Edição 404 | 05 Outubro 2012

A incompatibilidade entre felicidade material e espiritual

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Graziela Wolfart e Luis Carlos Dalla Rosa

Para a socióloga da religião e pesquisadora da área de ciências sociais, Brenda Carranza, um campo fértil de reflexão para a Teologia Pública encontra-se na dobradinha teologia/mídia

“Na fluidez de relações econômicas, sociais e pessoais, emerge a rapidez, a instantaneidade e a interconectividade como tríade constitutiva dos vínculos orgânicos que se estabelecem entre a lógica do capital e a sociedade informacional, cuja expressão máxima se encontra nas corporações que assumem a industrialização e a comercialização de marcas, produtos, serviços de informação e de entretenimento”. A reflexão é da socióloga e professora da PUC-Campinas, Brenda Carranza, em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line. Ao abordar as relações entre cultura, sociedade da informação e teologia, ela entende que “a globalização e o mercado de consumo constituem-se como uma poderosa fórmula que ‘irriga’ os formatos societários, arremessando indivíduos e coletividades em direção à sociedade de consumo como ideal de realização pessoal e como parâmetro de modernização”.

Brenda Carranza é formada em Teologia pelo Pontifício Ateneo S. Anselmo (Roma) e em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Tem mestrado em sociologia e doutorado em Ciências Sociais também pela Unicamp. É professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). De suas publicações recentes citamos Catolicismo midiático (Aparecida: Ideias & Letras, 2011); e Novas comunidades em busca do espaço pós-moderno (organizado com Cecília Mariz) (Aparecida: Ideias & Letras, 2009). Ela estará participando do Congresso Continental de Teologia, nos próximos dias 8, 9 e 10 de outubro, das 14h30min às 16h30min, falando a partir do tema “Cultura, Sociedade da Informação e Teologia”. Acesse a programação completa em http://bit.ly/NMoI2N. 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como a senhora caracteriza a “sociedade da informação”? Em que medida se trata de um novo paradigma cultural? 

Brenda Carranza – Consagrado o termo por Manuel Castells , a sociedade da informação se constitui como novo paradigma cultural que, grosso modo, pode ser sintetizado em cinco características. A primeira se refere a sua dimensão histórica ímpar, visto que, num breve período, não mais de três décadas, consolida-se de forma vertiginosa, criativa e em contínua mutação outra reconfiguração dos modos e meios de produção, difusão e recepção de informações, ideias, sons e imagens. Graças aos avanços tecnológicos, a segunda característica remete às noções de tempo e de espaço, que são profundamente modificadas ao se interconectarem pessoas em tempo real de qualquer parte do planeta. O tempo, outrora cronológico, medido na sequência de instantes, e o espaço, associado a territórios delimitados por fronteiras geográficas definidas em inúmeras convenções, passam a ser vivenciados segundo fluxos comunicacionais. Na fluidez de relações econômicas, sociais e pessoais, emerge a rapidez, a instantaneidade e a interconectividade como tríade constitutiva dos vínculos orgânicos que se estabelecem entre a lógica do capital e a sociedade informacional, cuja expressão máxima se encontra nas corporações que assumem a industrialização e a comercialização de marcas, produtos, serviços de informação e de entretenimento. 

Mídia – máquina produtora de sentido 

Atrelada ao monopólio que exercem as grandes empresas de comunicação social, encontra-se a mídia como máquina produtora de sentido e intérprete da realidade. A mídia concatena simbolicamente as partes das totalidades derramadas nas diversas latitudes e procura reunificá-las em crenças, valores, estilos de vida. Essa terceira característica da sociedade informacional, segundo Ignacio Ramonet , viabiliza a capacidade dos mass media de disseminar padrões de consumo como expressão de liberdade e democracia. Em outras palavras, a mídia reunifica o feixe da diversidade cultural e ideológica de povos e nações, muitas vezes reduzida a clichês que ora representam a riqueza cultural como sobrevivência do exótico, ora como vitimização do acaso ou ainda como heroísmo nacional. Entretanto, tudo acontece de forma aparentemente aberta e espontânea, o que é possível, porque, no cerne da sociedade da informação, encontra-se a razão competitiva do mercado globalizado. 

Binômio informação-entretenimento

A quarta característica é decorrente de todo o processo descrito até aqui e é percebida por alguns estudiosos, entre eles Martín-Barbero , como uma amálgama do binômio informação-entretenimento, que potencializa a circulação de imaginários sociais ancorados na apreensão do conhecimento como experiência lúdica. O impacto imediato disso encontra-se nos processos cognitivos que, na era informacional, para Nicholas Carr , não só ativam o raciocínio como parte da cadeia lógica de aprendizagem, mas também e, sobretudo, potencializam a intuição, a percepção, o tato, a sensibilidade estética e a competência linguística. Sem dúvida, há uma capacidade educativa na mídia que reverbera na estruturação de novas subjetividades alicerçadas na apropriação de produtos simbólicos que convergem, segundo Watkins , sutilmente na mercantilização de bens materiais e imateriais. Nesse ponto, encontra-se a quinta característica da sociedade da informação que perpassa, de maneira desigual e lúdica, todos os segmentos sociais do planeta.

IHU On-Line – Como a sociedade da informação se insere no contexto da globalização e, de modo particular, no mercado do consumo? 

Brenda Carranza – No início do século XXI, muitos críticos da globalização, entre eles o sociólogo brasileiro Otavio Ianni , sugeriram como perspectiva de abordagem observar as mutações culturais e comunicacionais produzidas por mais uma nova e contraditória fase do capitalismo: o neoliberalismo, com o capitalismo financeiro como seu carro chefe. De maneiras diferentes, tem-se assinalado que, mesmo com o mundo amplamente intercomunicado via internet, veloz e virtual, com o domínio informacional, o encurtamento do espaço e do tempo nas transações econômicas ou nas telecomunicações integradas (informática, satélites, televisão) tenderia a ser mais opaco. Isso porque, ao se complexificarem as redes de informação, fez-se mais densa a compreensão do acesso, da transmissão, da ativação e o sentido do que é comunicar. Portanto, a vocação ética de educar e informar o cidadão ficou comprometida. Na tão proclamada “aldeia global”, a comunicação não significou necessariamente a pluralidade globalmente comunicada; contrariamente, tendenciou-se cada vez mais à concentração de poder dos grandes centros com suas megafusões, que materializaram o espírito de época, expresso na informação como mercadoria, na liberdade de escolher diante da diversidade padronizada de produtos informativos e no usufruir de entretenimento. Assim, naturaliza-se a compra e venda de informação, com o objetivo de obter lucro e as normas de sua produção seguem as exigências do comércio. A web oferece gratuitamente informação-entretenimento em troca de acesso a informações sobre os gostos, hábitos e estilos de consumidores potenciais, hoje, sofisticadamente monitorados por meio do fácil acesso a aplicativos em todo aparelho portátil e móvel (iPhones, celulares, iPads, e muitos outros) . Nesse ínterim, na perspectiva de David Harvey , há uma imperceptível troca de vocabulário, quer seja quando se universaliza o inglês como a língua contida no hardware e no software das transações econômicas e sociais, quer seja quando o cidadão passa ser chamado indiscriminadamente de consumidor, transmutando-se assim a língua local e a categoria cidadania.

O consumo segmentado

Paralelamente a isso cresce a oferta de serviços e produtos comunicacionais para públicos massificados e consumidores segmentados, na mesma proporção que aumenta a concentração dos meios de comunicação em massa. Os cidadãos são cada vez mais indexados por denominadores comuns de consumo, até seus ideais, visões de mundo, anseios de solidariedade e de justiça ficam passíveis de serem customizados. Nesse sentido, a sociedade da informação, a globalização e o mercado de consumo constituem-se como uma poderosa fórmula que “irriga” os formatos societários, arremessando indivíduos e coletividades em direção à sociedade de consumo como ideal de realização pessoal e como parâmetro de modernização. Na linha de pensamento de Lipovetsky , a sociedade do hiperconsumo volta-se para ofertar cada vez mais uma felicidade paradoxal, marcada por um sofisticado consumo de felicidade material, que se esgota no momento exato de materializar-se na aquisição do objeto desejado. Sugere o autor que quanto mais felicidade material, menos felicidade espiritual. Uma enfatiza a mercadoria como centro de satisfação pessoal; a outra, o refinamento da consciência; uma é a prioridade ao ter, a outra ao ser. Satisfazer a felicidade material independe da capacidade aquisitiva daqueles que passeiam por vitrines, pois, como já alertou Edgar Morin , o mais importante da sociedade de consumo é encher as pessoas de imaginários que prometem felicidade, sucesso e amor, estufando suas vontades de desejos que um dia se concretizarão, ou seja, o importante é consumir, mesmo que o cidadão pague, por seus anseios, um valor dez vezes maior do que o valor real do produto adquirido e em até 150 prestações. 

IHU On-Line – A partir da sociedade da informação, como a senhora situa a cultura da midiatização? Quais as suas decorrências?

Brenda Carranza – Na verdade, ao se utilizar o termo “cultura da midiatização”, está-se fazendo referência a um processo duplamente complexo. Por um lado, reconhece-se que a mídia possui no seu estatuto comunicacional a capacidade de configurar visões de mundo e outorgar determinados sentidos à realidade no ato de interpretá-la, como foi assinalado em relação à segunda característica da sociedade da informação como resposta à primeira pergunta desta entrevista. Por outro lado, a partir da revolução digital, encabeçada pela internet, o universo midiático imbrica, de maneira admirável, a tríade que compõe a cultura de massas e a indústria cultural: propaganda-publicidade, informação e comunicação. A primeira consequência desse duplo processo é a difícil demarcação, objetiva e intelectual, da competência e independência desses três elementos. Até pouco tempo atrás, formavam parte da esfera da informação a imprensa, os jornais, a informação radiofônica, os telejornais, as agências de notícias. Já a comunicação enveredava por setores institucionais e a publicidade e a propaganda tinham caráter político. Nenhuma dessas esferas ficou à margem da integração midiática, na qual os universos da escrita, do sonoro e do imagético convertem-se num universo só. 

O imediatismo da internet

A segunda consequência encontra-se na virtualidade e no imediatismo trazidos pela internet que, somados à integração imagética, fizeram a mídia aprofundar suas raízes numa sociedade espetacular – entendida como aquela que prefere a imagem à coisa; a cópia ao original; a representação à realidade; a aparência ao ser. A simulação do real, o espetáculo e o consumo se encontram como forma de comunicação, regidos pela lógica da circulação de mercadorias, isto é, parafraseando Guy Debord , na cultura midiática, o espetacular não é apenas um conjunto audiovisual integrado, mas é também fundamentalmente uma mediação social, uma relação entre pessoas intermediada por imagens, sons, escrita, orquestrados pela lógica do lucro. Uma terceira consequência estaria no refinamento dessa trilha conceitual, pois a cultura midiática não só media a relação entre pessoas, mas é também, segundo Peter Berger  e Thomas Luckmann , uma instituição intermediária entre o indivíduo e a sociedade. Para os autores, a mídia encontra-se além do controle, sendo que ela converteu a emissão de conteúdos no principal epicentro produtor de significados para a vida cotidiana de milhões de seres humanos. Levado isso a suas últimas consequências, não é difícil deduzir como a cultura midiática e a sociedade de consumo se correspondem mutuamente, e a lógica de mercantilização que rege ambas precipita-se nas ofertas de conteúdos, experiências e significados. Tudo isso em apenas um click que concentra, difunde e integra visões de mundo, estilos e hábitos de consumo num universo tido como globalizado. Embora tudo isso soe como uma análise apocalíptica, referência emprestada a Umberto Eco , existem grandes brechas de uso cidadão desse universo, e é a juventude que dá lições magistrais sobre isso, como se verá logo a seguir.

IHU On-Line – Em seu entender, como o fenômeno da midiatização tem impactado na formação e na vida das pessoas? 

Brenda Carranza – Nas segunda e quarta características da sociedade da informação, acima descritas, anuncia-se o impacto subjetivo que anuncia o advento de outras experiências sociais e pessoais que esse paradigma consolida. Não é esta a ocasião para destrinchar questões sutis relacionadas aos muitos desdobramentos que a informatização produz quando rasga filtros civilizatórios nas dimensões cultural, vivencial e existencial, sobretudo para as novas gerações . Sugere-se anatomizar apenas um impacto: o multindíviduo – categoria sugerida por Massimo Canevacci . A hiperconexão, que emerge da amplitude do poder das redes sociais, é a condição sine qua non de novos arranjos e combinações perante as novidades que surgem e se estabelecem para os internautas como realidade. Num mosaico sobreposto de informações, opiniões e visões, muitas vezes conflitantes, as pessoas apreendem outra forma de se relacionar no e com o mundo. No espaço público, pontes sociais fermentam-se na simultaneidade de eventos, nos movimentos coletivos, nas pequenas ações que ganham dimensões inimagináveis. Para isso basta lembrar os movimentos de 2011, como a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street nos EUA, Os Indignados, na Espanha, e ocupações estudantis no Chile e no Brasil.

Relacionamentos densos e fracos

Na esfera privada, os relacionamentos intersubjetivos passam a ser densos, pela complexidade de sua análise, e fracos, pela efemeridade com que acontecem. Numa outra dimensão, a tecnologia coloca inúmeros aplicativos que se infiltram sorrateiramente na vida cotidiana, focando as pessoas no tempo presente. Portanto, aprofunda-se a tendência de se aproveitarem as possibilidades atuais, mais do que apostar no futuro incerto. Soma-se a isso a possibilidade que a internet traz de acessar de modo ilimitado arsenais de informação, de capturar a vida alheia através de fotos que são postadas, de paquerar ou até mesmo namorar, além do monitoramento de amigos nas diversas plataformas relacionais. Realidade que ocupa grande parte do dia dos jovens. Compreende-se, então, que as novas gerações, socializadas na lógica do imediatismo, tenham como imperativo: “tudo ao mesmo tempo agora já!” Mas para fazer tudo ao mesmo tempo, é necessária a habilidade de realizar operações simultâneas, simples e/ou complexas, o que permite desenvolver a capacidade da concentração dispersiva como processo cognitivo antagônico: dispersão-concentração. Tudo isso, na proposta de Pierre Lévy , como parte da cibercultura, em que a velocidade e a simultaneidade potencializam relações e desenvolvem novas angústias perante a impossibilidade de assimilação de informações, produtos e serviços que a avalanche informacional disponibiliza. É nessa nova formatação subjetiva a que os migrantes digitais, aqueles nascidos antes do ano 2000, procuram se adaptar, enquanto os nativos digitais simplesmente surfam à vontade. 

IHU On-Line – Em que medida a sociedade da informação e, ligado a isso, a midiatização, têm facilitado ou obstaculizado a inclusão das pessoas e dos povos empobrecidos? Nesse contexto, como se inserem a democracia e a participação cidadã? 

Brenda Carranza – Na segunda característica da sociedade da informação, que se assinalou anteriormente, aponta-se o monopólio da comunicação social que pode ser um dos obstáculos do exercício ao direito à comunicação, que se expressa como condição de cidadania que todo estado democrático preconiza. Tem-se afirmado também que a interligação das sociedades midiática, de consumo e informacional expandem desejos e fazem circular imaginários que privilegiam as necessidades do capital. Vale ressalvar que esses imaginários suscitam desejos de liberdade individual e coletiva que escapam aos monopólios midiáticos e suscitam, às vezes, respostas contrárias à lógica de produção comunicacional. Assim, o sonho de liberdade das pessoas e populações, segundo Amartya Sen , realiza-se na combinação de segurança econômica, que se traduz em participar do mercado de trabalho como direito a moldar o próprio destino; na liberdade política, como condição de gerir ações que visem ao bem comum e à redução da desigualdade e da pobreza e ao respeito aos direitos humanos. Ora, se o desenvolvimento humano e social é tido como uma expansão das liberdades reais de que as pessoas podem desfrutar, e não só como concretização das liberdades prometidas pelo consumo – aquelas que contornam gostos e hábitos, disponíveis só para quem possa comprar –, então é intrínseca à expansão das liberdades do cidadão as condições que habilitem escolhas individuais e oportunidades sociais. 

Educação básica de qualidade

Dentre essas condições, encontra-se a educação básica com qualidade que, junto de outras instituições, garante a apropriação crítica dos benefícios que permitem aos cidadãos usufruir da sociedade da informação. Só com essa capacidade crítica os agentes históricos serão capazes de intervir na esfera pública para reivindicar, propor e agilizar ações que diminuam as privações de que sofre a maioria da população. Nesse encadeamento, a inclusão dos cidadãos, em geral, e dos empobrecidos, em particular, no consumo midiático e/ou informacional constitui-se como um obstáculo democrático, pois consumir passa a ser sinônimo de inclusão, de cidadania, de ser pessoa. Contrário a isso, é a inclusão que o Estado consegue quando desenvolve políticas públicas, que criam oportunidades sociais, facilitando a participação econômica da população. No contexto democrático, as estratégias de inclusão digital das populações carentes ultrapassam programas que apenas proporcionam o acesso aos recursos informacionais, mas propiciam uma formação sistemática que permite a leitura crítica das mensagens e dos estímulos que chegam por todos os canais midiáticos a que ficam expostos às pessoas. Inclusão digital que capacita para o uso das ferramentas informacionais de forma proativa e criativa, em coerência com valores éticos próprios do reconhecimento da dignidade e dos direitos humanos, entre eles, o da comunicação plena, integral e alternativa. Só assim democracia e sociedade da informação se complementam no exercício da cidadania que expande a liberdade como pressuposto do desenvolvimento. 

IHU On-Line – A partir do contexto da sociedade da informação, quais as problemáticas e perspectivas que se abrem para a teologia/democracia?

Brenda Carranza – Ainda que em instâncias diferenciadas, tanto a democracia como a teologia têm condições de incidir nos impactos da sociedade informacional. No âmbito do exercício democrático, uma problemática evidente é o monopólio informacional, abordado nesta reflexão. O Estado e a sociedade civil, cada um, desde seu raio de inferência, têm como desafio a democratização da comunicação. Para o primeiro, um dos maiores desafios, entre outros, consiste na implementação das inúmeras propostas para a formulação da política de comunicação no país, o que inclui a criação de veículos de comunicação e a regulamentação das leis que regem os processos comunicacionais. Além disso, e não é pouco, deve gerenciar a participação de diversos segmentos sociais na discussão e na viabilização de equipamentos públicos e comunitários para a difusão cultural alternativa às grandes empresas comunicacionais. Para a segunda, a sociedade civil, é um desafio acompanhar e monitorar a implementação de políticas públicas que visem garantir uma comunicação livre, participativa, democrática, igualitária e solidária. Ao mesmo tempo em que é um desafio essa participação, também constitui uma fragilidade, pois a articulação nas mais diversas instâncias, que oscilam da participação popular à representação de conselhos, não é tarefa fácil, sobretudo em um país com dimensões continentais. Entretanto, não é possível garantir o direito à comunicação sem encarar esses desafios, como se tem dito de maneiras diferentes a partir da Conferência Nacional de Comunicação.

A teologia e a comunicação

Do lado da teologia, o desafio é de outra ordem. Como se disse até agora, o objeto da mídia e da informação é a comunicação e esta é um bem, muito diferente de qualquer mercadoria, pois constrói realidade, imprime valores, estabelece pautas políticas, sociais, religiosas, ambientais, entre outras, e influi fortemente na configuração de subjetividades. Desse modo, a democratização da comunicação refere-se também ao direito da humanização, portanto, o direito à comunicação é um direito sagrado, tanto quanto o direito a ganhar o sustento cotidiano. Nesse contexto, duas dimensões podem ser percebidas: aquela que dialoga no âmbito do direito cidadão, na esfera secular (significado latino de mundo) e aquela que constitui a compreensão dos processos que afetam a pessoa na sua autopercepção e nas suas opções práticas, independentemente de ter ou não referências religiosas. Entendida a teologia como explicação sistemática da percepção de Deus e da explicação da fé, de seu conteúdo, consequências e bases, ambas inseridas numa tradição cultural e contextualizada historicamente, não cabe a menor dúvida de que é inerente à vocação teológica ocupar o espaço público com sua palavra qualificada. Assim, a democratização e a humanização, entrelaçadas pelos impactos midiáticos, são dois horizontes justificáveis para a teologia e uma grande oportunidade para ocupar os âmbitos acadêmicos e socioculturais. Mas especificamente, a adjetivizada Teologia Pública é também desafiada, pois sua identidade, segundo Johan Konings  e Rudolf von Sinner ,  perfila-se na atuação do debate na esfera pública sobre questões medulares que afligem o ser humano. Nesse caso concreto, urge que a Teologia Pública, a partir de seu instrumental teórico, volte-se aos desdobramentos trazidos pelas novas culturas que emergem da fusão mídia/informação/consumo, a qual alerta significativamente para a percepção subjetiva da transcendência dos cidadãos, crentes, ateus ou agnósticos. Há carência no âmbito teológico de uma palavra qualificada que destrinche os discursos e as narrativas sobre as diversas religiões e mundivisões que a mídia transforma em objetos consumíveis, disseminando-os por todos seus canais. Outros temas para a agenda da Teologia Pública encontram-se nos formatos tecnológicos utilizados pelas mídias religiosas e que afetam o discurso teológico nas diferentes narrativas sobre a imagem do Deus cristão. Ainda uma instigante questão teológica se encontra nas mutações que sofrem, ou não, os cultos e liturgias quando estruturadas nos moldes midiáticos.

Enfim, há uma gama de questionamentos teológicos que afloram quando a teologia e o marketing se abraçam no marco do cristianismo contemporâneo, marcado por fortes tendências proselitistas e claros recuos no diálogo ecumênico e inter-religioso numa sociedade brasileira cada vez mais plural religiosamente. Enfim, um campo fértil de reflexão para a Teologia Pública encontra-se na dobradinha teologia/mídia. 

Leia mais...

>> Brenda Carranza já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line:

Uma novidade na estrutura de vida consagrada na Igreja. Publicada na edição número 307, de 08-09-2009, disponível em http://bit.ly/jGeqyp

A fraternidade cristã diante do abismo da desigualdade social. Publicada na edição número 366, de 20-06-2011, disponível em http://bit.ly/l2BiPs 

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