Edição 398 | 13 Agosto 2012

A evolução pode explicar por que somos éticos

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Márcia Junges e Graziela Wolfart | Tradução Luís Marcos Sander

Na opinião do filósofo inglês Michael Ruse, as reivindicações éticas não passam de ilusões criadas pela seleção natural para nos tornar cooperadores

“Toda a teoria de Darwin trata da competição e da vitória de alguns organismos e da derrota de outros. Em meu modo de ver, isso é simplesmente a concepção de Adam Smith a respeito da economia inscrita no universo das plantas e dos animais”. A opinião é do filósofo inglês Michael Ruse, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Ele destaca que alguns de seus colegas evolucionistas, “os chamados novos ateístas, fazem de suas crenças na evolução, até certo ponto, uma religião. Eles creem que a evolução produz reivindicações morais (...). Fazem proselitismo com suas concepções e ficam extremamente amuados com as pessoas que não concordam com todos os pormenores; e, de modo geral, há uma emotividade que eu associo com a religião, e não com a ciência”. E Ruse continua: “não tenho dificuldade em separar a ciência e a fé. A questão que me interessa é se a fé é uma fonte confiável de informações sobre o que não se vê, como creem os cristãos, ou se é uma emoção enganosa, como acreditam pessoas não crentes como eu”. E conclui: “ao contrário de sermos a criação do sexto dia de um Deus bondoso, nós somos o processo final de uma luta longa, lenta e dolorosa pela existência que levou à seleção natural”.

Michael Ruse, filósofo inglês, é pesquisador da área da biologia. Ele escreve também sobre controvérsias envolvendo a sociobiologia e a psicologia evolucionista. Fundou o periódico Biology and Philosophy, tendo publicado numerosos livros e artigos, dentre os quais os mais recentes são Charles Darwin (Oxford: Blackwell, 2007); Cambridge Companion to the Origin of Species (Cambridge: Cambridge University Press, 2008); Reflections on the Origin of Species (com David Reznick. Princeton: Princeton University Press, 2008); e Science and Spirituality: Making Room for Faith in the Age of Science (Cambridge: Cambridge University Press, 2010). Em português, estão publicados seus livros Sociobiologia: senso ou contra-senso? (Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da USP, 1983); e Levando Darwin a sério – Uma abordagem naturalística da Filosofia (Belo Horizonte: Itatiaia, 1995). Atualmente é professor no Departamento de Filosofia da Florida State University. 

Confira a entrevista.


IHU On-Line – O que a evolução e a ética têm a dizer uma à outra?

Michael Ruse –
Penso que a evolução e a ética têm muito a dizer uma à outra. Não acho que se possam derivar reivindicações éticas – como ama teu próximo, por exemplo – da evolução. Nesse sentido concordo com Thomas Henry Huxley . Creio, entretanto, que a evolução pode explicar por que somos éticos. O fato é que o mecanismo darwiniano da seleção natural pode promover o ser social tanto quanto o estar em conflito. Muitas vezes, nesta vida, vale a pena trabalhar juntos, embora isso talvez implique alguns custos, como compartilhar, por exemplo. Portanto, não tenho problema em ligar a evolução e a ética. A questão fica interessante, penso eu, quando se pergunta se a evolução, em algum nível, enfraquece a objetividade da ética ou não. Eu afirmo que sim. Em minha opinião, as reivindicações éticas não passam de ilusões criadas pela seleção natural para nos tornar cooperadores. O que é peculiar em relação às reivindicações éticas é que nós pensamos que elas são objetivas. Quando digo que matar é errado, não estou simplesmente dizendo que eu acho que matar é errado. Estou dizendo que penso que matar é objetivamente errado. Acho que esse senso de objetividade também é ilusório e foi igualmente criado pela seleção natural. Se não pensássemos que a ética é objetiva, muito rapidamente deixaríamos de ser éticos. Mas, porque achamos que ela é, em algum sentido, vinculante, como a verdade da matemática, por exemplo, concordamos com ela.


IHU On-Line – Por que afirma que a evolução é uma construção social? Nesse sentido, a evolução é uma religião? Por quê?

Michael Ruse –
O sentido em que penso que a evolução é uma construção social é que não creio que sem as concepções políticas e sociais da Inglaterra do século XVIII nós teríamos a teoria darwiniana da evolução assim como a entendemos agora. Toda a teoria de Darwin  trata da competição e da vitória de alguns organismos e da derrota de outros. Em meu modo de ver, isso é simplesmente a concepção de Adam Smith  a respeito da economia inscrita no universo das plantas e dos animais. Não creio que isso signifique que a teoria da evolução seja errada. Certamente não acho que alguém possa ser criacionista. O criacionismo é refutado pelos fatos de uma forma que não se aplica à teoria darwiniana. Mas não vejo por que não deveríamos ter abordagens alternativas da compreensão do passado. E eu até chegaria ao ponto de dizer que nosso interesse pelo passado é, em algum sentido, uma função da cultura. Os antigos gregos não tinham esse tipo de teoria da história. Nossa obsessão com o passado surgiu claramente com a ascensão do cristianismo, que deu tanta margem às narrativas dos judeus a respeito da criação.

Será que isso, em consequência, torna a evolução uma religião? Não penso que isso ocorra necessariamente. Sinto-me à vontade em dizer que os organismos foram produzidos por um longo e lento processo evolutivo, movido pela seleção natural. Não creio que qualquer compromisso de fé seja necessário para fazer esse tipo de afirmação. Entretanto, tendo a achar que alguns de meus colegas evolucionistas, os chamados novos ateístas, fazem de suas crenças na evolução, até certo ponto, uma religião. Eles creem que a evolução produz reivindicações morais que estão além e acima daquelas que admiti em minha resposta anterior. Fazem proselitismo com suas concepções e ficam extremamente amuados com as pessoas que não concordam com todos os pormenores; e, de modo geral, há uma emotividade que eu associo com a religião, e não com a ciência.


IHU On-Line – Tomando isso em consideração, um darwinista pode ser cristão? Por quê?

Michael Ruse –
Não penso que se possa ser um evolucionista darwiniano e aceitar uma leitura literal da Bíblia. Em outras palavras, não se pode crer que a Terra tenha só seis mil anos de idade, que todos os organismos foram produzidos milagrosamente, que Adão e Eva foram os primeiros humanos de modo singular e que, a uma certa altura depois disso, houve um dilúvio universal. Mas não creio que esse tipo de literalismo seja o cristianismo tradicional. Penso que, contanto que se esteja disposto a interpretar partes da Bíblia metaforicamente, não há de modo algum razão por que um darwiniano não deveria ser um cristão. Essa não é minha posição, mas minhas objeções ao cristianismo têm razões filosóficas e teológicas, e não científicas.

Não vejo nenhuma razão pela qual não se devesse sustentar a evolução e, ainda assim, supor que um Deus bondoso tenha criado tudo e esteja por trás de sua criação. Não vejo por que se devesse negar, por causa da evolução, que, em algum sentido, os seres humanos estejam profundamente maculados pelo pecado original e que Deus tenha enviado Jesus para nossa salvação. Não vejo por que não se devesse crer num além simplesmente porque se é evolucionista. Concordo que os milagres representam um certo problema para os cientistas em geral, mas, uma vez mais, se simplesmente se diz que Deus intervém em sua criação, não vejo realmente que os cientistas possam objetar em princípio. O cientista talvez diga que pensa que milagres são improváveis, mas é claro que já sabíamos disso antes.


IHU On-Line – Como podemos compreender o debate proposto pelo neoateísmo de Dawkins em termos do rechaço à evolução e, também, à religião?

Michael Ruse –
Certamente não penso que Dawkins  rejeite a evolução. Na verdade, ele é um evolucionista darwiniano fanático. É a religião que Dawkins rejeita. Em parte, creio que ele faz isso pela razão equivocada de que a ciência e a religião não podem ser harmonizadas. Eu discordei dessa posição em minha última resposta. Entretanto, em parte, Dawkins também tem aversão à religião porque acha que ela tem consequências perniciosas em termos morais e sociais. Ele acha que a religião leva ao fanatismo, como, por exemplo, à destruição do World Trade Center por jovens muçulmanos. E ele vê nos Estados Unidos como a religião é usada contra as mulheres e os homossexuais, negando a elas o aborto e a eles a possibilidade do se casar e ter uma vida realizada. Assim, em certos aspectos, parece-me que a rejeição da religião por parte de Dawkins vem de uma fonte diferente da ciência. E, com efeito, em muitos aspectos eu simpatizo com a rejeição da religião por parte de Dawkins por essas razões. Onde me distingo dele é no sentido de pensar que a ciência necessariamente refuta a religião.


IHU On-Line – Até que ponto é legítimo e necessário contrapor fé e ciência?

Michael Ruse –
Certamente penso que a fé e a ciência são coisas diferentes. Reconheço que na ciência se têm pressupostos não fundamentados, como, por exemplo, de que o mundo no futuro será como o mundo presente e o mundo passado. Entretanto, eu não chamaria isso de compromisso de fé, e sim algo que se justifica por razões pragmáticas. Penso, entretanto, que pensar que Jesus Cristo é o salvador de toda a humanidade é algo que exige um compromisso de fé, assim como a crença de que ele tornou possível nossa salvação eterna.
Não sei como descrever a fé. Como não crente, tendo a pensar que se trata de uma questão de emoções e que, em última análise, elas são falaciosas ou enganosas. Mas, em qualquer uma das duas hipóteses, está claro que a fé não é algo idêntico à inferência ou experimentação científica. Pessoalmente, sou contrário à teologia natural, onde se tenta provar a existência de Deus através de provas e da razão. Acho que se mostrou que todos os argumentos tradicionais, como aquele baseado na finalidade [ou teleológico], são, na melhor das hipóteses, inadequados e, na pior, falaciosos. Mas é claro que grande parte da teologia contemporânea é exatamente da mesma opinião. Refiro-me particularmente à influente escola inaugurada por Karl Barth .

Acho que, se você é uma pessoa crente, a fé será central para sua posição. Nesse aspecto, é claro, concordo com os grandes teólogos católicos, como Tomás de Aquino, por exemplo. Portanto, não tenho dificuldade em separar a ciência e a fé. A questão que me interessa é se a fé é uma fonte confiável de informações sobre o que não se vê, como creem os cristãos, ou se é uma emoção enganosa, como acreditam pessoas não crentes como eu.


IHU On-Line – Em que medida a Teoria da Evolução coloca em xeque a causalidade linear? O que essa nova causalidade demonstra a respeito do surgimento da vida?

Michael Ruse –
De modo algum penso que a teoria da evolução coloque em xeque as ideias convencionais sobre a causalidade. Penso que tudo na teoria darwiniana da evolução funciona de acordo com os tipos de causas que encontramos na física e na química. É claro que ainda não resolvemos o problema do surgimento da própria vida, mas não vejo razão por que isso não houvesse de ser descoberto alguma vez, talvez até neste século. É só uma questão de construir modelos melhores e mais fortes e reforçá-los por meio de estudos empíricos. Eu deveria dizer, incidentalmente, que à medida que e quando descobrirmos como a vida surgiu naturalmente, penso que isso de modo algum terá quaisquer implicações para as crenças religiosas. Se Deus quis criar a vida naturalmente e não através de milagres, isso é assunto dele, e não nosso. Como Deus diz a Jó, meus caminhos não são os vossos caminhos.


IHU On-Line – Como as teorias de Darwin podem nos auxiliar a compreender a evolução da complexidade?

Michael Ruse –
Penso que a teoria darwiniana da evolução sugere que a complexidade irá ocorrer porque, muitas vezes, adaptações sofisticadas são mais eficazes do que adaptações simples. Mas isso não é necessariamente assim. Pensemos nos cérebros, que talvez sejam a coisa mais complexa de todas: muitas vezes eles são muito úteis, mas, ao mesmo tempo, exigem muita manutenção. Às vezes, é melhor ser simples e tolo do que ser complexo e inteligente. Essa é a mensagem essencial da teoria darwiniana da evolução. O que é bem-sucedido é o que é bem-sucedido, e o que é bem-sucedido numa situação pode não ser bem-sucedido em outra.

Assim, para ser sincero, sempre me sinto pouco à vontade quando as pessoas começam a falar sobre complexidade numa situação darwiniana. Em primeiro lugar, há a dificuldade de definir o que se quer dizer com “complexo”. Será que uma centopeia com 100 pernas é mais complexa do que um leão com quatro patas? Não necessariamente, em minha opinião. Será que um leão é mais complexo do que uma baleia? Certamente, de acordo com qualquer compreensão, a espinha vertebral do leão é bem mais complexa do que a de uma baleia. Ainda assim, a espinha vertebral de uma baleia é adaptada de forma ideal para um organismo que vive no mar e tem condições de nadar centenas de pés para baixo e encontrar alimento, o que nem os seres humanos nem os leões jamais poderiam fazer. Portanto, tenho problemas com a noção de complexidade em si. Então, o darwinismo fica muito pouco à vontade em relação a reivindicações de que a complexidade irá surgir ou tem de surgir. Até certo ponto, penso que toda essa questão é uma pseudoquestão ou uma questão ilusória.


IHU On-Line – Em que medida as ideias de Darwin provocam um descentramento do status antropocêntrico do qual nos investimos?

Michael Ruse –
Essa é uma pergunta muito boa. Num sentido importante, a teoria de Darwin de fato descentra o status supremo dos seres humanos. Como indicaram minhas respostas anteriores, não há nada de necessário no sucesso de uma espécie de organismo sobre outra. Os humanos são, obviamente, organismos muito sofisticados, mas nós precisamos de muita manutenção e, muitas vezes, os recursos não estão disponíveis. Em alguns aspectos, os insetos ou até os vírus são reprodutores melhores do que os seres humanos. Assim, essencialmente eu diria que a teoria darwiniana de fato descentra os seres humanos.

Entretanto, somos seres humanos. Por razões óbvias, estamos mais interessados em nós mesmos do que em outros organismos. Minha suspeita é que isso sempre será assim e que acharemos muito difícil não querer ver tudo, inclusive a evolução, a partir de nossa perspectiva. Assim, suspeito que sempre teremos essa tendência de pensar que a evolução existe primordialmente para produzir a humanidade. É claro que contribui para isso o fato, por exemplo, de que nós temos de ser o ponto final da evolução, pois do contrário estaríamos extintos e não perguntaríamos sobre essa questão do status. E obviamente nós temos condições de perguntar a respeito de nosso status de formas que outros organismos não têm. Mas se isso necessariamente nos torna melhores ou mais importantes me parece discutível. Portanto, eu diria que as teorias de Darwin de fato causam um descentramento, mas nós nunca vamos realmente acreditar que isso é assim.


IHU On-Line – Qual é a atualidade de A origem das espécies? Quais são os melhores motivos para que essa obra continue sendo lida, debatida e levada em consideração no século XXI?

Michael Ruse –
Bem, obviamente penso que A origem das espécies  é uma das grandes obras do cânone ocidental, e, por conseguinte, qualquer pessoa instruída deveria ter conhecimento a respeito dessa obra, de preferência por tê-la lido pessoalmente. Ela é, com efeito, um livro notavelmente fácil de ler, considerando que se trata de um clássico. Darwin se propôs deliberadamente a escrever um livro assim, e acho que ele conseguiu. Se Darwin tem razão, então, de certa maneira, isso tem a ver com a coisa mais importante que podemos saber a respeito de nós mesmos. Ao contrário de sermos a criação do sexto dia de um Deus bondoso, nós somos o processo final de uma luta longa, lenta e dolorosa pela existência que levou à seleção natural.

Não creio, como deixaram claro minhas respostas anteriores, que isso refute necessariamente a existência do Deus cristão. Mas certamente exige que repensemos fundamentalmente nosso lugar no universo e, se Deus existe, nosso relacionamento com ele. Não podemos mais crer no Adão e na Eva literais, e, por conseguinte, a concepção de Agostinho – que todos nós estamos maculados por causa da rebeldia efetiva de Adão – não é mais sustentável. Além disso, A origem das espécies foi muito influente cientificamente, e, como insistem os biólogos, nada na biologia faz sentido exceto à luz da evolução. Portanto, eu sustentaria que essa obra é de valor vital, e ela ainda tem muita vida e relevância para nós na atualidade, e que toda pessoa instruída deveria tê-la lido. Acho que toda pessoa instruída também deveria ter lido a Bíblia, mas essa é outra questão.


IHU On-Line – De forma equivocada A origem das espécies foi tida como obra principal para fundamentar doutrinas questionáveis e errôneas, como o darwinismo social. Como percebe a compreensão dessa obra em nossos dias? Continuam a haver mal entendidos em sua recepção?

Michael Ruse –
O darwinismo social, como percebem os cientistas atualmente, em muitos sentidos pouco deve ao pensamento do próprio Darwin, e muito mais a outras correntes de pensamento do século XIX. Em muitos sentidos, o verdadeiro progenitor do darwinismo social foi Herbert Spencer , compatriota de Darwin, e não o próprio Darwin.

É claro que parte do problema consiste na definição do que precisamente se entende por darwinismo social. Muitas pessoas creem que se trata apenas de uma competição implacável da luta pela existência, como se mostra, por exemplo, nos negócios, bem como em conflitos raciais (veja o caso de Adolf Hitler e os nazistas). Mas agora nos damos conta de que o darwinismo social é uma filosofia muito mais variada e rica. Assim como os cristãos creem em muitas coisas diferentes em nome do Senhor – alguns cristãos são pacifistas e outros, belicosos –, da mesma maneira os darwinianos sociais aparecem em muitos tipos ou formas. Constatamos que alguns darwinianos sociais, por exemplo, estavam muito preocupados em promover a harmonia e o amor entre os seres humanos. Pode-se pensar, nesse contexto, no príncipe russo Peter Kropotkin, o anarquista que promovia a ajuda mútua em nome de Darwin. E houve outros, como, por exemplo, Julian Huxley, neto de Thomas Henry Huxley, que promoveu projetos científicos de grande escala em nome de Darwin. Mais recentemente, temos o professor de Harvard Edward O. Wilson promovendo a biodiversidade e a necessidade de salvar as florestas tropicais brasileiras em nome de Darwin. Ele é da opinião que sem biodiversidade os seres humanos estão fadados a desaparecer e morrer e, portanto, em nome da evolução, nós deveríamos fazer algo em relação a isso.

Pessoalmente, não gosto muito de qualquer espécie de darwinismo social. Como disse em uma de minhas primeiras respostas, eu simplesmente não penso que se possam derivar reivindicações morais do pensamento evolutivo dessa maneira. Concordo com David Hume  de que não se pode passar de reivindicações referentes a questões de fato a reivindicações referentes a questões de obrigação moral. Assim, sou da opinião de que o darwinismo social fracassa. Entretanto, não se pode negar que ele foi um movimento social e filosófico muito influente nos últimos 150 anos. Por isso, deve-se levá-lo a sério. Só que é importante reconhecer que ele aparece em formas diferentes.

(Eu poderia acrescentar, entre parênteses, que, embora haja pessoas que sustentam que Hitler tirou suas ideias diretamente de Darwin, a maioria dos pesquisadores atualmente considera falaciosa essa conexão. É óbvio que Hitler hauriu, em algum sentido, da doutrina dos darwinianos sociais de seu passado, mas suas crenças raciais e reivindicações sobre a necessidade de espaço vital devem muito, se não mais ainda, a outros temas do pensamento do século XIX, particularmente temas prevalecentes na Alemanha a respeito da superioridade racial e doutrinas semelhantes. Não há, por exemplo, absolutamente nenhum antissemitismo em parte alguma dos escritos de Darwin. Contudo, como sabemos, o antissemitismo era um elemento importante na ideologia nazista. Portanto, a história é muito mais complexa do que a simples transmissão de ideias de uma pessoa para outra.)


IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Michael Ruse –
Acho que isso cobre praticamente tudo que eu gostaria de dizer. Obviamente, penso que a teoria darwiniana da evolução é uma das grandes conquistas da humanidade. Sempre fico desconcertado quando pessoas querem se opor a essa ideia em nome da religião. Parece-me que, se de fato somos feitos à imagem de Deus, então Santo Agostinho tinha razão e a principal marca desse fato é que temos inteligência e capacidade para entender o mundo maravilhoso em que vivemos. Se eu fosse cristão, compreenderia a teoria darwiniana da evolução como uma das ideias grandiosas de todos os tempos que refletem a criação gloriosa de Deus em toda a sua plenitude e seu mistério.

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