Edição 405 | 22 Outubro 2012

“É difícil engolir o quão estranho é o Universo”

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Márcia Junges

Projeto Dark Energy Survey – DES - procura mapear o céu e compreender um pouco mais sobre a expansão do Universo e sua formação, assinala Basílio Santiago. Estudar as estrelas não é algo desvinculado da Cosmologia, garante

Aprender mais sobre o motivo pelo qual o Universo não cessa de se expandir. Esse é um dos objetivos do Dark Energy Survey – DES, projeto do qual o físico brasileiro Basílio Santiago participa. A aceleração da expansão do Universo é maior agora do que no passado, e a compreensão sobre a matéria e a energia escura é fundamental para que os cientistas decifrem algumas pistas no intrincado quebra-cabeças da origem do Cosmos. “Energia escura é o termo que se dá à interação de manifestação repulsiva, contrária ao efeito atrativo da gravidade, que está gerando a aceleração cósmica. O termo é vago, do tamanho de nossa ignorância atual sobre que mecanismo é este que gera a aceleração observada”, disse Santiago na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. De acordo com o pesquisador, desconhecemos cerca de 95% daquilo que constitui o Universo. “Você sabia que o Universo deve ter sofrido uma expansão exponencial logo no início de sua evolução? Que esta expansão, chamada de inflação, nos leva a concluir que toda nossa galáxia era apenas uma microscópica perturbação quântica do fluido cósmico previamente à inflação? Não acha estranho?”

Basílio Santiago é físico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre e doutor em Astronomia pelo Observatório Nacional, no Brasil, com a tese O campo de densidade e níveis de segregação de galáxias. É pós-doutor pela Universidade de Cambridge, leciona e é diretor do Observatório Astronômico, que pertence ao Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Quais são os principais motivos que fazem com que o Universo se expanda com velocidade crescente?

Basílio Santiago –
Realmente não sabemos. Ou seja, temos resultados de observações astronômicas que indicam que a taxa de expansão do Universo, hoje, é maior do que no passado. Ou seja, a expansão do Universo está se acelerando. Isso vai no sentido contrário do que esperávamos para um Universo dominado pela matéria, pois matéria exerce gravidade sobre matéria, e a gravidade é uma força atrativa. Então a expansão do Universo, que é conhecida desde a década de 1920, deveria estar sendo desacelerada (pela gravidade) e não acelerada.


IHU On-Line – Nesse sentido, o que é a energia escura e qual é sua relação com essa expansão?

Basílio Santiago –
Energia escura é o termo que se dá à interação de manifestação repulsiva, contrária ao efeito atrativo da gravidade, que está gerando a aceleração cósmica. O termo é vago, do tamanho de nossa ignorância atual sobre que mecanismo é este que gera a aceleração observada.


IHU On-Line – Qual é a expectativa de descobertas com o trabalho do Dark Energy Survey- DES ?

Basílio Santiago –
O propósito fundamental é justamente o de aprender mais sobre a aceleração na expansão. Para isso serão feitas as medidas mais precisas até hoje dos parâmetros cosmológicos, que governam a dinâmica do Universo. Mas aqui é importante dizer que o DES vai gerar uma quantidade gigantesca de dados, da ordem de uns 10 petabytes ao todo. Esses dados serão o resultado do “imageamento” profundo de 1/8 de todo o céu. Serão da ordem de 300 milhões de galáxias, 100 milhões de estrelas, alguns milhões de objetos quasiestelares, dezenas de milhares de aglomerados de galáxias, milhares de arcos gravitacionais, e por aí vai. E esses dados não são úteis apenas para entender a energia escura, ainda que este seja o foco principal do projeto (daí seu nome). Há muitos outros projetos científicos, sobre a estrutura de nossa galáxia, sobre a formação e evolução de galáxias em geral, sobre estrelas raras e os processos físicos que ocorrem nelas, detecção de objetos do sistema solar, entre outras coisas, que virão desses dados.


IHU On-Line – Em que consistirão os trabalhos desse grupo de cientistas que irá atuar no Chile?

Basílio Santiago –
Os cientistas estão distribuídos por vários países, sendo que apenas uma minoria reside no Chile. A maioria está nos EUA e na Europa Ocidental. No Brasil somos 10 pesquisadores. O instrumento que coletará os dados está no Chile, mas a redução e análise será feita nas instituições onde estão os pesquisadores, incluindo a UFRGS, em Porto Alegre.
O trabalho é complexo e depende do tópico de pesquisa almejado. Para ficar apenas na busca pelos parâmetros cosmológicos com o objetivo de melhor compreender a energia escura, são quatro ferramentas básicas (ou tipos de observação, se preferirem): observações de supernovas, contagem de aglomerados de galáxias em função da distância, medidas de aglomeração de galáxias em grande escala e medidas do efeito de lentes gravitacionais. A composição dos resultados desses quatro tipos de observação vai nos ajudar a quantificar melhor o cabo de guerra entre a gravidade e a expansão e entender como esse cabo de guerra evoluiu ao longo do tempo.


IHU On-Line – Entender melhor a formação da Via Láctea, o nascimento e evolução das demais galáxias são alguns dos objetivos desse projeto. Qual é a importância dessas descobertas para a nossa compreensão sobre o Universo?

Basílio Santiago –
Pois como eu disse, serão “imageadas” aproximadamente 100 milhões de estrelas com o DES. As fontes mais fracas a ser detectadas são também 100 milhões de vezes mais tênues do que o limite da observação a olho nu. Essas estrelas pertencem à nossa Galáxia, a Via-Láctea, e ao seu sistema de satélites, ou galáxias vizinhas à nossa. A distribuição dessas estrelas nos permitirá modelar melhor a estrutura de nossa Galáxia. Além disso, poderemos ter um censo melhor de quantas estrelas de bem baixa massa existem, sem falar no censo das anãs marrons, que são objetos de massa intermediária entre estrelas e planetas. Esperamos da ordem de umas 30 mil anãs marrons no DES, mas o número exato vai ser um parâmetro importante, com implicações sobre as teorias de formação de estrelas.
E engana-se quem acha que o estudo das estrelas é totalmente desvinculado da Cosmologia. Não é assim. Os modelos de formação de estrutura dependem dos componentes que formam essas estruturas. Sabemos que apenas uma pequena fração da matéria do Universo está na forma dos átomos que constituem a tabela periódica, a chamada matéria bariônica. Coisa de 1/6 do total. O restante da matéria é alguma partícula ainda desconhecida, para a qual, dada nossa ignorância, damos o nome de matéria escura. Então, além da energia escura o Universo, pasmem, é constituído de matéria escura, que representa um outro enigma cosmológico. Os modelos de formação de uma galáxia grande como a nossa, e que contêm tanto a matéria como a energia escura, preveem que essa galáxia se forme pela fusão de fragmentos menores, de massa subgaláctica, consistente com as pequenas galáxias-satélite da Via-Láctea. Só que os números não batem. De acordo com os modelos, deveria haver muito mais satélites à nossa volta do que descobrimos até hoje. Então temos três opções: i) a maioria dos satélites foi destruída, contribuindo com as estrelas que hoje habitam o disco e o bojo da Via-Láctea; ii) o Universo não é formado pelos componentes que cremos serem os dominantes (matéria escura + energia escura); iii) os satélites ainda estão lá nos confins da galáxia, esperando um levantamento como o DES para serem descobertos. Isso aí é o que chamamos de Cosmologia de Campo Próximo. Ou seja, usar nossos vizinhos para aprender mais sobre toda a cidade.


IHU On-Line – Será necessário rever teorias como a da relatividade de Einstein a partir das possíveis descobertas oriundas desse trabalho?

Basílio Santiago –
Impossível prever. Na verdade, até agora aconteceu o inverso: a descoberta da aceleração cósmica ressuscitou a constante cosmológica (é um dos parâmetros cosmológicos a serem mais bem determinados, cf. resposta ao item 3), que havia sido eliminada das equações da relatividade geral porque originalmente o Einstein a havia introduzido para fazer o Universo ficar estático. Isso se mostrou desnecessário quando foi descoberta a expansão nos anos 1920. Agora a mesma constante volta, mas com a função de acelerar o cosmos, e não apenas de mantê-lo estático.


IHU On-Line – Em que medida a descoberta do Bóson de Higgs acrescenta pistas na compreensão da origem do Universo?

Basílio Santiago –
O Bóson de Higgs é uma partícula fundamental cuja existência foi proposta para resolver certos problemas com o modelo padrão da matéria e as interações previstas neste modelo. Não é muito minha praia, mas sei que sua detecção é necessária para validar este mesmo padrão, pelo qual a matéria conhecida é formada, em seu nível mais fundamental, por quarks e léptons. A massa do Bóson de Higgs permite amarrar a massa das demais partículas que habitam os núcleos atômicos. Então, a detecção dessa partícula e a determinação de sua massa podem provar ou “desprovar” o modelo padrão. Qual a ligação com a origem do Cosmos? É que para detectar essa partícula nos hoje devemos recriar condições parecidas com a do Universo primordial, claro que com uma quantidade ínfima de matéria. E isso é feito nos grandes aceleradores de partículas, como o LHC.


IHU On-Line – Que novos desafios surgem para a Física após a descoberta dessa partícula?

Basílio Santiago –
Creio que a descoberta da partícula em si não traz desafios. A sua não descoberta traria mais, pois poderia exigir uma revisão no modelo padrão da matéria. Como não sou físico de partículas e de campos, prefiro não me alongar muito aqui.


IHU On-Line – Quais são as grandes questões em aberto na Física?

Basílio Santiago –
Novamente, não creio que eu possa responder a essa pergunta sozinho. A Física é algo muito amplo. Vamos nos ater ao objeto principal do DES, que é a compreensão do Universo, de sua dinâmica e de seu futuro. Isso exige que conheçamos bem seus componentes e como eles interagem. Ora, 70% da energia do Universo está na forma de um componente desconhecido, que lhe imprime uma expansão acelerada, ou seja, 70% é essa misteriosa energia escura. Os 30% restantes da energia estão concentrados em partículas materiais, de acordo com a famosa equação da equivalência entre massa e energia, E=mc2. Mas apenas coisa de 1/6 dessa matéria é aquela que conhecemos bem, que compõe as coisas à nossa volta. Resumindo, então desconhecemos 95% do que constitui o Universo!


IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Basílio Santiago –
Que é difícil engolir o quão estranho é o Universo. Você sabia que o Universo deve ter sofrido uma expansão exponencial logo no início de sua evolução? Que esta expansão, chamada de inflação, nos leva a concluir que toda nossa Galáxia era apenas uma microscópica perturbação quântica do fluido cósmico previamente à inflação? Não acha estranho? O que dizer da necessidade de descrever nosso Universo com a Relatividade Geral, em que os eventos ocupam um espaço em quatro dimensões, o qual nunca podemos visualizar (pois somos seres tridimensionais afinal!) e que pode ser curvo nas três dimensões que conhecemos em nossa vida cotidiana? Claramente fomos levados a estas concepções pela busca metodológica do conhecimento via Ciência. O Universo, portanto, não parece ser muito adaptado aos nossos limitados sentidos.

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