Edição 395 | 04 Junho 2012

Semana de Arte Moderna, mito fundador do modernismo brasileiro

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Thamiris Magalhães

Concebida para projetar a presença de São Paulo nas comemorações do centenário da Independência e para marcar uma data em nosso mundo cultural, a Semana de Arte Moderna tornou-se uma espécie de mito fundador do modernismo brasileiro, esclarece Marcos Augusto Gonçalves

“A Semana foi concebida para marcar uma data, lançar novas ideias, interferir no ambiente. Eram jovens artistas que queriam fazer sucesso”, admite Marcos Augusto Gonçalves, autor de 1922 – A Semana que não terminou, livro que está lançando por todo o Brasil, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. E completa: “É o que vemos na carta que Mário de Andrade escreve logo depois do evento para Menotti del Picchia dizendo: ‘conseguimos enfim o que desejávamos: celebridade’.” 

Com relação à imprensa, Marcos Augusto Gonçalves frisa que esta foi fundamental no lançamento do modernismo em São Paulo. “Menotti del Picchia, que era editor do Correio Paulistano, órgão oficial do governo do Estado, militou em prol do movimento sob o pseudônimo de Hélios nas páginas do jornal. Oswald até a Semana era basicamente um jornalista. Mário também escrevia para jornais e revistas.” Além disso, continua, “o jornalismo foi um dos palcos onde se encenou a modernidade, com o desenvolvimento da crônica, por exemplo, e de narrativas como as de João do Rio ou contribuições como as de Juó Bananere... Posteriormente, a imprensa continuou a ser um espaço importante para a crítica, os manifestos e a consagração do modernismo”. 

Marcos Augusto Gonçalves estudou literatura na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RJ e cursou o mestrado em Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Trabalhou para diversos veículos da imprensa brasileira. Foi editor da Ilustrada e do caderno Mais!, na Folha de S.Paulo, onde também exerceu o cargo de editor de Opinião. É autor, com Heloisa Buarque de Hollanda, de Cultura e participação nos anos 60 (Brasiliense, 1982) e organizador de Pós-tudo - 50 anos de cultura na Ilustrada (Publifolha, 2008).

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – De que maneira você define a Semana de Arte Moderna de 1922? Em que sentido ela contribuiu para a trajetória da literatura brasileira?

Marcos Augusto Gonçalves - A Semana foi um evento organizado por um grupo de escritores e artistas emergentes de São Paulo, com a presença de nomes de outras cidades, como Rio de Janeiro e Recife, além de alguns estrangeiros. O que seria anteriormente um salão a ser realizado numa livraria no centro da cidade, ideia de Di Cavalcanti , tornou-se uma semana de festivais no Teatro Municipal, o palco mais “chique” da cidade graças ao encontro desse “grupinho de intelectuais”, como dizia Mário de Andrade , com duas figuras já mais maduras – o escritor e diplomata Graça Aranha  e o cafeicultor, empresário, mecenas e historiador Paulo Prado . Concebida para projetar a presença de São Paulo nas comemorações do centenário da Independência e para marcar uma data em nosso mundo cultural, a Semana de Arte Moderna tornou-se uma espécie de mito fundador do modernismo brasileiro, um marco histórico. É claro que as origens do modernismo no Brasil são mais amplas e complexas, mas a Semana ficou como uma referência, uma data. 

Modernismo e a Semana

Não devemos confundi-la com o movimento de que fez parte, mais amplo e duradouro. O modernismo contribuiu para acertar os ponteiros de nossa literatura e das artes com o que se fazia na Europa e ao mesmo tempo incorporar com mais propriedade a temática brasileira. O modernismo deixou um legado de liberdade de pesquisa estética e a ideia interessantíssima da antropofagia como método cultural.     

IHU On-Line – É um mito afirmar que o Modernismo nasceu com a realização da Semana de Arte Moderna? Por quê? 

Marcos Augusto Gonçalves - Como disse, o modernismo é fruto de processos históricos mais diversificados e complexos, que não podem ser resumidos a um festival de arte e literatura.  

IHU On-Line – Como avalia o fato de muitas vezes a arte e a literatura dos anos que antecederam a Semana terem sido vistas como acadêmicas ou passadistas?

Marcos Augusto Gonçalves - O grupo modernista de São Paulo atuou durante um período como vanguarda, na tentativa de impor novos parâmetros para a produção cultural. A vanguarda atua de maneira muitas vezes autoritária e simplificadora. Uma das estratégias dos modernistas e de seus seguidores foi justamente considerar que uma nova arte nascia com o movimento e que o resto, com raras exceções, não passaria de manifestações ultrapassadas ou “passadistas” de uma arte e uma literatura sem interesse e presa a padrões acadêmicos. Certamente não era bem assim. Nem toda a arte pré 22 era acadêmica ou passadista. Depois criou-se uma outra categoria, também problemática, que é o “pré-modernismo”, uma outra maneira de enfiar no mesmo saco manifestações que não se encaixavam no programa modernista. 

IHU On-Line – O modernismo se beneficiou de alguma maneira da imprensa daquela época? De que maneira? Ela foi mais um evento midiático que cultural ou artístico? Até que ponto? 

Marcos Augusto Gonçalves - A imprensa foi fundamental no lançamento do modernismo em São Paulo. Menotti del Picchia, que era editor do Correio Paulistano, órgão oficial do governo do Estado, militou em prol do movimento sob o pseudônimo de Hélios nas páginas do jornal. Oswald  até a Semana era basicamente um jornalista. Mário também escrevia para jornais e revistas. Além disso, o jornalismo foi um dos palcos onde se encenou a modernidade, com o desenvolvimento da crônica, por exemplo, e de narrativas como as de João do Rio ou contribuições como as de Juó Bananere ... Posteriormente, a imprensa continuou a ser um espaço importante para a crítica, os manifestos e a consagração do modernismo. 

IHU On-Line – Em que sentido a Semana tornou-se uma espécie de parábola da criação da cultura moderna no país?

Marcos Augusto Gonçalves - No sentido de que se tornou um mito, uma narrativa sobre a fundação de um novo tempo e uma nova arte.

IHU On-Line – Acredita que houve fama e marketing durante a Semana? Em que sentido?

Marcos Augusto Gonçalves - A Semana foi concebida para marcar uma data, lançar novas ideias, interferir no ambiente. Eram jovens artistas que queriam fazer sucesso. É o que vemos na carta que Mário de Andrade escreve logo depois do evento para Menotti del Picchia dizendo: “conseguimos enfim o que desejávamos: celebridade”. 

IHU On-Line – Que surpresas você teve e que descobertas você traz em seu livro 1922 – A Semana que não terminou? Poderia explicar o porquê da escolha deste título?

Marcos Augusto Gonçalves - O livro tem muita informação e muitos fatos novos para quem conhece apenas a história padrão da Semana. É um relato jornalístico, que faz a crônica e conta episódios curiosos da vida daquelas pessoas, como a declaração de amor de Anita  a Mário de Andrade, que é tratada em cartas inéditas da artista ao poeta. O título foi uma brincadeira com o livro do Zuenir Ventura (1968 – O Ano que Não Terminou), meu mestre, que acabou ficando.  

IHU On-Line – De que maneira você aborda as visões dicotômicas do tipo avançados x atrasados, futuristas x passadistas, mocinhos x bandidos surgidas durante a Semana de Arte Moderna?  

Marcos Augusto Gonçalves - São polarizações esquemáticas, que acabam servindo para simplificar situações complexas.

IHU On-Line – Quem são, de fato, os grandes herdeiros do modernismo de 22? 

Marcos Augusto Gonçalves - Todos nós.

IHU On-Line – Em que sentido o modernismo tornou-se nossa escola oficial? 

Marcos Augusto Gonçalves - O modernismo foi encampado pelo Estado e construímos uma capital modernista!

IHU On-Line – De que maneira Anita Malfatti exerceu um papel aglutinador no movimento modernista? 

Marcos Augusto Gonçalves - Ela foi a pioneira. Quando fez sua exposição de pintura moderna, em 1917, Mário era um poeta careta e conservador e Oswald um autor de peças de teatro escritas em francês... A mostra de Anita teve o papel de reunir aquelas pessoas que não se conheciam ou se conheciam de orelhada e estimular mudanças.  

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição