FECHAR
Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).
Graziela Wolfart
Apoiadora da proposta de extinção do Senado e filiada ao Partido dos Trabalhadores, a professora e cientista política Maria Victoria de Mesquita Benevides defende que a construção da democracia passa necessariamente pela ética na política. “Os fins não justificam os meios. Há décadas defendo a reforma política, cada vez mais relevante. Acredito que a adoção de formas de democracia direta e participativa poderiam reduzir os defeitos da representação, assim como modificações no sistema eleitoral poderiam aumentar a representatividade democrática. Defendo, ainda, o financiamento público das campanhas eleitorais. Tudo isso com regras claras e sob o controle da sociedade”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ela lamenta que “infelizmente, o povo não confia nos partidos e menos ainda na política. Isso é péssimo, porque mina a crença na atividade política como possibilidade de transformação e desenvolve apatia em relação ao bem público, assim como provoca, por exclusão, saídas individuais e não democráticas”.
Socióloga, com especialização no campo da Ciência Política e do Direito e em temas da História Política brasileira e da Educação, Maria Victoria Benevides realizou seus estudos universitários na PUC-Rio, nos Estados Unidos e na França. Tem mestrado, doutorado e livre-docência pela Universidade de São Paulo – USP. É professora aposentada da USP e autora de, entre outros, Desafios para a democracia no Brasil (Rio de Janeiro: CEDAC/Oikos, 2005) e A Comissão de Justiça e Paz de São Paulo: Da ditadura à democratização (São Paulo: Lettera.doc, 2009).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Existe ainda no Brasil a política de oligarquias e do patrimonialismo?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Sim. Ainda predomina na “cultura política” brasileira o poder oligárquico e a defesa de privilégios que perpetuam uma forma “naturalizada” de patrimonialismo. Portanto, não temos República nem democracia consolidadas. Mas ainda teremos.
IHU On-Line – Quais as diferenças entre alianças políticas e alianças eleitorais?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – As alianças políticas expressam (ou deveriam) afinidades programáticas, doutrinárias ou, quiçá, ideológicas. As eleitorais são apenas coligações de momento, visando, como diz o nome, a maximização de votos numa determinada eleição. A partilha do poder deveria valer só para as alianças políticas.
IHU On-Line – Quais os partidos políticos no Brasil, hoje, poderiam realmente fazer aliança política levando em conta sua trajetória ideológica?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Hoje é uma resposta difícil, porque a trajetória de alguns partidos mudou muito. Já tivemos alianças políticas que dividiam o espectro esquerda/direita e os centros. Hoje, esse quadro não tem mais nitidez.
IHU On-Line – Como a senhora avalia que o PT tem se posicionado em relação às alianças que vem estabelecendo desde o primeiro mandato do governo Lula?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Continuo filiada ao partido (em São Paulo, apoio a candidatura de Fernando Haddad) e acredito que o PT possa sair da crise, que se arrasta. Mas nunca concordei com o pragmatismo exagerado de certas alianças, seja para cortejar empresários, usineiros e banqueiros, seja para conseguir o apoio de “inimigos” como Collor, Sarney, Maluf, Jader Barbalho et caterva.
IHU On-Line – Em que sentido o PT mais mudou em relação à sua ideologia desde sua fundação até os dias atuais? Qual a influência das alianças nesse sentido?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Desde a vitória de Lula, a mudança pragmática vem ocorrendo em nome da prudência (medo, pelo exemplo do golpe contra o Allende ), e, depois, em nome da governabilidade, pelo apoio no Congresso. Compreendo esse pragmatismo, mas creio que Lula venceu e se reelegeu com tal popularidade que poderia voltar ao programa do partido, dos movimentos sociais, da militância mais aguerrida. Faço questão de afirmar, no entanto, que a atuação do governo Lula em relação aos direitos humanos, através da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, representa um formidável avanço democrático. Assim também a política externa.
IHU On-Line – Como a senhora se sente – como cidadã, cientista política e ex-presidente da Comissão de Ética Pública – em relação aos rumos da política representativa no Brasil hoje?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Continuo defendendo que a construção da democracia passa necessariamente pela ética na política. Os fins não justificam os meios. Há décadas defendo a reforma política, cada vez mais relevante. Acredito que a adoção de formas de democracia direta e participativa poderia reduzir os defeitos da representação, assim como modificações no sistema eleitoral poderiam aumentar a representatividade democrática. Defendo, ainda, o financiamento público das campanhas eleitorais. Tudo isso com regras claras e sob o controle da sociedade.
IHU On-Line – O que representa para a sociedade brasileira a realização do julgamento do mensalão? Algo mudará em relação à imagem da política para o povo brasileiro?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Não apostaria nessa hipótese. Infelizmente o povo não confia nos partidos e menos ainda na política. Isso é péssimo, porque mina a crença na atividade política como possibilidade de transformação e desenvolve apatia em relação ao bem público, assim como provoca, por exclusão, saídas individuais e não democráticas.
IHU On-Line – A senhora continua defendendo a extinção do Senado?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Sim. Concordo com a tese defendida pelo jurista Dalmo Dallari . Haverá, no entanto, a necessidade de rever os pisos para a eleição de deputados federais, eliminando as conhecidas distorções.
IHU On-Line – Percebe que, apesar do longo período de democracia existente no Brasil, continuamos com uma cultura política calcada no compadrio, no coronelismo e no clientelismo?
Maria Victoria de Mesquita Benevides – Sim. É muito difícil mudar uma cultura tão arraigada. Por isso, defendo várias formas de educação política. Nossa Escola de Governo é um microexemplo; mas já existem várias experiências de formação para a cidadania ativa, no sistema de ensino, nos sindicatos, nas ONGs, no nível local, etc. Para tanto, o acesso aos meios de comunicação e a atividade das redes sociais é fundamental. Conheço algumas experiências, com o entusiasmo de jovens, muito promissoras. Sou otimista, como dizia Gramsci: pessimista no diagnóstico, otimista na ação.