Edição 399 | 20 Agosto 2012

“Sou mais feliz quando estou de bici”

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Graziela Wolfart

Na opinião de Marcelo Sgarbossa, o lema da felicidade, hoje, deveria ser “trabalhe menos, com prazer e mais devagar – consuma menos, com prazer, e mais devagar, e viva melhor, com prazer e viva mais”

Você ou alguém do seu convívio costuma usar a bicicleta como meio de transporte ou até eventualmente para um passeio ao ar livre? Na cultura do automóvel, é cada vez mais raro pessoas que redescubram o prazer de pedalar. Pois esse é justamente o tema da fala de Marcelo Sgarbossa: “Mobilidade urbana: a bicicleta como meio de transporte sustentável”. Ele estará na próxima quinta-feira, dia 23 de agosto, das 17h30min às 19h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU abordando o assunto, sobre o qual concedeu a entrevista a seguir para a IHU On-Line, por e-mail. O advogado e professor universitário defende que a bicicleta é um meio de transporte sustentável por vários motivos. “O principal talvez seja, além do não uso de combustíveis, o fato de ser o meio de transporte mais eficiente que existe: o ciclista se movimenta levando consigo cerca de 10 kg, enquanto que, para transportar uma pessoa, o automóvel precisa gerar energia para mover uma tonelada. A bicicleta também é sustentável do ponto de vista econômico, social e até emocional”. E lamenta: “infelizmente, no Brasil, ainda não chegamos ao fundo do poço em termos de mobilidade urbana. Com o incentivo à compra de automóveis as cidades vão ficar ainda mais caóticas e poluídas. Precisamos de gestores que tenham visão de futuro e comecem a realizar políticas de desestímulo ao uso do automóvel e incentivo ao transporte coletivo – com energias limpas – e ao uso da bicicleta”.

Marcelo Sgarbossa possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, é mestre em Análise de Políticas Públicas pela Universidade de Turim, Itália, e doutorando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é corregedor geral da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) do Rio Grande do Sul e diretor do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS, de Porto Alegre (www.lappus.org). Advogado e professor universitário, Sgarbossa tem trajetória acadêmica e profissional marcada pelo estudo e militância em Direitos Humanos e Políticas Públicas. Integra o movimento Massa Crítica Porto Alegre, que incentiva o uso da bicicleta. Mais informações em http://massacriticapoa.wordpress.com/.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais os elementos que fazem da bicicleta um meio de transporte sustentável?

Marcelo Sgarbossa – A bicicleta é um meio de transporte sustentável por vários motivos. O principal talvez seja, além do não uso de combustíveis, o fato de ser o meio de transporte mais eficiente que existe: o ciclista se movimenta levando consigo cerca de 10 kg, enquanto que, para transportar uma pessoa, o automóvel precisa gerar energia para mover uma tonelada. A bicicleta também é sustentável do ponto de vista econômico, social e até emocional.

IHU On-Line – Qual o incentivo que os governos e as políticas públicas na área do transporte oferecem para o uso da bicicleta como meio de transporte?

Marcelo Sgarbossa – Os governos – e, portanto, as políticas públicas – estão voltados para a cultura “carrocêntrica”. Não é só no Brasil que isso ocorre. Ou seja, ter um carro é um símbolo de status social e pertencimento ao grupo que supostamente “venceu na vida”. Uma visão equivocada e que não combina com uma justiça da ocupação dos espaços públicos, tão necessária nos dias atuais. Em razão disso, as políticas públicas nesta área são pífias: as poucas ciclovias existentes são voltadas apenas para o lazer, revelando a ultrapassada concepção da bicicleta como um brinquedo. E onde as ciclovias não são para lazer, são feitas “para não atrapalhar os carros”. Ciclovias em cima das calçadas, ciclovias nos canteiros, e assim por diante.

IHU On-Line – Qual a segurança que os cidadãos brasileiros e gaúchos dispõem no trânsito quando se locomovem como ciclistas?

Marcelo Sgarbossa – Em termos percentuais, há poucos acidentes com ciclistas. Mas as pessoas não são números. A maioria dos motoristas respeitam os ciclistas, mas se apenas um desrespeitar, as consequências podem ser graves. Lei já existe: o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 201, exige que o motorista passe a, pelo menos, 1,5m de distância do ciclista. Eu não me sinto ameaçado quando ando no trânsito de Porto Alegre, mas isso é um sentimento individual, e não pode servir como regra geral. Lembrando que fui ciclista profissional de competição no passado, e por isso não sirvo como parâmetro, pois já me acostumei a andar no trânsito.

IHU On-Line – Em que ambientes o uso da bicicleta é mais recomendável e até viável?

Marcelo Sgarbossa – A lógica do compartilhamento da via é a correta. Nesse sentido, as ciclovias são um mal necessário, pois causam uma segregação. No contexto histórico atual, eu recomendaria o uso da bicicleta em ciclovias ou em grupos. Em alguns países há incentivo para as pessoas irem trabalhar de “bici”, combinando com outros colegas de trabalho. Isso já ocorre aqui em Porto Alegre, tornando o grupo mais visível e, portanto, mais seguro.

IHU On-Line – Como entender a cultura de fomento ao uso do automóvel aqui no Brasil?

Marcelo Sgarbossa – Há que se admitir que o automóvel é um bem maravilhoso. Eu tenho um e é muito útil em certos momentos. Mas procuro não utilizar no dia a dia. Ou seja, tenho usado o meu automóvel como exceção, não como regra. No Brasil, a ideia de velocidade esteve sempre associada com virilidade, riqueza, emoção. As mortes nas estradas e o sofrimento já deveriam ter sensibilizado os legisladores para restringir a todo tipo de imagem que traga esta falsa ideia de que velocidade é um bem. Uma vida baseada no fast food é uma vida infeliz. O lema da felicidade, hoje, deveria ser “trabalhe menos, com prazer e mais devagar – consuma menos, com prazer, e mais devagar, e viva melhor, com prazer e viva mais”.

IHU On-Line – Em que sentido podemos aprender com a experiência europeia de uso da bicicleta como meio de transporte?

Marcelo Sgarbossa – A Europa tem toda uma tradição com o uso da bicicleta. Mesmo assim, na Holanda, por exemplo, as ciclovias só foram feitas depois de muito ativismo, em especial de mães que tiveram seus filhos mortos no trânsito. Infelizmente, no Brasil, ainda não chegamos ao fundo do poço em termos de mobilidade urbana. Com o incentivo à compra de automóveis as cidades vão ficar ainda mais caóticas e poluídas. Precisamos de gestores que tenham visão de futuro e comecem a realizar políticas de desestímulo ao uso do automóvel e incentivo ao transporte coletivo – com energias limpas – e ao uso da bicicleta.

IHU On-Line – Quais as novidades do trabalho da Massa Crítica Porto Alegre? O que de mais rico e interessante o grupo tem conseguido realizar?

Marcelo Sgarbossa – A Massa Crítica é uma celebração da vida, da liberdade e da ocupação dos espaços públicos pelas pessoas. É maravilhoso poder pedalar por Porto Alegre num grupo de mais de mil pessoas. É como se você sentisse, ao menos uma vez por mês, ao menos por duas horas, que a cidade foi feita para as pessoas, não para as máquinas. Mas a Massa não é um movimento ou uma organização. Não há reuniões da Massa, líderes ou algo assim. O que há são associações de ciclistas como a Mobicidade e ciclistas militantes, os chamados “cicloativistas”, que lutam por direitos de todos e por uma nova visão de cidade. Estes grupos já conseguiram muitas coisas: ações judiciais em favor das ciclovias, cooperação com o Detran para políticas voltadas para o uso da bicicleta; cooperação para ensinar outras pessoas a andar de bicicleta (Escola da Bicicleta), cooperação para aprender a arrumar a própria bicicleta (Oficina Comunitária); acompanhamento de pessoas que têm medo de andar no trânsito (bicianjo); discussões sobre feminismo (As Cíclicas); pressão sobre os gestores para realização de políticas mais eficientes e adequadas e assim por diante. Mas é preciso lembrar sempre que, se a Massa é celebração, tem que celebrar. As festas organizadas por pessoas que participam da Massa Crítica são ótimas.

IHU On-Line – O senhor costuma usar a bicicleta em seu cotidiano? Em que situações?

Marcelo Sgarbossa – Sim, eu uso todos os dias, salvo quando chove ou tenho que carregar algo que a bici não comporta. Vou para o trabalho, dou aula na faculdade, vou ao Fórum. Enfim, sou mais feliz quando estou de bici.

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