Edição 397 | 06 Agosto 2012

Digitalização e audiovisual alternativo: desafios e perspectivas

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Andres Kalikoske

A comunicação alternativa tem sofrido mudanças circunstanciais no Brasil desde o início dos anos 1980, quando o vídeo popular começou a ser difundido entre os movimentos sociais.

Ainda nessa década, registros de reivindicações, notadamente protagonizadas por sindicalistas engajados, começaram a constituir um padrão de produção que se distanciava do hegemônico, desde seu conteúdo até suas lógicas de propagação. Os chamados “sem tela” enfrentavam as mais diversas dificuldades, tais como deficiência organizacional de seus movimentos, ausência de capital para concorrer às concessões de emissoras de TV e falta de condições técnicas para produzir. Somado a tais fatores também estava a imagem polêmica dos movimentos sociais frente à opinião pública.

No âmbito do audiovisual, desde a popularização do vídeo até o advento da TV paga, algumas brechas garantiram a midiatização dos movimentos sociais. Um exemplo da segunda metade dos anos 1990 são os canais comunitários – em tese responsáveis pela difusão de questões não contempladas por grupos comunicacionais hegemônicos. Posteriormente, no início dos anos 2000, equipamentos digitais de captação de som e imagem colaboraram para o ampliamento da produção alternativa no Brasil. Nesse momento o cenário se altera completamente: o audiovisual torna-se acessível e possível de ser realizado por grupos alternativos, especialmente a partir de experimentações em universidades, escolas, associações de bairro, centros comunitários e organizações de níveis diversos. Assim, notadamente por seu conteúdo um padrão alternativo possibilitado a partir do paradigma digital começa a se constituir.


Padrões de produção audiovisual

Para uma melhor compreensão sobre os modelos de produção audiovisual, recorre-se a uma rápida genealogia acerca da noção de “padrão tecnoestético”. Em primeiro lugar, trata-se de uma terminologia cunhada pelo pesquisador francês Dominique Leroy a partir de sua observação sobre a adoção de estruturas tecnoeconômicas (desenvolvimento tecnológico) e socioeconômicas (recursos humanos especializados) empregadas para agregar unidade ao espetáculo teatral francês, no final da década de 1970. É Leroy quem concebe que a combinação de determinadas estéticas com certas estruturas econômicas passa a constituir sistemas tecnoestéticos integrados. Tal compreensão foi o ponto inicial para um desenvolvimento analítico do entrelaçamento entre tecnologia e estética no âmbito da Economia Política da Comunicação (EPC), especialmente entre pesquisadores brasileiros da primeira geração desta interdisciplina.

Assim, parte do pesquisador César Bolaño, em estudos realizados nos anos 1980, a correlação sobre as transformações concorrenciais vigentes no mercado brasileiro de televisão, especialmente a partir da década de 1970. Em suma, Bolaño atualiza e caracteriza o padrão tecnoestético como uma configuração de técnicas, formas, estratégias e determinações estruturais definidoras das normas de produção historicamente determinadas por uma empresa. Ainda, este padrão funcionaria como interface entre barreiras à entrada e poder simbólico, explicitando a fidelização de parte significativa dos telespectadores, transformada posteriormente em audiência passível de ser transacionada no mercado publicitário.


Possibilidades do alternativo

Com o advento da digitalização, pode ser produzido por indivíduos a partir de equipamentos não profissionais, e sua distribuição pode ocorrer via internet a fim de atingir usuários dos mais diversos níveis socioeconômicos e de diferentes faixas etárias. Sua produção envolve os seguintes elementos:

a) conteúdo social a partir da realização e veiculação de material que contenha dimensão libertadora, portanto diferenciando-se do sistema hegemônico, independentemente de tratar de questões políticas ou de outra ordem;

b) baixo custo, uma vez que se encoraja o usuário doméstico a controlar todas as fases de produção de maneira a poder ser desenvolvida por comunidades e organizações de segmentos diversos, otimizando recursos públicos envolvidos e buscando não excluir através de taxas de acesso;

c) múltiplas plataformas a partir de reconstruções e respostas dos usuários ao audiovisual originalmente produzido, que pode ocorrer a partir da produção de um novo audiovisual ou mesmo com o processamento coletivo do original em escolas ou comunidades, efetivando assim o debate do conteúdo;

d) produção descentralizada, a partir da disseminação do audiovisual entre agentes que tradicionalmente não integram esta cadeia de valor. Compreende-se que, para que isso possa ocorrer, é necessário financiamento, preparação dos usuários através de treinamento específico e utilização de plataformas amigáveis;

e) interação, estimulando a organização de debates nas comunidades, posteriormente a exibição dos conteúdos. Deve-se, portanto, ir além dos limites tecnológicos disponíveis cuja utilização também deve ser encorajada;

f) criatividade, incentivando o espírito inventivo do brasileiro não somente como resposta para as limitações técnicas, mas no conjunto das ações que envolvem a produção audiovisual (formato, recursos humanos, logística, cenografia locações, etc).

Assim, o padrão tecnoestético alternativo pode ser compreendido como o audiovisual que se afasta dos padrões hegemônicos. Por seu baixo custo, muitas vezes é sinônimo de produção caseira ou amadora, como as produções de usuários da internet, a partir de softwares gratuitos com plataformas amigáveis. Seus diversos formatos diferem-se esteticamente, com alto grau de experimentação e inovação. Contudo, para a efetivação de tais ações, considera-se necessária a participação do Estado em sua promoção a partir de leis e incentivos.

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