Edição 401 | 03 Setembro 2012

A emergência do indivíduo e as novas formas de viver a religião

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Thamiris Magalhães

Ao lado do que se pode pensar a respeito dos conteúdos do que está acontecendo, e o Censo 2010 imperfeitamente revela, é preciso refletir sobre quais formas de se crer, de se praticar e de se viver a religião estão sendo preservadas, transformadas ou surgindo, avalia Carlos Brandão

Carlos Brandão, em resposta à entrevista Pluralismo, transformação, emergência do indivíduo e de suas escolhas, concedida por Pierre Sanchis à edição 400 da IHU On-Line, reitera suas ideias e frisa que “em primeiro lugar, sempre é preciso acreditar desconfiando das estatísticas”. E explica: “!Uma das minhas razões é que, quando estudei estatística no meu curso de Psicologia, o próprio professor disse que a melhor definição dela é esta: ‘estatística é a ciência segundo a qual você fica com dois, eu fico sem nenhum, e no fim das contas cada um ficou com um’”. A outra razão, para ele, é que, tanto as estatísticas como as descrições “duras” e quantitativas de fenômenos sociais desenham com fidelidade o seu “esqueleto”, mas deixam fora do desenho “a carne e o sangue”. E, o que é pior... “o espírito”.

Carlos Brandão é graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. É mestre em Antropologia pela Universidade de Brasília - UnB e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo – USP com a tese Os deuses de Itapira.  Atualmente, é professor na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. 

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – De que maneira o senhor descreveria as principais características do mapa religioso brasileiro que emergem do Censo 2010?

Carlos Brandão – Tendo a concordar com Pierre Sanchis. Não será a primeira vez, e espero que esteja longe de ser a última. A diferença é que talvez eu vá falar mais do que o mapa do Censo esconde do que do que ele revela (ou imagina que revela). 

Acreditar desconfiando

Em primeiro lugar – e imagino que várias outras pessoas terão já dito isso – sempre é preciso acreditar desconfiando das estatísticas. Uma das minhas razões é que, quando estudei estatística no curso de Psicologia, o próprio professor disse que a melhor definição dela é esta: “estatística é a ciência segundo a qual você fica com dois, eu fico sem nenhum, e no fim das contas cada um fica com um”. A outra razão é que, para evocarmos as nunca esquecidas ideias de Bronislaw Malinovski , logo no capítulo inicial do Argonautas do Pacífico Ocidental, tanto as estatísticas como as descrições “duras” e quantitativas de fenômenos sociais desenham com fidelidade o seu “esqueleto”, mas deixam fora do desenho “a carne e o sangue”. E, o que é pior... “o espírito”.

Novas formas de viver a religião

Assim, penso que, ao lado do que se pode pensar a respeito dos conteúdos do que está acontecendo, e o censo imperfeitamente revela, é preciso refletir a fundo sobre quais formas de se ser, de se crer, de se praticar e de se viver a religião estão sendo preservadas; se elas estão se transformando ou estão surgindo. 

Por exemplo, mais a fundo do que perguntar: “que tradições religiosas estão crescendo e quais outras estão diminuindo, talvez uma outra pergunta importante seja: dentro de cada religião, tradição, confissão religiosa ou igreja confessional – e, sobretudo, entre elas e entre elas e outros sistemas de sentido (como a logosogia, a antroposofia, as neoecologias cosmicizantes, e assim por diante... infinitamente), que formas, quais modalidades ou alternativas de crença e prática ‘em algo em nome de alguma coisa’ estão surgindo entre nós?”

Religião, mundo mutável

Não há dúvidas de que o mundo da religião, mais do que o da academia ou o da política, talvez seja hoje (se não foi sempre), o mais mutável, o mais transformável entre todos. Assim, vejo que chegamos em nosso tempo, aqui no Brasil e em inúmeras outras nações do planeta, não apenas a uma aberta e interativa multipluralidade de opções de conteúdos de sentido e/ou de fé (no que eu creio de fato e qual o sistema de sentido que me traz esta crença ou me leva a ela?), mas igualmente a uma fecunda pluripossibilidade de escolhas entre modos de ser, de crer e de viver o que eu creio, e o em que creio para ser quem sou.

Mais do que em outros tempos, hoje

a) você pode – confidente ou publicamente – viver uma única “minha crença” de forma absolutamente individual e separada de todos os outros;

b) você pode não apenas aderir a uma crença única de forma individualizada, mas também pode conectar sistemas completos de crenças ou fragmentos de algumas e realizar sua própria bricolagem confessional. Não é nada raro um estudante universitário de hoje com este perfil: raízes católicas sem qualquer adesão à Igreja Católica + crença tangencial no taoísmo, mesclado de algo de zen budismo + uma abertura para uma fé no reencarnacionismo espírita kardecista, sem qualquer adesão a esta religião + uma crescente simpatia pelo anarquismo, associado a uma confissão de que dentre todos os possíveis: “Gandhi e Che Guevara são os meus gurus preferidos” (pelo menos por agora);

c) em direção oposta, você pode não apenas crer na substância de uma fé religiosa, mas também aderir de corpo e alma a sua unidade confessional de padrão sectário (no sentido Max Weber da palavra) e se tornar um crente absoluto de que “fora da minha religião não há salvação”; 

d) você pode manter-se fiel a uma tradição religiosa “de origem”, separando-se de sua estrutura (como a da Igreja Católica segundo o Vaticano) e aderindo a regiões de communitas desta própria religião (para lembrar Victor Turner ). Eu acredito que de Pierre Sanchis a Leonardo Boff, passando por Marcos Arruda e Carlos Brandão, uma pluralidade de atuais ex-religiosos e leigos militantes como eu, da Ação Católica, vivem hoje de forma diferenciada esta mesma experiência de cristãos pluricatólicos, exatamente porque podem agora viver sua fé ampla, difusa e mutável em e entre pequenas comunidades de destino, como pessoas cristãs em diáspora;

e) você pode “do começo ao fim de minha vida” manter-se um fiel crente, praticante e participante de sua religião de origem, seja por convicção pessoal, seja por reprodução costumeira a uma tradição de família, aceitando-a como uma entre outras “agências sagradas da salvação”.

Essa relação de alternativas vai longe ainda. Observemos que até pouco tempo, poucas religiões abriam o seu leque de possibilidades de aderência, de permanência e de diferenciada participação. A Igreja Católica, seguindo tradições gregas e romanas, muito mais do que judaicas, sempre foi o seu melhor exemplo. 

Agora mesmo na minissérie Gabriela, as prostitutas de Ilhéus reclamam dos dignitários da Igreja Católica o seu direito a uma “ala” na solene procissão. As “beatas” estão contra, mas se Lampião (fervoroso rezador de terços) e seu bando estivessem presentes, não só apoiariam as prostitutas como reclamariam também o seu lugar na procissão. 

Durante muitos anos, o catolicismo – religião da puta ao padre – competia no Brasil apenas com pequenas confissões de religião aberta-agenciada (como a umbanda e o espiritismo kardecista), ou religiões fechadas de tipo comunidade de salvação.

Várias alternativas de ser e crer

Hoje, o mais importante no catolicismo não é que nele se canta, dança, fala em línguas e se recebe sem cerimônias o Espírito Santo, como algumas denominações pentecostais. O importante é que, para realizar isso e muito mais, a Igreja Católica se permite – entre as comunidades eclesiais de base e as missas-espetáculo do padre Marcelo – abrir-se a todas as alternativas possíveis e imagináveis do ser católico, e de se praticar sozinho, em pequenas comunidades de fé, ou em multidões de massa-espetáculo, uma dentre as muitas alternativas deste ser e crer.

IHU On-Line – Em seu ponto de vista, por que a redução católica, que ocorreu em todas as regiões do país, teve queda mais expressiva registrada no Norte, de 71,3% para 60,6%?

Carlos Brandão – Concordo com Pierre. É uma velha tradição teórico-empírica que vale tanto para as religiões como para artes e ciências, segundo a qual quanto mais uma nação, uma região cultural ou mesmo uma pequena comunidade é ou se transforma em uma pluriaberta “terra de ninguém”, tanto mais ela se abre para abrigar o novo e o diverso. 

Não é preciso opor o Norte ao Sul. Oponha Taguatinga, no Distrito Federal, a Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Quem “fica” permanece em sua fé. Quem “vai embora” precisa encontrar outra. Ou outras.

Jagunço Riobaldo

Recomendo a exemplar leitura de um momento de confissão do jagunço Riobaldo, logo no começo da obra Grande sertão: veredas . Ele confessa a quem silenciosamente o escuta, dizendo que “reza é quem salva a gente da loucura”. E por isso é que deseja rezas e poderes de todas as religiões ao seu alcance. Grande parte de “todo o mundo” está hoje ficando mais ou menos como ele.

De resto, como estou dialogando com Pierre Sanchis, quero lembrar uma das citações memoráveis de Charles de Gaulle . Ele dizia mais ou menos isto: “a grande diferença entre os Estados Unidos da América do Norte e a França é que lá existem 360 religiões e dois partidos políticos; enquanto na França há duas religiões e 360 partidos políticos”. Creio que no Brasil estamos tendendo a associar o número de religiões dos EUA com o número de partidos da França.

IHU On-Line – Como avalia o número dos sem religião, de acordo com os dados divulgados no último censo?

Carlos Brandão – Um dos livros mais interessantes que há para ler trata-se de uma longa entrevista com Umberto Eco  e com o Cardeal Martini . Um ateu e um crente católico. Creio que o título do livro é  Em que creem os que não creem (São Paulo: Record, 2000). Se não foi este, deveria ser. Digo isso porque, a menos que um censo creia limitar a religião ao religioso e o religioso ao confessional, ele precisaria rever conceitos, ampliar categorias e alargar muito o leque de suas próprias classificações.

Rubem Alves, um “teólogo ateu”

Rubem Alves  vai me permitir estas confidências, porque elas são públicas: um dia identificou-se em uma entrevista de jornal de alta circulação, como um “teólogo-ateu”. Creio que em um de seus últimos livros ele retoma esse tema polêmico (não fosse de Rubem Alves).

Certa vez, quando entre só nós dois, eu abri o jogo com ele e disse algo assim: “Rubem, vamos deixar Deus, Santíssima Trindade, Espírito Santo de lado. Eu quero saber de você o seguinte: para onde é que você acha que vai quando morrer?” Ele me olhou sério e confidente, e com um gesto solene apontou para o chão entre os seus pés. E me respondeu: “eu vou para o lugar de onde eu vim há milhões de anos”. Mas Rubem, eu e Pierre, e Frei Betto, e Marcos Arruda, e Osmar Fávero, e Luis Eduardo Wanderley, e Lula, e Betinho e Paulo Freire, e tantas e tantos outros, de formas diversas e com intensidades diferentes, nunca fomos ou somos capazes de nos identificar propriamente como ateus (eu... longe disso!); sequer como agnóstico (idem).

Não acreditamos mais no que acreditávamos. Mas seguimos precisando acreditar no que acreditamos agora, para seguirmos vivendo uma vida... com algum sentido.

Creio que algo semelhante acontece com praticamente todas as pessoas. Clifford Geertz , em um momento de seus escritos, cita um alguém, cujo nome não lembro agora, para dizer o seguinte: “acreditamos em tudo o que podemos, e acreditaríamos em tudo, se pudéssemos”. Creio que é isso mesmo. Assim, penso que as pessoas que “não acreditam em um deus” não acreditam “nele” (e em tudo o que religiões fazem dele derivar), para poderem “acreditar em alguma coisa acreditável”.

Acho que um Censo menos estatístico e mais qualitativamente humano deveria conter uma pergunta assim: “em que ou no que você acredita?” Exemplo: Todos nós sabemos que Albert Einstein  abandonou sua fé judaico-teísta de origem para crer no que ele mesmo chamava de uma religião cósmica. Eu mesmo me sinto hoje em dia entre D. Pedro Casaldáliga  (um querido amigo e mestre) e Einstein.

Releitura não teísta

Quando converso com vários amigos que foram como eu cristãos católicos engajados em algum movimento de igreja, vejo que uma soma considerável deles (eu incluído) está precisando agora realizar uma espécie de releitura não teísta em sua fé para poder se manter ainda cristão, mesmo que já não mais restritamente... católico. Muitos de nós precisamos crer que o próprio Jesus nunca foi o Cristo; nunca foi um “deus enviado a Terra para nos salvar de nosso próprio pecado coletivo”, para acreditarmos não na mitologia, mas nas substâncias humana dos evangelhos. 

Não precisamos mais de um deus-homem milagreiro que “morreu para nos salvar”, e depois ressuscitou para nos dizer que isso irá acontecer com todos nós (pelo menos com o pequeno rol “dos salvos”). Precisamos de um homem-deus (justamente porque humano) que, entre vários outros, nos diga palavras de sentido e nos envolva de gestos de ternura... para que saibamos como viver e para onde ir, mesmo que não haja “um céu para os eleitos”.

Entre meus alunos, entre amigos, e especialmente entre pessoas do povo com quem convivo, nunca encontrei alguém que diga: “eu não acredito em nada!” E creio mesmo que quando alguém diz isso, diz algo provisório. João Guimarães Rosa lamenta, ainda no Grande sertão: veredas, que “pra muita coisa falta nome”. No caso da religião e do círculo mais amplo (do qual ela faz parte) dos sistemas de sentido, penso que falta mais ainda.

O ateu

Na sua própria fórmula tradicional, ateu é uma palavra que indica um negativo: “em que você não crê”. No entanto, a maioria dos ateus que conheço acredita profundamente em algo, que não raro me parece ultrapassar as fronteiras de minhas mutantes e indecisas crenças. 

E entre aqueles que hoje vejo envolvidos no que no passado costumávamos chamar de obras cristãs, sobretudo as mais substantivamente comprometidas com o povo e a sua história, vejo que ateus, agnósticos, buscadores de fé e cristãos se misturam e interagem muito mais preocupados com “qual o sentido de sua vida e como você vive e age em nome disso?”, do que com “em que Deus você crê para estar aqui ao meu lado fazendo o que eu faço?” (e não faria sem você).

IHU On-Line – Em entrevista anterior , o senhor falava da “larga malha do catolicismo”. Ela aparece nos dados do censo 2010? Como ela pode ser descrita?

Carlos Brandão – Concordo com Pierre, e acho que acima falei algo sobre isso. Uma das peculiaridades do catolicismo de herança grega (língua em que ele foi originalmente difundido, quando ainda primitivamente cristão), bem mais do que em sua fechada herança judaica, é esta sua ainda viva e presente capacidade de se multifacetar. De não apenas abrir-se a “salvos e a pecadores” (na verdade mais a pecadores do que a salvos, ao contrário de várias pequenas igrejas evangélicas, ou de padrão mórmon ou testemunhas de Jeová), e de criar pluriespaços. Espaços de fé, crença e vida, que vão da mais solitária individualidade à mais explosiva multidão. Cenários destinados a abrigar, a cada lugar de cultura e em cada momento de sua trajetória na história, as mais diversas alternativas de: 

a) ser cristão-católico sem ser católico confessante (algo diferente do “católico nominal”); 

b) ser católico confessante (“eu sou católico”) sem ser católico praticante (“vivo minha religião à minha maneira e não preciso de papa nem padre”); 

c) ser católico praticante sem ser católico participante (“vou na missa, comungo, observo as normas da igreja, mas não me chamem para fazer coisa alguma em nome dela”); 

d) ser católico participante sem ser católico praticante (“em nome de minha fé vivo uma vida de testemunho junto ao povo, mas não me chamem para missas, confissões e procissões”);

e) (escolha você a sua alternativa e preencha com ela este espaço).

Contaram-me, há muito anos, que nos tempos da Cortina de Ferro a Rainha da Inglaterra, depois de longas negociações, fez uma visita à Polônia. Em um momento de visita a uma fábrica, ela teria ousado se aproximar de um velho operário, e com a ajuda de um tradutor teria, em meio a uma breve conversa não protocolar, feito a ele esta pergunta: “diga, você é católico?” E ele teria respondido: “sou crente, senhora, mas não praticante”. A seguir ela teria ousado esta outra pergunta: “E comunista... você é?” E sábia (e silenciosamente) ele teria respondido: “sou praticante, senhora, mas não crente!” Guardadas das diferenças de tempo e espaço, creio que este diálogo serve para uma infinidade de pessoas em nós e entre nós.

IHU On-Line – Como podemos definir o pluralismo religioso? De que maneira ele aparece nos dados do censo 2010? Quais são as suas principais características, possibilidades e cenários futuros?

Carlos Brandão – De novo concordo muito com Pierre. Apenas não devemos esquecer que no sábio curso da história humana, nada é definitivo. Tendência social e/ou cultural alguma se impõe para sempre. Não creio em eterno retorno (nem em calendário maia), mas acredito que, assim como uma era se define por uma tendência, em uma outra logo depois pode seguir uma direção oposta. Não esqueçamos que não apenas Walter Benjamim  (ele mesmo um suicida em desespero... por ser um judeu) lembra que “a barbárie pode sempre retornar entre nós”.

Se me perguntarem o que é “pluralismo” (dentro e fora da religião), o que são multialternativas de sentido e de projeto de vida; o que é biodiversidade, multidiversidade cultural, etc., gosto de responder dizendo que nunca soube bem o que é tudo isso. Só sei que, em direção oposta ao “admirável mundo novo”, tudo isso haverá de ser o que salvará a vida da extinção e o que salvará a humanidade da barbárie.

IHU On-Line – O que o censo revela em relação à postura dos jovens diante da religião? Qual é a tendência religiosa a ser seguida pelas novas gerações?

Carlos Brandão – Assino embaixo do que disse Pierre. Mas pergunto a vocês: “Por que é que vocês não perguntam isso aos jovens?”

IHU On-Line – Qual a peculiaridade dos evangélicos pentecostais em relação aos evangélicos de missão? O que levou, de acordo com dados do último censo, o primeiro a crescer e o segundo a decrescer? 

Carlos Brandão – Para pesarmos isso é preciso alargar o olhar também. Olhar para além do mundo das religiões, e até mesmo para além do mundo mais amplo dos sistemas culturais de sentido. Da camisinha à pasta de dente, dela ao xampu, dele à enorme variedade de pizzas, de programas de entretenimento na TV, de redes sociais na internet, de alternativas de cursos universitários e outros, a todo o momento surge e ressurge o novo, o nunca visto, o “revolucionário”. E sempre novas reais ou falsas modalidades de tudo o que há para ser, pensar, viver ou comprar, estão competindo e, não raro, desbancando as alternativas anteriores.

Sociedade do capital

Vivemos uma sociedade mundial sequiosa de tudo o que de perverso nos coloniza a vida e destino em um mundo dominado pela regência do capital, da ganância, do consumismo, do lucro, da competição, da espetacularização de tudo em um máximo de momentos. Tudo o que o “negócio” propõe e que a mídia impõe a nossas mentes e aos nosso corações. E dos nossos filhos e netos, mais ainda. 

Procure ver por que desaparecem das universidades particulares e mínguam entre as públicas cursos como filosofia e de pedagogia, e porque proliferam os de administração de negócios, de turismo, de hotelaria e de gastronomia. Passe por um banca de jornais e revistas e veja se algo semelhante não acontece ali também. Visite depois uma boa livraria e pergunte pelos best-sellers dos últimos meses. E depois procure compreender se é algo diverso ou se não é alguma coisa muito semelhante com o que se passa no mundo complexo e imprevisível da religião.

Não sei se vocês já viram um fraseado corrente entre times de futebol, e algo que se encontra até mesmo impresso em camiseta de torcedores. Em síntese, ele repete a seguinte máxima: “um homem troca de mulher, troca de país, troca de religião, troca de emprego, troca de pasta de dentes, troca de partido político (nossos políticos que o digam); um homem troca de tudo. Só não troque a vida inteira de time de futebol”. Será mesmo?

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo? 

Carlos Brandão – Apenas dois pontos também.

O primeiro – já esboçado em outros momentos – é o valor de um censo mais qualitativo alargar o campo da religião para compreender mais a fundo o que, de fato, se passa na religião.

O segundo – agora que ando a caminho da velhice e sem a mesma “sólida crença católica dos velhos tempos” – é este: creio que em nós e entre nós precisamos desmistificar um pouco a sacralidade individualizante de nossas próprias vidas religiosas. 

Nós, professores e intelectuais de várias áreas, que em nossas diversas rodas de conversa somos capazes de passar longas e nem sempre fecundas horas discutindo entre nós, seja o momento político mundial ou... “futebol” (com acaloradas tertúlias a partir da confissão aberta de “pra que time eu torço”), temos uma imensa dificuldade de passar do falar da religião em geral, ou da religião dos outros (especialmente a que eu pesquiso) para “a religião (ou aquilo em que) eu creio!” Por quê? 

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