Edição 404 | 05 Outubro 2012

A contribuição de Valério Cruz Brittos às pesquisas sobre o meio rádio

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Luiz Artur Ferraretto

Embora possam ser identificados indícios anteriores de uma aproximação dos estudos a respeito do rádio com a base teórica oferecida pela economia política da informação, da comunicação e da cultura, o artigo O rádio brasileiro na fase da multiplicidade da oferta (2002) pode ser considerado o marco inicial deste processo de reflexão no país por proporcionar o aporte e o incentivo necessários a toda uma nova geração de pesquisadores. Publicado na edição da revista Verso e Reverso, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, alusiva aos 80 anos do rádio brasileiro, o texto de Valério Cruz Brittos aproxima do meio uma formulação inicialmente desenvolvida para a televisão ante o impacto representado pelo surgimento da cabodifusão (BRITTOS, 1999). Trata-se da teorização a respeito da vigência de uma fase da multiplicidade da oferta.

 

De certo, como registra Doris Haussen (jul.-dez. 2011, p. 110), autoras como Maria Elvira Bonavita Federico (1982) e Gisela Swetlana Ortriwano (1985) já transitavam um pouco por este campo, mas é o artigo de Brittos que vai posicionar o meio no contexto deste novo momento da comunicação e, mais importante ainda, abordar a complexidade da radiodifusão sonora pelo viés crítico da economia política. Como já referido, a ideia de que tal fase constitui-se em realidade vigente em todo o setor de comunicação dá bem a dimensão do dilema das emissoras de rádio neste ainda início de século 21.

Como afirmei em obra em conjunto com o professor da UERJ Marcelo Kiscchinhevsky, cada conteúdo concorre com todos os outros, independentemente de ter finalidade massiva – a irradiação de uma emissora comercial nos mais diversos suportes (ondas médias e curtas, frequência modulada, via internet ou em um canal de áudio na TV paga) – ou não – uma web radio hipersegmentada ou um programa em podcasting. 

Portanto, tem total aplicabilidade a proposição de Brittos para a compreensão do rádio na contemporaneidade, cabendo, a partir de seus escritos (2002), lembrar que (a) verifica-se uma passagem de uma lógica de oferta a uma lógica de demanda, presente, por exemplo, na disponibilização, via internet, de arquivos com gravações de material já transmitido ou na constante participação do ouvinte pelo telefone (por voz, ao vivo ou gravada, ou por mensagem escrita), correio eletrônico, redes sociais, bate-papos etc.; (b) ocorrem manifestações de transição do modelo de comunicação ponto-massa, usado por todas as estações de rádio que transmitem em ondas hertzianas, para o ponto-ponto, próprio dos conteúdos disponibilizados no sistema de podcasting a comprovar uma latente flexibilização, por este viés, na forma do consumo de conteúdos sonoros; (c) multiplicam-se ações empresariais no sentido de disponibilizar o conteúdo radiofônico nos mais diversos suportes tecnológicos (computadores, notebooks, palm tops, tocadores de MP3, celulares...); e (d) identifica-se também, a exemplo do verificado com a TV, uma sinergia do rádio com outros meios dentro de um mesmo grupo empresarial.

Nesse sentido, o conceito vai ao encontro do que se propõe como uma periodização, a partir da economia política, para a história do rádio no Brasil. É a constatação da vigência da multiplicidade da oferta no campo comunicacional que permite a reflexão a respeito da convergência como parâmetro da atividade empresarial na atualidade dentro da indústria de radiodifusão sonora no país. Usando como eixo as estratégias de exploração capitalista do rádio, como demonstrado em trabalho anterior (cf. FERRARETTO, maio-ago. 2012), identificam-se quatro períodos: (a) o de implantação, que corresponde à instalação das estações pioneiras, organizadas sob a forma de entidades associativas e sem buscar o lucro; (b) o de difusão, no qual o consumo dá-se sem uma preocupação em relação à heterogeneidade do público; (c) o de segmentação, quando prepondera o parcelamento da audiência, buscando o atendimento a características específicas que baseiam a programação; e (d) o de convergência, indo ao encontro do identificado por Valério Brittos em relação à multiplicidade da oferta.

No campo do debate acadêmico a respeito do rádio com base na economia política da informação, da comunicação e da cultura, para além das pesquisas que empreendeu e suscitou, Valério Cruz Brittos protagonizou ainda interessante aproximação entre os respectivos grupos de pesquisa existentes sob o amparo da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Os dois grupos de pesquisa realizaram, dessa forma, uma mesa-conjunta no XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, em Recife, no ano de 2011. Foi uma prova material de algo que o pesquisador diria informalmente dias depois e presenciado por este autor: “a economia política existe para fazer pontes, para incluir na discussão por um viés crítico que deve aproximar, e não afastar”. 

O realizado em pouco menos de duas décadas pelo professor Valério Cruz Brittos, uma referência internacional neste campo teórico, só permite imaginar, portanto, a imensidão de conhecimentos a serem produzidos por ele se a fatalidade de uma doença não o tivesse tirado do convívio dos que, agora, têm o dever – por afeto a ele e por obrigação com a ciência – de dar continuidade a sua obra.

Referências

BRITTOS, Valério Cruz. O rádio brasileiro na fase da multiplicidade da oferta. Verso & Reverso. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, ano 16, n. 35, p. 31-54, jul.-dez. 2002.

FERRARETTO, Luiz Artur; KISCHINHEVSKY, Marcelo. Rádio e convergência: uma abordagem pela economia política da comunicação. In: Encontro da Compós, 19, 2010, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação, 2010. CD-ROM.

 

* Luiz Artur Ferraretto é doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Autor de Rádio - O veículo, a história e a técnica (3ª edição em 2007), Rádio no Rio Grande do Sul (anos 20, 30 e 40): dos pioneiros às emissoras comerciais (2002) e Rádio e capitalismo no Rio Grande do Sul: as emissoras comerciais e suas estratégias de programação na segunda metade do século 20 (2007). Ex-coordenador do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora (2007-2010) da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom).

 

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