Edição 405 | 22 Outubro 2012

A energia escura e o Bóson de Higgs: um problema ainda sem solução

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Por Márcia Junges

É necessário que haja mais dados experimentais para comprovar se a partícula descoberta é mesmo o Bóson do Modelo Padrão, observa Rogério Rosenfeld. Proposto em 1964, o Modelo de Higgs resolveu o problema da “quebra espontânea de simetria”

De acordo com o físico Rogério Rosenfeld, conhecemos apenas 5% do material que compõe o Universo. “Dos 95% desconhecidos, 25% estão na forma de matéria escura, que acreditamos ser formada de uma nova partícula elementar, e 70% está na forma de algo que não temos a mínima ideia, chamada energia escura, da qual conhecemos apenas algumas propriedades. O Dark Energy Survey – DES medirá essas propriedades com maior precisão do que já foi feito até o momento. A energia escura poderia ser uma manifestação do campo do Higgs, mas as observações astronômicas indicam que esse não é o caso. Pelo contrário, a existência do campo do Higgs é um enorme problema para explicar essas observações – problema até o momento sem solução”. As declarações foram dadas à IHU On-Line em entrevista por e-mail. Rosenfeld explica que diversos modelos foram deixados de lado após a descoberta dessa partícula, mesmo que não haja certeza de que ela seja o Bóson de Higgs do Modelo Padrão. “Vários outros modelos preveem partículas parecidas, mas com propriedades levemente diferentes. Mais dados experimentais serão necessários para comprovar que de fato a partícula descoberta é o Bóson de Higgs do Modelo Padrão”. Mesmo assim, houve júbilo no meio científico. “Mas os físicos teóricos, após a comemoração inicial, ficaram deprimidos pelo fato de que não há nada de novo além do que o previsto desde os anos 1970. É o que eu chamo de pHd, sigla para ‘post-Higgs depression’”, gracejou.

Graduado e mestre em Física pela Universidade de São Paulo – USP, Rogério Rosenfeld é doutor em Física pela Universidade de Chicago, Estados Unidos, com a tese Resonances in the Higgs Sector for Large, Finite Higgs Boson Mass. É livre docente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, onde é professor e diretor do Instituto de Física Teórica. Tem pós-doutorados pela USP, Norteastern University e pela Unviersidade da Califórnia, Estados Unidos. É autor de Feynman & Gell-Mann: Luz, Quarks, Ação (São Paulo: Odysseus, 2003). É um os cientistas envolvidos no trabalho do Dark Energy Survey – DES.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – O objeto de pesquisa de sua tese de doutorado foi a massa do Bóson de Higgs. Quais foram suas conclusões às quais chegou naquela época?

Rogério Rosenfeld –
Minha tese explorava a possibilidade do Bóson de Higgs ser muito pesado, mais pesado do que 800 prótons. A unidade de massa que os físicos de partículas usam é o Giga-eletron-Volt, com a sigla GeV. 1 GeV corresponde aproximadamente à massa de 1 próton. A massa do Bóson de Higgs não pode ser calculada dentro do chamado Modelo Padrão das Interações Fundamentais, desenvolvido a partir do final da década de 1960 e incorporando o famoso mecanismo de Higgs. Portanto, a massa é um parâmetro livre. Fixada a massa, todas as propriedades do Bóson de Higgs ficam determinadas. Em particular, dois Bósons de Higgs podem interagir e a intensidade dessa interação é fixada pela massa. Para massas muito grandes, essa interação pode ser tão forte que novos estados formados por Bósons de Higgs poderiam ser formados. Minha tese baseava-se nessa ideia e procurava por esses estados, que poderiam ter uma massa menor. Porém, com a descoberta de uma partícula com propriedades muito parecidas com as de um Bóson de Higgs e com massa de “apenas” 125 GeV, a hipótese da minha tese está descartada.


IHU On-Line – O que mudou e o que permanece o mesmo desde sua pesquisa em face à comprovação da existência do Bóson pelo CERN?

Rogério Rosenfeld –
Muitos modelos foram descartados com a descoberta do Bóson de Higgs. Aqui gostaria de fazer uma observação: ainda não há uma certeza de que a partícula descoberta é o Bóson de Higgs do Modelo Padrão. Vários outros modelos preveem partículas parecidas, mas com propriedades levemente diferentes. Mais dados experimentais serão necessários para comprovar que de fato a partícula descoberta é o Bóson de Higgs do Modelo Padrão.

Apesar de seu grande sucesso experimental, ainda existem vários aspectos insatisfatórios do Modelo Padrão. A grande maioria dos físicos acredita que ele é incompleto. A busca pelos fenômenos que não podem ser explicados pelo Modelo Padrão, como a existência de dimensões espaciais extras muito pequenas, ou de novas simetrias da Natureza, continua a todo o vapor no LHC. O que mudou na minha pesquisa é que acredito que qualquer extensão do Modelo Padrão deve conter ao menos 1 Bóson de Higgs com massa de 125 GeV.


IHU On-Line – Em que medida essa descoberta pode ser considerada um “novo capítulo” da Física?

Rogério Rosenfeld –
Não, por enquanto é o fim de um capítulo e infelizmente ainda não sabemos como a história continuará. Existe até uma possibilidade, que eu espero que não se realize, de que seja o fim do livro. De fato não pode ser, pois sabemos que existe um tipo de matéria denominada de matéria escura que, apesar de ser cinco vezes mais abundante do que a matéria normal, não é prevista pelo Modelo Padrão.


IHU On-Line – Como o meio acadêmico e a comunidade científica em geral reagiram à confirmação do Bóson de Higgs?

Rogério Rosenfeld –
Houve uma sensação de júbilo, de um grande feito experimental. E de fato o foi. Mas os físicos teóricos, após a comemoração inicial, ficaram deprimidos pelo fato de que não há nada de novo além do que o previsto desde os anos 1970. É o que eu chamo de pHd, sigla para “post-Higgs depression”.


IHU On-Line – Em quais aspectos o Bóson de Higgs completa um capítulo fundamental nos nossos esforços para compreender os elementos básicos que compõem o Universo?

Rogério Rosenfeld –
O Bóson de Higgs era a última partícula do Modelo Padrão que faltava para completar o quadro. E era uma das mais importantes, relacionada diretamente ao mecanismo que gera massa para as partículas elementares, o mecanismo de Higgs.


IHU On-Line – Poderia recuperar como surgiu a hipótese de Peter Higgs  e em quais aspectos suas ideias foram comprovadas com a descoberta do CERN?

Rogério Rosenfeld –
O modelo de Higgs foi proposto em 1964. De fato dois outros trabalhos do mesmo ano propuseram modelos semelhantes, mas o nome de Higgs “pegou”, até um pouco injustamente. Suas ideias foram baseadas em fenômenos que ocorrem em uma outra área da Física, a que estuda materiais como os chamados supercondutores. Higgs basicamente adaptou algumas dessas ideias para o contexto de física de partículas, e conseguiu resolver um problema relacionado ao que se chama “quebra espontânea de simetria”.


IHU On-Line – Como essa hipótese foi recebida no meio científico nos anos 1960?

Rogério Rosenfeld –
O grande uso do modelo Higgs foi feito no final da década de 1960, quando ele foi incorporado ao Modelo Padrão para explicar porque o fóton, a partícula da qual a luz é composta, e seus parentes chamados W e Z são relacionados. No entanto, a busca séria pelo Bóson de Higgs teve início apenas no final da década de 1970.


IHU On-Line – O que é o projeto Dark Energy Survey – DES? Ele pode ser relacionado, de alguma forma, à partícula de Higgs? Por quê?

Rogério Rosenfeld –
Conhecemos apenas 5% do material que forma o Universo. Dos 95% desconhecidos, 25% estão na forma de matéria escura, que acreditamos ser formada de uma nova partícula elementar, e 70% está na forma de algo que não temos a mínima ideia, chamada energia escura, da qual conhecemos apenas algumas propriedades. O Dark Energy Survey – DES medirá essas propriedades com maior precisão do que já foi feito até o momento. A energia escura poderia ser uma manifestação do campo do Higgs, mas as observações astronômicas indicam que esse não é o caso. Pelo contrário, a existência do campo do Higgs é um enorme problema para explicar essas observações – problema até o momento sem solução.

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