Edição 199 | 09 Outubro 2006

A Igreja e os desafios da diversidade sexual

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IHU Online

Jon Nilson é professor de Teologia na Loyola University de Chicago. É especialista em teologia ecumênica, em catolicismo contemporâneo e em teologia sistemática. Jon Nilson recebeu sua formação acadêmica inicial na University of St. Mary of the Lake e seu doutorado na University of Notre Dame. Antes de ir para a Loyola University, em 1975, ele ensinou no Illinois Benedictine College e na University of Dallas. Ele é casado com Merle (Lufen) Taber e pai de três filhos adultos. Foi presidente da Catholic Theological Society of America. É membro do conselho editorial da revista Theological Studies.

É autor de Nothing Beyond the Necessary. Roman Catholicism and the Ecumenical Future, bem como de vários artigos e ensaios. Além de outras afiliações, ele é membro da Jewish-Catholic Scholars Dialogue em Chicago, the Anglican-Roman Catholic Consultation nos Estados Unidos, e editor da Theological Studies.
Confira a entrevista que ele concedeu, por e-mail, para a revista IHU On-Line, falando sobre a diversidade sexual para a Igreja. 

IHU On-Line - Em que sentido poderia o Concílio Vaticano II  dar passos importantes para a compreensão e aceitação da diversidade sexual na Igreja Católica?

Jon Nilson
- Quando o Concílio terminou, em 1965, os bispos perceberam que a “Igreja pedagógica” deveria ser primeiro uma “Igreja aprendiz” . Eles mesmos aprenderam lições importantes dos periti (peritos, do italiano), ou especialistas em teologia, que haviam trazido ao Concílio. Eles também aprenderam uns com os outros nas conversas formais e informais. Agora parece estar claro que o Espírito Santo não infundiu magicamente de algum modo o ensinamento oficial da Igreja na mente e no coração do Papa e dos bispos. Pelo contrário, tiveram que gastar o esforço de pessoas comuns para discernir e expressar o ensinamento da Igreja. Esses esforços tiveram ajuda do Espírito Santo, mas Ele não faz tais esforços desnecessariamente.

Então, nos últimos documentos do Concílio, lemos afirmações como “O Pontífice Romano e os bispos, conforme seus deveres e condizendo com a gravidade do assunto, [devem] lutar conscienciosamente e por meios apropriados inquirir corretamente sobre... a revelação e expressar-se adequadamente sobre seu conteúdo.” (Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, no. 25) e “Deixar que pessoas leigas não imaginem que seus pastores são sempre tão experts, que a cada problema complicado que surja, eles possam prontamente dar-lhes uma solução concreta ou algo semelhante é sua missão.” (Constituição Pastoral da Igreja no Mundo Moderno, Gaudium et Spes, no. 43). Infelizmente, este modo de compreender e exercitar a autoridade professoral na Igreja parece ter terminado logo depois do fechamento do Concílio, quando o Papa Paulo VI reafirmou a proibição dos contraceptivos artificiais em sua Encíclica Humanae Vitae (1968) .

IHU On-Line - Quais são as principais dificuldades e os principais problemas que a Igreja Católica apresenta aos homossexuais católicos?

Jon Nilson
- Os problemas para os homossexuais se enquadram em duas importantes categorias: dificuldades de pensamento e dificuldades de sentimento. De acordo com os ensinamentos oficiais da Igreja, a dimensão de união e a dimensão de procriação da vida sexual humana não devem ser separadas. É evidente na lei natural que a atividade sexual é um desígnio de Deus para unir dois parceiros complementares, homem e mulher, mais profundamente no amor. Estes dois parceiros são unidos em uma aliança indissolúvel de matrimônio e prontos a assumir suas obrigações de paternidade e maternidade, se Deus quiser que eles se tornem pais. Conseqüentemente, toda atividade sexual fora do casamento é proibida, assim como atividades sexuais dentro do casamento em que se evita a concepção de uma criança. A Igreja também insiste que famílias fortes compostas por marido, mulher e criança(s) são as bases necessárias para uma sociedade saudável. Nessa perspectiva, dificilmente existe lugar para os homossexuais. Enquanto o Catecismo da Igreja Católica clama que todos reconheçam e aceitem suas identidades sexuais (§2333), também chama a tendência homossexual de “objetivamente desviada” (§2358). Também declara que “‘práticas homossexuais são um desvio intrínseco´, contrárias à lei natural, [restritas] ao dom da vida... não procedente de uma complementaridade afetiva e sexual.”. Portanto, “sob nenhuma circunstância pode ser aprovada” (§2357). Tais reivindicações sobre a homossexualidade carecem de suportes conclusivos dos dados da ciência social. Eles também não representam a experiência de muitos homossexuais, especialmente aqueles que se comprometeram em um relacionamento de uma vida inteira com um parceiro.

Muitos católicos gays sentem-se profundamente machucados pela linguagem que os ensinamentos oficiais da Igreja usam para descrevê-los. Eles amam a Igreja. Eles querem que sua Igreja os ame e aceite por inteiro como são. Em vez disso, eles sentem que a Igreja não tem um lugar para eles nem em sua mente, nem em seu coração. Muitos gays católicos sentem-se tão machucados a ponto de um grupo de padres, que servem na Arquidiocese de Chicago, escrever uma carta aberta aos bispos dos EUA há dois anos. Nesta carta, eles dizem que “No passado recente, alguns bispos, conferências de bispos e o Vaticano assumiram um tom de violência e abuso com relação a estes filhos e filhas [homossexuais] da Igreja que não podemos mais manter em silêncio. Algum outro grupo de pessoas do Corpo de Cristo foi tão insultado e violado por tal linguagem de meio espiritual?”.

IHU On-Line – O senhor acredita que o Papa Bento XVI pode agora compreender a homossexualidade de modo diferente da maneira como compreendia quando era o Cardeal Ratzinger, quando comandava  a Congregação para a Doutrina da Fé?

Jon Nilson -
Não sou bom em predizer o futuro. Por exemplo, eu estava absolutamente certo de que os cardeais escolheriam o Cardeal Walter Kasper para suceder João Paulo II, não Joseph Ratzinger. Então, leitores, aguardem! Quando o Catecismo da Igreja Católica foi revisado em 1997, o Cardeal Ratzinger explicou por que uma mudança foi feita nas afirmações a respeito da homossexualidade: “Uma objeção era de que fizemos as pessoas pensarem que a tendência homossexual era inata, que já estava presente no momento do nascimento ou da concepção da pessoa. Vários competentes especialistas disseram que isso não havia sido provado.”. Outros acharam que o texto original havia deixado a questão da origem da homossexualidade muito aberta. Ratzinger disse, então, que o Catecismo não poderia ter a resposta para a questão da origem da tendência homossexual. Joseph Ratzinger é um excelente teólogo. Mesmo agora que é o Papa Bento XVI, ele precisa estar ciente de que a resposta à questão da origem da tendência homossexual é de grande relevância para qualquer avaliação moral séria das práticas homossexuais. Se a ciência pode dar uma resposta decisiva a esta questão, julgamentos morais devem mudar de acordo com isso. Ainda, a Igreja Católica já se comprometeu com alguns julgamentos morais negativamente fortes sobre as práticas homossexuais. Se a origem da tendência homossexual pode ser determinada confiantemente, descobertas científicas deverão testar severamente a perspicácia teológica e capacidade de liderança mesmo de alguém tão talentoso quanto Bento XVI.

IHU On-Line - Quais são os principais fundamentos bíblicos e teológicos daqueles que não aceitam a homossexualidade? E daqueles que a aceitam?

Jon Nilson
- A Igreja faz uma distinção importante entre condição homossexual e prática homossexual. A Igreja não prega que ser gay ou lésbica é pecaminoso, embora seja, de acordo com o Catecismo, “objetivamente desviante”. Práticas homossexuais, no entanto, são sempre erradas. O Catecismo fornece um sumário útil de razões para estes preceitos: “Baseando-se na Sagrada Escritura, que apresenta as práticas homossexuais como práticas de depravação grave, a tradição sempre declarou que ´práticas homossexuais são intrinsecamente desviantes´. Elas são contrárias às leis naturais. Fecham o ato sexual ao dom da vida. Não provêm de uma complementaridade afetiva e sexual genuína. Assim, sob nenhuma circunstância devem ser aprovadas.” (§2357). Entre os que questionam a posição da Igreja, alguns sustentam que o entendimento dos autores bíblicos sobre as práticas sexuais não são os mesmos entendimentos nossos dessas práticas hoje. Como resultado, o ensinamento tradicional sobre este ponto deve ser reconsiderado. Outros argumentam que a ligação entre as dimensões de união e de procriação, as quais a Igreja considera essenciais nas práticas sexuais humanas, são freqüentemente quebradas pela própria “natureza”; por que não poderiam ser “quebradas” por seres humanos por boas razões? Outros ainda sustentam que as vidas amorosas de muitos homossexuais faz a noção das “práticas homossexuais intrinsecamente desviantes” ser extremamente duvidosa.

IHU On-Line - Existe uma contradição entre os ensinamentos morais oficiais da Igreja e as vidas dos católicos hoje? Quais são as conseqüências desta desconexão? No futuro, que caminhos deverão ser seguidos?

Jon Nilson
- Vários católicos sentem-se bastante confortáveis com os ensinamentos morais da Igreja. Sua fidelidade a estes ensinamentos enriquece suas vidas. Muitos católicos, entretanto, sentem que a Igreja tem pouca sabedoria e credibilidade quando se trata do entendimento e da vivência dos desafios e dons da sexualidade humana. Algumas evidências disso são discutidas a seguir: a raiva e a tristeza sentidas por vários homossexuais católicos pela retórica e pelo raciocínio nos documentos oficiais da Igreja, a carta aberta dos padres de Chicago aos bispos dos EUA e ao Vaticano. A visão da Igreja e sua linguagem sobre a homossexualidade também causaram profunda dor aos pais de gays e lésbicas católicos. Como, eles se perguntam, pode minha Igreja dizer coisas tão dolorosas sobre meu filho? Eu sei que minha filha, meu filho tentou muito ser um fiel, honesto, amoroso, e confiável católico – e aí a Igreja chama sua condição de “objetivamente desviante” e humilha a relação leal e amorosa que ela/ela construiu com seu parceiro do mesmo sexo? Por quê? Não é de se estranhar que a “contradição” freqüentemente leve à raiva e alienação da Igreja. Em muitos casos, no entanto, isso produz uma resolução firme de permanecer na Igreja e mudar sua (da Igreja) perspectiva e atitude oficiais.

IHU On-Line - Em que deve consistir a teologia da diversidade sexual?

Jon Nilson
- Ainda não é possível predizer o conteúdo da teologia da diversidade sexual. Tal teologia deve ser o resultado de duas grandes mudanças no modo de operar da Igreja com relação aos assuntos sexuais. Primeiro, de acordo com a afirmação do Concílio Vaticano II de que “O Pontífice Romano e os bispos lutam conscienciosamente e por meios apropriados inquirir corretamente sobre ... a revelação e expressar-se adequadamente sobre seu conteúdo.” (Constituição Dogmática da Igreja, Lumen Gentium, no. 25), aqueles confiantes nos ensinamentos oficiais de autoridade na Igreja devem educar-se nas pesquisas das ciências sociais que iluminam os mistérios e costumes da sexualidade humana. Muito freqüentemente, os documentos oficiais da Igreja presumiam uma especialidade que não aparecia em sua argumentação ou conclusões. A melhor reflexão moral tradicional da Igreja sempre fez uma síntese entre a fé e a razão para produzir sabedoria. Segundo, aqueles confiantes nos ensinamentos oficiais da autoridade na Igreja devem prestar atenção/ouvir gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros católicos. Este ouvir não expressa apenas o respeito essencial devido a eles, mas deverá produzir as novas perspectivas e visões necessárias para que a Igreja se torne, outra vez, fonte de luz e força para todo o seu povo. 


 

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