Edição 400 | 27 Agosto 2012

Pentecostalismo: mudança do significado de ter religião

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Thamiris Magalhães e Graziela Wolfart

Além de Rondônia, que já se destacou no último censo como o estado mais pentecostal, temos o Amapá, Pará e Acre com mais de 20% da população pentecostal, declara Cecilia Loreto Mariz

Ao considerar o número de pessoas que se declara sem religião, abordando especificamente a responsabilidade das igrejas pentecostais, nesse sentido, Cecilia Loreto Mariz levanta a seguinte hipótese: as igrejas pentecostais podem estar sendo responsáveis por uma mudança do significado do que é ter religião. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ela afirma: “no mundo pentecostal e protestante, a pessoa apenas se identifica com uma religião ou uma igreja se, de fato, pratica e participa da comunidade. Caso alguém tenha se tornado evangélico e abandonou a prática, em geral, passa a dizer que se tornou ‘sem religião’. Essa hipótese explica uma parte do universo dos sem religião”. E destaca: “observa-se que há um percentual importante de ‘sem religião’ com mesmo perfil sociogeográfico dos pentecostais”.

Cecilia Loreto Mariz possui graduação em Ciências Sociais e mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco e é Ph.D em Sociology of Culture and Religion pela Boston University. Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, é uma das organizadoras de Novas Comunidades Católicas: em busca do espaço pós-moderno (Aparecida: Ideias & Letras, 2009). Sua especialização é sociologia da religião e tem pesquisado religiões no Brasil com maior ênfase no catolicismo e pentecostalismo.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – O que os dados do censo revelam em relação aos evangélicos do grupo pentecostal. O que este dado significa? Qual estado e/ou região apresenta um maior número de evangélicos pentecostais? Por quê?

Cecilia Loreto Mariz –
Antes de discutir os dados sobre os pentecostais, faz-se importante destacar que, no censo de 2010, foi introduzida a categoria evangélicos “sem determinação de denominação”, que representa cerca de 21,8% dos evangélicos em geral, um percentual maior do que o dos evangélicos de missão. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE não tem como afirmar o que significa esse dado, se a não explicitação da denominação foi opção do entrevistado ou problema do recenseador. A hipótese mais plausível é que tenha sido problema na coleta dos dados. Dessa forma, ficamos sem informação da denominação de um percentual significativo de evangélicos. A análise de mudanças em relação aos dados do censo de 2000 pode ficar prejudicada quando se quiser investigar transformações no perfil de evangélicos de missão e pentecostais ou crescimento específico de cada denominação. Apesar desse problema não atingir a análise dos evangélicos como um único conjunto, dificulta, por exemplo, avaliar a queda percentual de várias denominações pentecostais. Dessa forma, embora os dados mostrem que o pentecostalismo continua crescendo, podemos ter dúvidas sobre o real percentual. Talvez seja maior.
Levando em conta o problema acima citado, destacamos que os dados apontam que a Assembleia de Deus se destaca como a denominação pentecostal que mais cresce ou que ainda cresce, porque várias denominações, segundo esses dados, estariam caindo em termos percentuais, como seriam os casos da segunda maior denominação pentecostal, a Congregação Cristã do Brasil, e também a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD. Mas temos que relativizar esse decréscimo em vista do percentual dos que não informaram sua denominação.

Outro dado que chama atenção nesse censo foi o crescimento nos estados do norte do país. Além de Rondônia, que já se destacou no último censo como o estado mais pentecostal, temos o Amapá, Pará e Acre com mais de 20% da população pentecostal. Esse crescimento reforça uma hipótese levantada desde os primeiros estudos do pentecostalismo que relaciona seu crescimento com migrações.
Como há uma tendência de predominância da Assembleia de Deus no Norte e Centro-Oeste do país, os dados sobre crescimento regional e denominacional da Assembleia de Deus se mostram, portanto, coerentes.


IHU On-Line – Em sua maioria, os pentecostais são de qual classe social? Há uma explicação para isso?

Cecilia Loreto Mariz –
Os dados apontam que há pentecostais em todas as camadas sociais. Todavia, tem havido sempre uma relativa predominância entre as menos abastadas e relativamente menos instruídas. Vários fatores podem explicar essa relação como os menos privilegiados. Essas igrejas propõem um caminho garantido e rápido de mudança de vida, que é o que procuram todos que estão em situação de maior penúria. Uma linguagem direta e simples, de defesa de acesso de todos à palavra, aos bens materiais, intelectuais e espirituais, também atinge os que têm menos instrução.


IHU On-Line – As mulheres evangélicas pentecostais são mais religiosas do que os homens? Qual o sexo que predomina no grupo dos evangélicos pentecostais? Por quê? A adoção do modelo patriarcal ainda prevalece entre as igrejas pentecostais?

Cecilia Loreto Mariz –
Há, de fato, mais mulheres nas igrejas pentecostais do que homens. A afinidade da mulher com essas igrejas tem sido muito apontada e discutida. Uma das explicações seria o fato das igrejas valorizarem e, mais do que isso, apoiarem de fato com várias práticas e rituais a mulher sem companheiro, bem como também aquelas que se dedicam a cuidar da família e filhos. Uma forma desse apoio é defender um modelo homem ou um papel masculino mais semelhante ao feminino. Tal como a mulher, o homem pentecostal deve ter a família, esposa/o e filhos, deve ser fiel, ascético e não beber álcool. Apesar da defesa do modelo patriarcal, no sentido que o homem deveria em princípio ter a última palavra, o pentecostalismo propõe uma igualdade de gêneros em muitos aspectos que a cultura mais ampla mantém desigual. É importante também destacar que o patriarcalismo pentecostal não significa que a última palavra do homem possa ir contra a lei de Deus. E essa última limita muito práticas machistas, especialmente as que atingem negativamente as mulheres (violência, sexo sem compromisso, ingestão de álcool).


IHU On-Line – Algo mudou nos últimos anos em relação à importância da família entre os fiéis pentecostais?

Cecilia Loreto Mariz –
As igrejas pentecostais continuam valorizando bastante a família. A importância não me parece ter mudado em nada. Até mesmo em denominações chamadas de “inclusivas”, que aceitam o homossexualismo, os pesquisadores têm observado que se defende a formação de famílias, ou seja, que casais homossexuais tenham relações monogâmicas e duradouras, que adotem crianças segundo o mesmo modelo da família heterossexual.


IHU On-Line – Que diferença pode ser estabelecida entre as igrejas protestantes, as pentecostais e a católica quanto à aceitação de lideranças femininas?

Cecilia Loreto Mariz –
Há grandes diferenças. A primeira é que muitas igrejas pentecostais e protestantes, em geral, aceitam que as mulheres sejam ordenadas pastoras, e até alcancem o cargo de bispo. Há muitas denominações fundadas por mulheres. Já na Igreja Católica, o sacerdócio é permitido apenas a celibatários.


IHU On-Line – Como define e percebe o trânsito religioso de fiéis entre as igrejas pentecostais?

Cecilia Loreto Mariz –
O trânsito religioso entre igrejas pentecostais, e entre igrejas evangélicas em geral, reflete, em minha opinião, a concepção corrente no universo protestante que todas as igrejas evangélicas, apesar de discordâncias diversas, são apenas denominações diferentes ou, dito de outra forma, nomes distintos para uma única igreja de Cristo. Daí transitar entre denominações não implicaria uma tensão ou ruptura do tipo que ocorreria com a mudança de uma religião para outra, ou com o abandono da Igreja Católica. O trânsito entre essas igrejas poderia ser fruto de uma mudança de cidade ou mesmo de bairro, de emprego, profissão, ou seja, podia ser gerada por questões de fora do próprio campo religioso, sem implicar mudanças nas convicções daquele que transitou. Assim, pode ser visto como fruto de uma identidade evangélica única que tem sido construída e reforçada no Brasil em vários momentos distintos como, por exemplo, durante campanhas políticas, ou eventos interdenominacionais, por exemplo, “Parada para Jesus”, entre outros.


IHU On-Line – Considerando o número de pessoas que se declara sem religião, qual a responsabilidade das igrejas pentecostais nesse sentido?

Cecilia Loreto Mariz –
Uma hipótese que levantaria é que as igrejas pentecostais podem estar sendo responsáveis por uma mudança do significado do que é ter religião. No mundo pentecostal e protestante, apenas se deve se identificar com uma religião e igreja se de fato se pratica e se participa da comunidade. Se alguém se tornou evangélico e abandonou a prática, em geral, passa a dizer que se tornou “sem religião”. Essa hipótese explica uma parte do universo do sem religião. Observa-se que há um percentual importante de “sem religião” com mesmo perfil sociogeográfico dos pentecostais.



Leia mais...

Cecilia Loreto Mariz
já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira:

“O ideário das novas comunidades é o ideário comunitário do cristianismo primitivo”. Edição 307 da revista IHU On-Line, de 08-09-2009

O pentecostalismo e a emancipação das mulheres. Edição 329 da revista IHU On-Line, de 17-05-2010

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