Edição 400 | 27 Agosto 2012

A farsa exibida nos cinemas

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Ivan Lemos e Bruno Lima Rocha

No trabalho do Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Globalização Transnacional (NIEG-CEPOS) optamos utilizar dois documentários como forma de expansão das alternativas de interpretação das relações causais, agentes envolvidos e efeitos da crise. Um é Capitalism: A love story, (2009, EUA), dirigido por Michael Moore. O diretor já é conhecido internacionalmente por produzir documentários que fazem críticas ácidas ao sistema capitalista nos EUA e às estruturas de poder que o compõem. Para fazer um contraponto escolhemos o documentário Inside Job de Chales Ferguson (EUA, 2010), o qual ganhou o Oscar em 2010 de melhor documentário. Detalhe importante é que Ferguson é, antes de diretor, matemático e cientista político, e já trabalhou como consultor para empresas de capital misto e para o governo norte-americano.

A partir da “farsa com nome de crise” que se assenta sobre toda União Europeia e EUA, houve um aumento no nível de materiais audiovisuais que embasam todo o processo de colapso das potências mundiais. O documentário de Moore, por exemplo, tem um caráter mais histórico sobre o funcionamento do sistema capitalista nos EUA, expõe as fraudes causadas por empresas que estão inseridas no mercado financeiro. 

As cenas iniciais traduzem o resultado de um sistema de especulação imobiliária que fez com que um castelo de areia ruísse. As casas hipotecadas eram agrupadas a outros tipos de investimentos e transformavam – se em um pacote de investimento misto os chamados (CDOs), que eram vendidos a diversos conglomerados financeiros, assim os proprietários dos que pagavam as parcelas das hipotecas logo se viram mergulhados em taxas altíssimas de juros. Se o proprietário do imóvel deixa de pagar, o primeiro banco que hipotecou não receberia, nem os outros bancos que compraram esses pacotes. Os preços dos imóveis não cessaram de crescer em cinco anos. As previsões eram as melhores, as agências de rating garantiam lucro certo, e isso contribuiu para uma massificação de compra, um comportamento de manada, que bombardeou as estruturas do sistema financeiro. 

O agora já consolidado Estado-Nação, considerado o centro do capitalismo, enfrentava uma grave “crise”. Vale lembrar que não faltaram avisos vindos de economistas de linha crítica ou mesmo de neoclássicos arrependidos. Em 2004 o FBI já alertava George W. Bush de uma possível fraude no sistema imobiliário (mostrado no filme), logo após o alerta quinhentos investigadores foram afastados. 

Nessa relação conseguimos observar como o governo está entrelaçado com o sistema financeiro. Para garantir que os planos econômicos se concretizem, é necessário a articulação com estruturas de apoio, e esse funciona como órgão legitimador do que podemos chamar de fraude de hipotecas. 

A inserção do Estado com o papel de regulador das atividades financeiras fica na razoabilidade das ações, ocultam as possíveis gravidades de um sistema que tem como item principal de valorização a informação. Quando as políticas do governo permitem que bolhas imobiliárias se desenvolvam e, mesmo sendo descobertas, deixam de ser investigadas, uma fraude é instalada; primeiro pelos agentes que atuam livremente dentro do mercado; segundo pelo governo fechar os olhos para os alertas dados pelas próprias estruturas de fiscalização do Estado.

Além dos alertas sobre um emergente perigo de estouro da bolha imobiliária, os investidores não hesitaram: eles continuaram a jogatina de forma livre e desregulada. Na maioria das produções audiovisuais sobre a crise, exibem-se relações que possibilitaram o desencadear de um colapso. Em todos eles os principais investidores constroem a imagem de um profissional coerente com sua atuação no mercado. Porém quando o plano é geral, o que vemos é um sistema de compensação de valores mais avançado do mundo, onde circula informação que deveria ser perfeita.

Moore também fala sobre os três memorandos que o Citigroup enviou para seus investidores mais ricos. Nesses documentos constava a tese de que os EUA não eram mais uma democracia, mas sim uma plutonomia, uma sociedade controlada exclusivamente pelo benefício do 1% que detém a renda mais alta da população, possuindo agora mais riqueza do que os 95% restantes somados. O memorando exaltava a crescente diferença entre ricos e pobres, que agora favorecia os investidores como a nova aristocracia estadunidense.

A concentração nas mãos de 1% da população está relacionada não apenas à movimentação de capital a favor dos bancos, mas também aos próprios agentes que movimentam diariamente fortunas. Um corretor hipotecário, por exemplo, pode comprar facilmente um “empréstimo mentiroso”, recebendo por isso uma bonificação do banco detentor. Porém, futuramente não se responsabilizará sobre essa hipoteca. É estabelecido então o que chamamos de risco moral – o agente pode ser incentivado a apostar inapropriadamente sem ter responsabilidade sobre os efeitos negativos. Os maiores bancos de investimentos – Goldman Sachs, J.P. Morgan, Merrill Lynch, Lehman Brothers e Bear Stearns – pagaram 25 bilhões de dólares em 2005, 36 bilhões em 2006 e 38 bilhões em 2007, através de bonificação a seus funcionários. A relação entre bonificação e salário-base alcançou, em 2006, 60% da remuneração total dos cinco maiores bancos de investimentos.

Os procedimentos de troca de informação se tornam essenciais para o entendimento da economia mundial, a preocupação aparece quando a utilização dessas redes é para especulação financeira. Essa evolução tecnológica internacionalizou a economia, reduziu as distâncias geográficas e inseriu novas formas de trabalho, baseadas na transferência de informação. Todavia, esse avanço não contribuiu para a distribuição igual da renda.

 

* Ivan Lemos é graduando em publicidade pela Unisinos, foi bolsista do Grupo Cepos e um dos fundadores do NIEG. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

* Bruno Lima Rocha é cientista político com doutorado e mestrado pela UFRGS, jornalista graduado pela UFRJ e docente de Comunicação Social da Unisinos. Atual vice-líder do Grupo Cepos, é um dos fundadores do NIEG. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. 

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