhistas e as políticas sociais o que lhe rendeu amplo reconhecimento. Estudou as consequências do trabalho assalariado sobre as relações sociais e o indivíduo contemporâneo devido ao surgimento de um mundo de precariedade, flexibilização e desemprego.

Robert Castel é autor de inúmeros livros, dentre os quais citamos: L’insécurité sociale. Qu’est-ce qu’être protégé? (Le Seuil/La République des idées, Paris, 2003), traduzido como A insegurança social. O que é ser protegido? (Petrópolis: Vozes, 2005) e Les métamorphoses de la question sociale. Une chronique du salariat (Paris: Fayard, 1995), traduzido como As metamorfoses da questão social (Petrópolis: Vozes, 1998).

Robert Castel esteve na Unisinos proferindo a conferência “O futuro da autonomia e a construção de uma sociedade de indivíduos”, no dia 23-05-2007, durante o Simpósio Internacional O futuro da autonomia. Uma sociedade de indivíduos?, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU naquele ano. Da palestra, resultou o artigo “O futuro da autonomia. Uma sociedade de indivíduos?”, publicado em no livro O futuro da autonomia e a construção de uma sociedade de indivíduos: uma leitura sociológica (São Leopoldo: Unisinos, 2009, 132 páginas).

A professora Liliana Segnini, da Unicamp, analisa o legado do pensamento e da obra de Robert Castel. Na entrevista que concedeu  por e-mail à IHU On-Line, ela considera que Castel reconstitui a história do trabalho na França. “Fim do trabalho? Indaga [Castel] para expressar um pensamento na moda nos anos 1990. Discorda veementemente. Ressalta que é a relação com o trabalho que mudou: em lugar de um pilar sólido de direitos regulamentado, hoje é vivido com a angústia das incertezas face à sua supressão e as formas instáveis de vivenciá-lo. Justifica: – Desemprego? Não significa estar longe do trabalho. O que deseja o desempregado? Emprego”.

Liliana Rolfsen Petrilli Segnini é doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É professora e pesquisadora na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É autora de, entre outros, Trabalho e gênero: mudanças, permanências e desafios (São Paulo: Editora 34, 2000).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – De forma geral, qual o principal legado que o pensamento e a obra de Robert Castel deixam para a contemporaneidade?

Liliana Segnini – As epígrafes selecionadas por Robert Castel para o livro As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário  (Rio de Janeiro: Vozes, 1998)são primorosas para a formulação da síntese de seu pensamento, do legado que deixa para as ciências sociais. Em primeiro lugar, sua constante preocupação em reiterar que a análise sociológica do presente implica na compreensão do passado. Assim, Castel, avesso às ortodoxias, recorreu a cientistas sociais vinculados a diferentes perspectivas teóricas que marcaram a opção metodológica presente em sua obra: o sociólogo Émile Durkheim  e o historiador Fernand Braudel  reiteraram a relevância do resgate histórico, da reconstituição da gênese de um fenômeno social para compreender as metamorfoses da questão social no presente. A filósofa Hannah Arendt  expressa o sentido e os objetivos da obra por Castel desenvolvida. A questão central do livro é o trabalho, mas esta não era sua intenção primeira. O objeto inicial eram os marginalizados, os fora da norma. No entanto, sempre voltava ao trabalho – ou pela ausência ou pela precariedade do trabalho. Percebia uma lacuna em sua formação para desenvolver o projeto e dizia em aulas, seminários e textos: “não sou sociólogo do trabalho nem historiador”.

IHU On-Line – O que marca o olhar de Castel sobre as relações que envolvem o mundo do trabalho? 

Liliana Segnini – A singular contribuição de Castel também está sintetizada no subtítulo de sua obra – uma crônica do salário – ou do processo histórico do assalariamento. Reconhece que o trabalho assalariado quase sempre foi sinônimo de situação miserável, condenando os trabalhadores a viver de forma miserável. No interior de uma história com muitas lutas, contradições, avanços e recuos, constituiu-se um pilar de coesão social, possibilitando garantias e direitos sociais e no trabalho; torna-se consistente e não mais só sinônimo de miserabilidade. A partir da Revolução Industrial assiste-se à construção da sociedade salarial. Esta história se dá de diferentes formas, em diferentes contextos históricos e geográficos. Castel realiza um recorte histórico e geográfico – ele reconstitui a história do trabalho na França. 

Suas análises possibilitam o questionamento em relação a outros contextos, como o Brasil onde se observa, em poucas linhas, que a campanha abolicionista que culmina na Abolição dos Escravos em 13 de maio de 1888 informa histórias de lutas sangrentas, de uma monarquia já decrépita, a vitória da República (que se deu formalmente em 15-11-89) e de um novo modo de produção nascente, apoiado na indústria e no trabalho livre, assalariado. Nesse contexto o positivismo informa uma ideologia e a compreensão científica de mundo. O processo de industrialização, sobretudo a partir dos anos 1930, é acompanhado pela escolarização de massa, necessária formação de trabalhadores vendedores de força de trabalho. 

Para o autor, a “sociedade salarial” efetivamente se desenvolve a partir do término da segunda grande guerra, na Europa. No entanto, uma longa história marca sua trajetória. Numa primeira etapa, “o salariado acampou durante muito tempo às margens da sociedade” (Castel, 1998, p. 495), posteriormente foi se instalando, mas não prevalece e permanece de forma subordinada. Na terceira etapa se difunde de tal forma que situa e classifica o indivíduo numa sociedade a partir da vivência de um pilar sólido de direitos vinculados ao trabalho. No Brasil, este período deve ser relativizado, sobretudo no que se refere aos direitos do trabalhador, mas é possível reiterar a análise do autor considerando a crescente participação do operário na População Economicamente Ativa – em 1950, 16,8%; em 1970, 24,96%; em 1980, 32,67%. (FIBGE, 1985). A supressão dos empregos e às ameaças aos direitos outrora conquistados levou Castel a formular a pergunta: “teremos chegado a uma quarta etapa de uma história antropológica da condição do assalariado, etapa em que sua odisseia se transforma em drama?” (op. cit., p. 496) Analisar o contexto socioeconômico no qual as políticas de integração, prevalecentes até os anos 1970, são pouco a pouco substituídas pelas ditas políticas de inserção, as rupturas nesta trajetória, constitui o fulcro analítico da “Nova questão social”, aprofundada no seu livro A insegurança social: O que é ser protegido (Vozes, 2005).

Fim do trabalho? Indaga para expressar um pensamento na moda nos anos 1990. Discorda veementemente. Ressalta que é a relação com o trabalho que mudou: em vez de um pilar sólido de direitos regulamentado, hoje é vivido com a angústia das incertezas face à sua supressão e as formas instáveis de vivenciá-lo. Justifica: – Desemprego? Não significa estar longe do trabalho. O que deseja o desempregado? Emprego.

Nesse contexto, o Estado é apontado pelo autor como a única instituição capaz de domesticar o mercado, impedindo o aprofundamento das desigualdades sociais. 

Leia mais...

>> Robert Castel concedeu uma entrevista à IHU On-Line. Confira:

“As pessoas não são autônomas por natureza, por essência”. Publicada na edição número 220, de 21-05-2007, disponível em http://bit.ly/Y95hHO

O futuro da autonomia e a construção de uma sociedade de indivíduos: uma leitura sociológica (São Leopoldo: Unisinos, 2009, 132 páginas).

>> Sobre Robert Castel, confira também o seguinte material publicado pelo sítio do IHU:

Um mundo sem proteção. A morte de Robert Castel. Artigo publicado em 07-04-2013, disponível em http://bit.ly/16HEyQP 

O risco do fim da sociedade salarial. Entrevista com Robert Castel publicada em 12-12-2007, disponível em http://bit.ly/17mrwuc 

“A França deve mudar”. Entrevista com Robert Castel publicada em 02-09-2008, disponível em http://bit.ly/13zqFnW 

O dobre de finados soou para o liberalismo. Artigo de Robert Castel publicado em 06-03-2009, disponível em http://bit.ly/11JzKJt 

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