Edição 416 | 29 Abril 2013

Acabou a fase do trabalho seguro e por tempo indeterminado

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Graziela Wolfart | Tradução de Sandra Dall Onder

Para Christian Marazzi, não há nenhuma chance de sairmos da crise sem que o capital retome a via do endividamento. “Uma nova bolha financeira está por explodir nos próximos meses”, prevê
Marazzi: “A austeridade, em vez de facilitar a recuperação da recessão, ao contrário, piora”

 

Os efeitos da crise na Europa sobre o mercado de trabalho até agora têm sido devastadores, aponta o economista suíço Christian Marazzi, “com o aumento do desemprego, o fechamento de muitas pequenas e médias empresas, a deterioração da qualidade de vida dos cidadãos, o aumento do número de suicídios. Na Grécia, tudo isso atingiu proporções dramáticas, mas também no resto da Europa as coisas estão indo nesta direção”. Ele fez esta e outras afirmações na entrevista que concedeu por e-mail para a IHU On-Line, onde acrescenta que “o principal objetivo do capital, perfeitamente coerente com a política neoliberal, é o de minimizar o custo do trabalho, com o aumento do exército de desempregados, a redução das aposentadorias, o aumento na cobrança de impostos e a destruição definitiva dos sindicatos. O que não está claro é o significado desta estratégia macroeconômica, uma vez que não é possível sair da crise atual, na esperança de uma recuperação da competitividade de todas as economias europeias”. E Marazzi identifica um panorama assustador: “uma coisa parece clara: não há nenhuma chance de sair da crise sem que o capital retome a via do endividamento. O problema é que, mesmo que os bancos centrais estejam criando liquidez, mais do que devem, essa liquidez não desemboca na economia real, permanece nos circuitos financeiros e, portanto, alimenta uma nova (e enorme) bolha financeira. Que está por explodir nos próximos meses”.

Christian Marazzi é professor e diretor de investigação socioeconômica na Universidade della Svizzera Italiana. Também foi professor na Universidade Estadual de Nova York e na Universidade de Pádua, dentre outras. Entre suas obras, citamos Autonomia (Cambrigde: MIT Press, 2007), Capital and language (Cambrigde: Mit Press, 2008), em parceria com Michael Hardt e Gregory Conti, e O lugar das meias: A virada linguística da economia e seus efeitos na política (São Paulo: Civilização Brasileira, 2009).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor percebe a crise na Europa considerando a situação particular de cada país? Como falar do mundo do trabalho, a partir da crise, em uma situação como a da Alemanha e da Grécia, por exemplo? 

Christian Marazzi – Na Europa, a crise começou “oficialmente” no outono de 2009, quando a Grécia foi atacada pela primeira vez pelos mercados financeiros e da União Europeia em função da situação da sua dívida pública. A partir daquele momento, e até agora, tem havido uma sucessão de crises da dívida soberana, com países como a Irlanda, Portugal, Espanha e, no fio da navalha, a Itália, mais recentemente, o Chipre, alvo dos mercados que têm como objetivo impor medidas de austeridade para restaurar (“consolidar”) a despesa pública e sair da crise. Na verdade, o que aconteceu é que as medidas de austeridade, ou seja, os cortes de gastos públicos e o aumento de impostos, têm contribuído para agravar a situação econômica e social dos países periféricos da zona do euro, provando que a austeridade, em vez de facilitar a recuperação da recessão, ao contrário, piora. Os efeitos sobre o mercado de trabalho até agora têm sido devastadores, com o aumento do desemprego, o fechamento de muitas pequenas e médias empresas, a deterioração da qualidade de vida dos cidadãos, o aumento do número de suicídios. 

Na Grécia, tudo isso atingiu proporções dramáticas, mas também no resto da Europa as coisas estão indo nesta direção, especialmente no que diz respeito ao desemprego entre os jovens, por exemplo, que na Espanha ou na Itália atingiu proporções inacreditáveis, de mais de 40%. 

Na Alemanha, que certamente é o país economicamente mais forte, esta situação do mercado de trabalho e do desemprego começou muito antes da crise, especialmente no início de 2000, com os planos de trabalho do governo vermelho-verde, que optaram por um mercado de trabalho cada vez mais flexível e temporário (“pleno emprego do trabalho temporário”, dizia-se), também com base no trabalho imigrante para reduzir os salários.

IHU On-Line – Com a crise na Europa e os desafios impostos por ela ao mundo do trabalho, quais as principais transformações recentes no que se refere à geração de renda e de consumo? 

Christian Marazzi – É difícil responder a essa pergunta, porque não está claro qual é (se houver) o projeto por trás deste ataque frontal ao mundo do trabalho. Na verdade, o principal objetivo do capital, perfeitamente coerente com a política neoliberal, é o de minimizar o custo do trabalho, com o aumento do exército de desempregados, a redução das aposentadorias, o aumento na cobrança de impostos e a destruição definitiva dos sindicatos. O que não está claro é o significado desta estratégia macroeconômica, uma vez que não é possível sair da crise atual, na esperança de uma recuperação da competitividade de todas as economias europeias, ao mesmo tempo, através da retomada das exportações. Os países mais afetados pela crise da dívida soberana estão se tornando um grande grupo de força de trabalho pobre, prontos a migrar para os países do norte da Europa. Talvez esta seja a referência que emerge da estratégia da crise, criar um Sul de serviços (e emprego) para os ricos do Norte. De toda forma há anos, quando algum novo emprego é criado, ele é certamente temporário e por tempo determinado. Acabou a fase do trabalho seguro e por tempo indeterminado. 

IHU On-Line – Em que medida a transformação das finanças em “ferramenta” ativa para suportar a demanda se relaciona com o desmantelamento do Estado social e com a crescente privatização dos bens públicos?

Christian Marazzi – Na fase de expansão do capitalismo financeiro, desde os anos 1980, tem havido uma privatização dos mecanismos de criação da demanda agregada de Keynes . O endividamento das famílias e empresas tem, gradualmente, tomado o lugar da dívida pública dos países na sua função de criação da demanda adicional (a salarial) necessária para obter lucros. Não que a dívida pública tenha diminuído. Pelo contrário, o seu aumento se deve principalmente à redução da carga fiscal sobre o capital e rendimentos elevados, aumento de demandas geradas pelo envelhecimento da população e ao aumento dos custos com a saúde. Com a crise da dívida privada, por meio da intervenção dos países para ajudar o sistema bancário à beira da falência, foi novamente transformada em dívida pública. Assistimos à socialização da dívida e a privatização dos lucros. E este aumento da dívida pública oportunizou o ataque aos gastos públicos do welfare state e a privatização de bens públicos.

IHU On-Line – Na última entrevista que nos concedeu , o senhor afirmou que “é a cooperação, a troca de saberes e conhecimentos, as competências adquiridas no âmbito do não trabalho que são recursos estratégicos para o desenvolvimento do capital”. Como reflete sobre essa afirmação a partir da crise na União Europeia?

Christian Marazzi – Posso apenas reiterar que, em lugar do uso capitalista do “comum”, justamente o trabalho de cooperação, do conhecimento e da experiência, podemos e devemos agora responder com a luta por uma renda de cidadania, uma renda que seja uma forma de monetização de todo o trabalho gratuito que fazemos para (simplesmente) viver, mas que se insere na estratégia do capital de captar a mais-valia absoluta, através de dispositivos de externalização da exploração do trabalho.

IHU On-Line – Com a crise no emprego/trabalho, quais os impactos que as grandes empresas sofrem em função da quebra do mecanismo da dívida (aqui pensando no cartão de crédito e nas hipotecas imobiliárias, por exemplo)?

Christian Marazzi – A crise é sempre um momento de cortes de gastos, mesmo que apenas para reduzir as dívidas acumuladas em fase de expansão. E isso, para as empresas em geral, significa redução da demanda por bens de consumo e de investimento. Para as grandes empresas significa direcionar as estratégias de vendas para os países emergentes, criando novamente a armadilha da dívida para esses mesmos países. De fato, países como a China, e outros, estão agora se confrontando com um aumento acentuado da dívida dos seus bancos em direção aos países ocidentais. Uma coisa parece clara: não há nenhuma chance de sair da crise sem que o capital retome a via do endividamento. O problema é que, mesmo que os bancos centrais estejam criando liquidez, mais do que devem, essa liquidez não desemboca na economia real, permanece nos circuitos financeiros e, portanto, alimenta uma nova (e enorme) bolha financeira. Que está por explodir nos próximos meses.

IHU On-Line – Quais as peculiaridades da crise europeia em relação ao mundo do trabalho se compararmos com os impactos sofridos nos EUA, por exemplo, com a crise de 2008/2009?

Christian Marazzi – A principal peculiaridade em relação aos Estados Unidos e Europa diz respeito à natureza das moedas criadas em seus respectivos continentes. O dólar é uma moeda soberana cuja criação e circulação dentro dos Estados Unidos permitem o crescimento econômico (e, consequentemente o emprego) em todos os estados federados. Na Europa, o euro veicula um processo de desenvolvimento divergente entre os países do Norte e dos países do Sul. Isso acontece porque o euro é uma moeda sem um Estado, uma moeda sem uma política fiscal e econômica comum aos países membros da União Europeia. Isso significa que, dentro da zona do euro, o desenvolvimento de um país (como a Alemanha) é feito à custa do subdesenvolvimento de outros países (como a Grécia, a Espanha ou a própria Itália).

Leia mais...

>> Christian Marazzi já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira:

Política do comum: uma fonte direta de valor econômico. Publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU, em 23-03-2009, disponível em http://bit.ly/d4AqGP;

A vida no centro do crescimento econômico. Publicada na revista IHU On-Line n. 301, de 20-07-2009, disponível em http://bit.ly/cmubdm;

A sociedade: uma grande fábrica de produção de valor. Publicada na revista IHU On-Line n. 327, de 03-05-2010, disponível em http://bit.ly/xnP2oq 

 

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