Edição 405 | 22 Outubro 2012

O ingresso da economia brasileira no patamar monopolista

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Thamiris Magalhães e Patricia Fachin

É preciso mais intervenção estatal, redistribuição de renda para valer e taxação do lucro dos ricos. Além disso, faz-se necessária uma atuação vigorosa frente às grandes empresas que, na verdade, comandam a economia. E invenção de mais duas ou três Petrobras, explica Francisco de Oliveira

“Em geral, diria que um projeto de esquerda deveria se caracterizar por duas coisas: uma forte intervenção estatal: é preciso construir empresas do tamanho, do tipo e da força da Petrobras, que já é hoje a quarta ou quinta empresa petrolífera mundial. E aliar isso com um programa forte de redistribuição de renda. Tipo Bolsa Família não dá. Isso é falso desenvolvimento. Está mais para caridade do que para programa econômico”, esclarece enfaticamente Francisco de Oliveira, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Segundo o sociólogo, deve-se alinhar uma forte intervenção do Estado com a criação de novas grandes empresas brasileiras internas, e uma forte redistribuição de renda. “Tem que taxar os lucros dos mais ricos. Deve-se distribuir essa riqueza com muito mais vigor e decisão”, pontua.

Francisco de Oliveira formou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e recebeu o prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas, em 2004. Professor aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP, ele é autor de diversas obras, entre as quais Hegemonia às avessas (Boitempo, 2010). Este ano, sua obra A economia brasileira: crítica à razão dualista completa 40 anos.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Qual o principal objetivo de sua obra A economia brasileira: crítica à razão dualista? Podemos dizer que o senhor busca fundar ou refundar uma leitura marxista da história do Brasil moderno? Por quê?

Francisco de Oliveira –
Sim. Na tradição dos clássicos brasileiros, apenas Caio Prado  enveredou por uma teorização de fundo marxista. Então, pensei que seria interessante continuar a tradição, inaugurada por Prado, mas, sobretudo, devo dizer que esse livro deve muito ao ambiente intelectual do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Cebrap  dos anos 1970. Sem isso, a obra não teria sido feita, porque era um ambiente intelectual muito instigante; eu tinha interlocutores da qualidade de Fernando Henrique Cardoso , entre outros. Era um ambiente muito estimulante e eu me senti estimulado a fazer uma tentativa de interpretação.
Pretendi, com A economia brasileira: crítica à razão dualista, refutar a teoria da dualização da economia brasileira e da economia latino-americana, que tinha muito prestígio porque era respaldada pelas obras da Cepal  e de Celso Furtado  e que, a meu ver, estava equivocada. Esse foi o principal objetivo teórico.


IHU On-Line – Como vê a economia hoje, 40 anos após ter escrito o livro? O que mudou? Quais as diferenças e semelhanças daquela economia para a de hoje?

Francisco de Oliveira –
O Brasil deixou de ser subdesenvolvido. A economia brasileira ingressa, então, em um patamar que a teoria marxista chama de monopolista. As grandes empresas dominam a economia, o mercado. O Brasil já é jogador de tipo internacional e o nome “subdesenvolvido” não se aplica mais ao nosso país. Isso não quer dizer que a extrema miséria brasileira tenha sido liquidada e que a desigualdade tenha sido atenuada, apesar dos esforços dos programas que têm sido feitos para tanto.


IHU On-Line – Há alguma originalidade nacional na expansão do capitalismo brasileiro hoje?

Francisco de Oliveira –
Não há. O capitalismo monopolista de Estado, do ponto de vista da etapa do capitalismo, torna tudo mais ou menos igual. O que persiste, e as classes dominantes não quiseram liquidar, é a obscena desigualdade brasileira. Essa desigualdade também existe na Índia, por exemplo, que é um grande país. Também existe na China, na África do Sul, de modo que o Brasil está num conjunto de países de capitalismo muito dinâmico, mas que não liquidaram a desigualdade.


IHU On-Line – Como o senhor vê as tentativas de o governo flexibilizar as leis trabalhistas no Brasil?

Francisco de Oliveira –
Não gosto do que vejo. As leis trabalhistas no Brasil, apesar de existirem, desde o esforço feito com a Consolidação das Leis do Trabalho são burladas diariamente. Atendem a uma faixa muito pequena da força de trabalho organizada, aquela que consegue se sindicalizar e consegue fazer respeitar, no mínimo, as disposições das leis trabalhistas. Mas o grande mercado de trabalho brasileiro se chama informal, sem regulação, as empresas fazem o que querem e não há esforço governamental sério, no sentido de remediar essa situação.


IHU On-Line – De que maneira o senhor enxerga a condução da economia pelo atual governo?

Francisco de Oliveira
– Medíocre. Continua sendo neoliberal, apesar de que todo mundo pensa que o período neoliberal foi de FHC, mas isso não é verdade. A gestão de Luiz Inácio Lula da Silva foi tão neoliberal quanto à de FHC. A de Dilma Rousseff não se diferencia em quase nada das gestões anteriores. É uma condução medíocre. Está se celebrando que o Brasil cresce a 3,5, 4,5%. A China cresce a 8%! E a taxa histórica brasileira de Manuel Deodoro da Fonseca  a Lula foi de 4,5%, de modo que não sei exatamente o que estamos celebrando.


IHU On-Line – O que falta, então, para que esta situação seja modificada?

Francisco de Oliveira –
Intervenção estatal para conduzir, porque, na história econômica brasileira, todo o período que vai do Império até a chamada República Velha é de liberalismo econômico. O Estado brasileiro não tinha capacidade para intervir na economia. A partir de 1930, houve uma mudança essencial e isso coincide exatamente com as maiores taxas de crescimento da economia brasileira. Portanto, falta intervenção estatal.


IHU On-Line – Por que a esquerda não conseguiu romper com o modelo político econômico neoliberal? O que falta para ela? Qual seria a nova proposta para um partido de esquerda se manter?

Francisco de Oliveira –
Falta força política. O povo não vota na esquerda. Falta intervenção estatal, empresas do porte da Petrobras, que dirige a economia, porque já está visto que o liberalismo é incapaz de atenuar, pelo menos, as enormes desigualdades sociais brasileiras.


IHU On-Line – O Brasil, sendo um país emergente, tem possibilidade de crescer e se desenvolver com a crise econômica internacional?

Francisco de Oliveira –
Tem. Mas não gosto da expressão emergente. Emergente é quem está se afogando no mar e consegue sobreviver. O Brasil não é um país emergente. Ele tem hoje um capitalismo dinâmico; é a sexta economia capitalista mundial, embora com grande diferença em relação aos EUA e a Europa, de modo que deixamos de ser o pobrezinho do sistema. O que as classes dominantes brasileiras não têm é caráter e força econômica capaz de superar esse estado de coisas. O Brasil está na onda do capitalismo monopolista de Estado. É um jogador internacional, hoje, em certas áreas, ombreando-se com outros países e não devemos esquecer que ele é a sexta economia capitalista mundial, de modo que a sexta economia capitalista mundial não pode ser chamada de emergente.


IHU On-Line – Como economicamente um país com nova proposta pode se manter em nível internacional?

Francisco de Oliveira –
Nós temos um dinamismo relativamente novo. Faz pelo menos 20 anos que a economia brasileira retomou ritmos de crescimento razoáveis, mas abaixo da própria média histórica brasileira, de modo que esta média mostra que nós fomos capazes, em períodos anteriores, como os de Juscelino Kubitscheck  e Vargas , de manter taxas de crescimento bastante altas. O que nunca houve foi redistribuição da renda, por isso o Brasil apresenta um forte dinamismo econômico, mantendo as enormes desigualdades sociais.


Panorama da economia brasileira

O Brasil está se mantendo em nível internacional, uma vez que não se é a sexta economia capitalista mundial à toa. Já ultrapassamos a Itália, neste sentido, que é um país que tinha um desenvolvimento capitalista mais antigo do que o nosso; já estamos ultrapassando a Inglaterra, que foi a matriz do desenvolvimento capitalista desde o século XVIII. Então, estamos em um plano internacional muito bem. O que não estamos muito bem é no plano interno.


Desenvolvimento concentrador de renda

O desenvolvimento que tem havido é um desenvolvimento concentrador de renda. A redistribuição de renda no Brasil é péssima. Estamos mostrando ao mundo grandes riquezas de indivíduos como Eike Batista  e outros, que já se alinham entre os mais ricos do mundo, e isso só ocorre quando há muita miséria. O país onde se encontra o sujeito mais rico do mundo, senhor Carlos Slim , é o México. E o México é tão miserável quanto o Brasil. Ou seja, esse tipo de coisa só ocorre em países de muita miséria. Não ocorre em países como a Europa, de desenvolvimento mais equilibrado, de uma redistribuição mais incisiva. Nem nos Estados Unidos da América. Este tem um pico reticente de crescimento de riqueza individual devido ao sucesso da Microsoft que tornou Bill Gates um dos homens mais ricos do mundo. Mas isso é exceção.


IHU On-Line – Em que consistiria hoje um projeto econômico eficaz de esquerda?

Francisco de Oliveira –
É difícil dizer visto que a esquerda não tem força política para imprimir esse programa. Em geral, eu diria que um projeto de esquerda deveria se caracterizar por duas coisas: uma forte intervenção estatal – é preciso construir empresas do tamanho, do tipo e da força da Petrobras, que já é hoje a quarta ou quinta empresa petrolífera mundial. E aliar isso com um programa forte de redistribuição de renda. Tipo Bolsa Família não dá. Isso é falso desenvolvimento. Está mais para caridade do que para programa econômico. Deve-se alinhar uma forte intervenção do Estado com a criação de novas grandes empresas brasileiras internas, e uma forte redistribuição de renda. Tem que taxar os lucros dos mais ricos. Deve-se distribuir essa riqueza com muito mais vigor e decisão.


Programas

O Brasil é ótimo para inventar slogans: “Minha Casa, Minha Vida”, “Bolsa Família”, como se tudo isso fosse uma maravilha. Isso não é nada. Os estudos do próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, que é um organismo governamental, mas que manteve sua seriedade intelectual ao longo do tempo, mostram que os programas redistributivos, tais como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, não atingem nem 1% do PIB.


IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Francisco de Oliveira –
É preciso mais intervenção estatal, redistribuição de renda para valer e taxação do lucro dos ricos. Além disso, faz-se necessária uma atuação vigorosa frente às grandes empresas que, na verdade, comandam a economia. E invenção de mais duas ou três Petrobras.

Leia Mais...

Francisco de Oliveira já contribuiu com a IHU On-Line com várias entrevistas. Confira:

• A esquerda sempre foi desenvolvimentista. Entrevista publicada na Revista IHU On-Line, edição 393, de 21-05-2012, disponível em http://migre.me/aWMaj;

• “18 de brumário” de Luis Inácio Lula da Silva. Entrevista publicada na Revista IHU On-Line, edição 386, de 19-03-2012, disponível em http://migre.me/aWLTO;

• China e Índia: estrelas ascendentes do capitalismo mundial. Entrevista publicada na revista IHU On-Line número 385, de 19-12-2011, disponível em http://bit.ly/vhbWIi;

• Capitalismo monopolista. Uma política econômica arriscada e perigosa. Entrevista publicada na revista IHU On-Line número 356, de 04-04-2011, disponível em http://bit.ly/fsWy2y;

• O lulismo como uma regressão. Entrevista publicada na IHU On-Line número 352, de 29-11-2010, disponível em http://migre.me/47E4f;

• Classe trabalhadora perde força com a centralização de capitais. Publicada na IHU On-Line número 322, de 22-03-2010, disponível em http://migre.me/49FEi.

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