Edição 395 | 04 Junho 2012

A música na Semana de Arte Moderna: fluidez entre o erudito e o popular

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Thamiris Magalhães

A grande contribuição “moderna” para nossa música veio de outro universo não incorporado pelos escritores e artistas plásticos modernistas de São Paulo. Veio da música popular urbana, que tornou-se até hoje um legado para os músicos de todas as gerações, comenta Frederico Oliveira Coelho

“O principal legado musical deixado pela geração que participou da Semana foi a abertura do pensamento cultural brasileiro para as novas informações estéticas que circulavam no mundo e, ao mesmo tempo, a articulação dessas novas informações com uma musicalidade ligada aos valores do território nacional, ditas populares, seja no âmbito rural, seja no âmbito urbano”, analisa Frederico Oliveira Coelho, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. E completa: “Uma música em que a fronteira entre o erudito e o popular foi sendo cada vez mais fluida até chegarmos a uma música popular brasileira com nomes como Tom Jobim ou Egberto Gismonti, cuja obra pode ser localizada tanto no âmbito do consumo cultural de massas como no universo da música de orquestra”.

Frederico Oliveira Coelho possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestrado em História Social pela mesma Universidade e doutorado em Literatura Brasileira pela PUC-Rio. Entre 2001 e 2009 foi pesquisador do Núcleo de Estudos Musicais – NUM da Universidade Cândido Mendes e atualmente é pesquisador do Núcleo de Estudos de Literatura e Música – NELIM, da PUC-Rio. Em 2009, tornou-se curador-assistente de artes visuais do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM-RJ, onde ficou até julho de 2011. Desde março deste ano é professor dos cursos de Literatura e Artes Cênicas no Departamento de Letras da PUC-Rio.

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Que mudanças a Semana de Arte Moderna de 1922 trouxe para a música brasileira?

Frederico Oliveira Coelho – Direta e efetivamente, a Semana não trouxe nenhuma mudança substancial a partir da sua realização. Basta pensarmos, por exemplo, que não tiveram novas músicas compostas por Villa-Lobos para as apresentações no Municipal de São Paulo. O que ocorreu com a música brasileira nos anos após a Semana foi, em paralelo às outras artes, uma renovação de certas ideias relativas à incorporação de elementos ligados à cultura folclórica, o diálogo da música erudita de matriz europeia com a música popular feita nos centros urbanos, como o Choro e o Samba. 

IHU On-Line – Em que sentido a Semana de Arte Moderna influenciou movimentos posteriores, como o Tropicalismo e a Bossa Nova? 

Frederico Oliveira Coelho – A Semana e, principalmente, o Modernismo de 1922-1930 influenciaram movimentos culturais posteriores pelo seu caráter de fundadores de uma nova lógica cultural brasileira, aberta ao fluxo dos progressos estéticos de cada época, organizando-se como frentes coletivas de ação artística e, principalmente, garantindo uma memória da transformação cultural brasileira a partir do embate entre o “velho” e o “novo” na cultura e na sociedade. Tanto a Bossa Nova como o Tropicalismo, mesmo que a primeira não tenha nenhuma alusão direta ao movimento de 1922, nutriram-se desses princípios lançados pela Semana e o Modernismo.

IHU On-Line – Qual foi o sucesso da Semana de Arte Moderna?

Frederico Oliveira Coelho – Na sua época, ao menos no grande público, praticamente nenhum. Anos depois, ficou lentamente famosa entre os literatos do país pelo trabalho bem sucedido dos participantes do evento, principalmente nomes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Victor Brecheret e outros. Ao longo das décadas, passou momentos em que foi declarada sua morte até atingir grandes comemorações nacionais e governamentais no seu cinquentenário (1972). Assim, seu sucesso de hoje em dia foi paulatinamente sendo construído por memórias, debates e comemorações nos últimos noventa anos.

IHU On-Line – Quais foram os principais mentores na música durante o movimento? Quais eram seus principais anseios e o que eles de fato buscavam? Conseguiram? 

Frederico Oliveira Coelho – Como disse mais acima, a música não era para os escritores modernistas o principal esteio da Semana de Arte Moderna. Claro que nos anos seguintes Mário de Andrade, que já era professor de piano em 1922, se tornará um dos grandes nomes dos estudos musicais brasileiros, porém na época da Semana essa reflexão musical passava ao largo de suas preocupações. Guiomar Novaes  e Villa-Lobos não trouxeram nada de novo para o debate musical do momento e apenas o segundo se apresenta como um renovador após a Semana. Quando esses dois nomes mergulharam na busca de uma brasilidade na composição musical, outras informações e histórias já estavam ocorrendo em suas trajetórias e no país. Lembremos que, quando ocorre o Estado Novo entre 1937 e 1945, as concepções musicais – e políticas principalmente – de Mário de Andrade e Villa-Lobos se encontram em campos distintos. Portanto, a questão musical no Modernismo é bem difusa e, ao contrário da Literatura, não apresenta correntes de pensamento confluentes, manifestos coletivos ou programas de intervenção no campo da produção e da crítica – ao menos no primeiro momento posterior a 1922.

IHU On-Line – Qual o principal legado musical deixado durante a Semana e que perdura até os dias atuais?

Frederico Oliveira Coelho – O principal legado musical deixado pela geração que participou da Semana foi a abertura do pensamento cultural brasileiro para as novas informações estéticas que circulavam no mundo e, ao mesmo tempo, a articulação dessas novas informações com uma musicalidade ligada aos valores do território nacional, ditas populares, seja no âmbito rural, seja no âmbito urbano. Uma música em que a fronteira entre o erudito e o popular foi sendo cada vez mais fluida até chegarmos a uma música popular brasileira com nomes como Tom Jobim ou Egberto Gismonti, cuja obra pode ser localizada tanto no âmbito do consumo cultural de massas como no universo da música de orquestra.

IHU On-Line – Quais eram as peculiaridades da música durante o modernismo? Acredita que ainda há “algo de moderno” nas músicas brasileiras atuais? 

Frederico Oliveira Coelho – Como dito acima, não há grandes peculiaridades em uma música durante o Modernismo, pois esse processo foi mais longo. Além de Villa-Lobos, não há nomes ligados à Semana de Arte Moderna que podem ser pensados como renovadores da música brasileira. Mesmo assim, se pensarmos que a geração literária do Modernismo de 1922 é contemporânea da geração de Noel Rosa , Pixinguinha , Lamartine Babo , Ismael Silva , Braguinha, Orestes Barbosa e tantos outros, veremos que a grande contribuição “moderna” para nossa música veio de outro universo não incorporado pelos escritores e artistas plásticos modernistas de São Paulo. Veio da música popular urbana que a informação “moderna” se enraizou na cultura brasileira e tornou-se até hoje um legado para os músicos de todas as gerações. Vale lembrar que Villa-Lobos morava no Rio de Janeiro e seu convívio musical com rodas de choro e de samba foram fundamentais para a ampliação de suas ideias musicais. 

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