Edição 394 | 28 Mai 2012

Canal 2 da Televisão de Moçambique: quando a carroça vai à frente dos bois

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João Miguel

No dia 8 de março de 2012 a Televisão de Moçambique – TVM lançou o segundo canal, a TVM2, pondo fim a um processo que vinha sendo anunciado muito tempo atrás. Ao olhar para a grade de programação atualmente disponibilizada e também para a conjuntura midiática que o país atravessa, relacionada à migração digital no setor televisivo, cria alguma sensação de não ter ocorrida no momento opotuno a chegada do novo canal.

O ato de lançamento da TVM2 contou com a presença do Presidente da República, Armando Emílio Guebuza. Na ocasião, o presidente do conselho de administração daquela empresa pública (PCA), Armindo Chavana, disse que o segundo canal tinha como função principal a divulgação de conteúdos econômicos, esportivos e de entretenimento. Ao assumir esse caráter a TVM2 distingue-se do tradicional e agora primeiro canal, a TVM1, que tem o caráter mais generalista, orientado, em tese, para atender às várias demandas da audiência. Em termos de cobertura, numa primeira fase, o novo canal está sendo usufruído pelos telespectadores de Maputo, num raio de 74 quilômetros. Outros emissores serão instalados nas cidades da Beira e Nampula. Olhando para a realidade dos processos anteriores de expansão de sinal, a cobertura dos 128 distritos levará muito tempo e muitas pessoas estarão excluídas das possibilidades trazidas pelo novo canal.

Outro aspecto que ficou bem evidenciado durante a apresentação do segundo canal é a sua orientação mercadológica. Segundo Chavana, a componente comercial passaria a ser devidamente potenciada, de modo a mobilizar recursos para a realização de projetos da instituição. Este posicionamento, em relação ao mercado, poderá agregar mais problemas aos concorrentes. No cenário anterior, com a presença apenas do tradicional canal da TVM, as operadoras do setor comercial tinham dificuldades em enfrentar aquele canal público.

No panorama midiático do país, a TVM, a Rádio Moçambique – RM e os jornais da Sociedade Notícias estão numa situação privilegiada, na medida em que as empresas públicas contam com o financiamento do Estado através do contrato assinado com o Ministério das Finanças. Por sua vez, a Sociedade Notícia conta com um acionista de causar inveja a qualquer empresa, o Banco de Moçambique, o banco central do país. Além dessa retaguarda segura ostentada por essas instituições, elas também disputam os anunciantes, que, no caso moçambicano, ainda são exíguos (os mais expressivos), diante da multiplicidade de instituições que atuam no campo da comunicação desde a abertura legal estabelecida pela Lei da Imprensa, que em Moçambique marcou o início da fase da multiplicidade da oferta.

O lema da TVM2 é televisão a dobrar e, segundo o PCA, ele carrega uma significação que tende a ressaltar a visibilidade que o canal irá emprestar aos clientes, na medida em que haverá mais espaços para a venda de produtos e marcas. Caso efetivamente se materializem as intenções institucionais da estação pública de imprimir maior agressividade em termos mercadológicos, haverá algum desconforto por parte das outras operadoras. Estas continuarão reclamando, como vem acontecendo, da concorrência desleal protagonizada por empresas públicas. Mesmo que a TVM2 não acrescente valor, em termos de conteúdo, sua entrada no mercado midiático significa mais um ator para partilhar o mesmo o bolo publicitário.

Passados mais de sessenta dias desde que o canal foi lançado, é importante ensaiar algum comentário sobre os conteúdos veiculados. Com uma programação de aproximadamente treze horas diárias, a TVM2 abre suas emissões às 11 horas e encerra a zero hora e, em alguns dias, o término da programação acontece um pouco depois da meia noite. Na semana observada, de 23 a 29 de abril, constatou-se que a grade de programação está recheada de reprises e de produtos que os telespectadores já conheciam no tradicional canal, agora TVM1. Na situação atual, o valor acrescentado pelo segundo canal ainda não é visível, tendo em consideração a novidade é escassa. A realidade parece não estar de acordo como o otimismo do PCA manifestado no ato da inauguração e também pelo Presidente da República, para quem a nova plataforma da TVM estará na vanguarda de difusão de conteúdos que enriqueçam o conhecimento dos moçambicanos, condição necessária para que haja no país mais e melhor informação para o desenvolvimento.

Ao olhar para o cenário atual do funcionamento da TVM2, alguns questionamentos são inevitáveis: havia realmente necessidade de se criar um segundo canal, mesmo constatando-se que o primeiro tem potencialidade a serem exploradas? Não seria o caso da TVM apostar primeiro na digitalização para, a partir daí, aproveitar os recursos da nova plataforma? Os cerca de dois milhões de dólares americanos investidos até então, segundo Chavana, não poderiam contribuir para a migração tecnológica que deverá consumar-se até 2015? Na possibilidade de se ter adquirido equipamento do sistema analógico não terá sido um desperdício, tendo em consideração que deverá ser substituído com a introdução da plataforma digital? Essas questões inquietam aqueles que têm prestado atenção na forma como as políticas de comunicação são encaminhadas em Moçambique. Em suma, está ficando evidente que houve alguma pressa em criar um novo canal.

 

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