Edição 394 | 28 Mai 2012

Um pensamento teológico com a marca da atualidade

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Graziela Wolfart e Luis Carlos Dalla Rosa

“Mais que o conteúdo do que Libânio tenha produzido, acredito que o que ele deixa como grande ensinamento ao fazer teológico é, em primeiro lugar, essa atenção constante ao presente”, destaca Geraldo De Mori

Na visão do teólogo Geraldo De Mori, um elemento importante do modo de fazer teologia de João Batista Libânio é a preocupação com a relevância da fé e da teologia para os homens e mulheres de nosso tempo. “Não adianta ter grandes e belas reflexões se estas não atingem o coração ou a busca dos que querem compreender melhor o que creem e, a partir daí, mudar o próprio jeito de ser, bem como o próprio agir no mundo”, defende. Na entrevista que aceitou conceder por e-mail para a IHU On-Line, De Mori aponta Libânio como fiel à sua atenção ao presente e também à busca contínua do sentido da Palavra de Deus para nossa atualidade. E considera ainda que a reflexão do Libânio dos anos 1980-1990 e de seus colegas da teologia da libertação continua atualíssima. “Precisaria ser não apenas revisitada como algo do passado, que cheira a mofo, mas como algo que permanentemente nos incomoda, desaloja e interrompe nosso pensar e agir para produzir algo novo, uma nova resposta, quem sabe mais ousada ou ‘louca’”.

Graduado em Filosofia e Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE, onde leciona atualmente, Geraldo De Mori é mestre e doutor em Teologia pelo Centre Sèvres, em Paris, com a tese Le temps: énigme des hommes, mystère de Dieu. Une poétique eucharistique du temps en contexte brésilien (Paris: Les Editions Du Cerf, 2006). É vice-diretor da Sociedade Brasileira de Teologia e Ciências da Religião – SOTER e um dos autores de Lavadeiras. Mulheres construindo um movimento (Salvador: Centro de Estudos e Ação Social, 1989). 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como é o professor Libânio em sua prática educativa na Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia – FAJE?

Geraldo De Mori – Eu e Libânio somos colegas no Departamento de Teologia da FAJE. Tive-o como professor de teologia fundamental e escatologia, quando aqui fiz meu bacharelado em teologia, entre os anos 1989-1992. Na mesma época ele era o diretor da Faculdade de Teologia. Sua prática de professor se caracteriza pelos seguintes traços: 1) clareza na apresentação dos conteúdos; 2) leveza e humor na forma de apresentá-los, o que faz com que suas aulas sejam sempre lugar de distensão, sem perder a seriedade e a agudeza dos temas apresentados; 3) excelente didática; 4) busca de sistematicidade do que é apresentado. A sistematicidade aparece nos esquemas que propõe para apreensão dos conteúdos oferecidos. A esses elementos de sua prática pedagógica há que acrescentar também os de acompanhante de estudos, seja na graduação, seja na pós-graduação. Libânio já orientou muitas monografias, dissertações e teses no Departamento de Teologia da FAJE, além de ter dado orientações a muitos alunos e alunas que o procuram de outras instituições. O caráter esquemático e sistemático de seu pensamento é de grande ajuda para os que buscam segurança nesse tipo de acompanhamento. Outro elemento que considero importantíssimo na prática do professor Libânio é seu contínuo interesse em estudar, o que se traduz nas muitas leituras que continuamente realiza, acompanhando assim o movimento do pensamento, o que é fundamental para quem ensina teologia.

IHU On-Line – Quais os grandes ensinamentos que brotam da experiência de Libânio como professor e teólogo?

Geraldo De Mori – Começo destacando alguns elementos de sua experiência de professor. Como dizia, Libânio mantém-se continuamente atualizado no campo da teologia e das ciências afins à teologia. Além dessa curiosidade permanente, que se traduz nas inúmeras recensões que escreve, ele tem a capacidade de utilizar-se do que lê de forma criativa, clara e sistemática, contribuindo, assim, não somente para a apresentação do que é produzido em várias partes do mundo em termos de teologia, mas também oferecendo uma reflexão própria, provocada pelo que leu, e questionando por sua vez o que recebeu. Não se trata apenas de um repetidor ou de um divulgador, pois o que propõe como pensamento possui sua marca.

A preocupação com a clareza e a sistematicidade é outro aspecto importante de sua docência e de seus escritos. Considero importante esse traço de sua experiência de professor, pois acredito que contribui para divulgar o pensamento teológico. Não é por acaso que Libânio seja um dos teólogos mais convidados para conferências e cursos em todas as partes do Brasil e mesmo do exterior. É impressionante a energia que possui, pois parece nunca se cansar, sempre disponível aos que buscam sua contribuição clara, sistemática e, sob muitos pontos de vista, nova, já que se atualiza continuamente.

Enquanto teólogo, penso que sua experiência mais interessante foi dada pelos vários “lugares” a partir dos quais sempre buscou e busca fazer teologia. Quando voltou ao Brasil, após sua tese em Roma, que coincidia com o período pós-conciliar, colocou-se ao serviço da Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB, não só escrevendo na Revista Convergência, mas também assessorando muitas congregações, que então viviam um verdadeiro momento de refundação. Esse período viu muitas dessas congregações se dirigirem aos meios populares. Foi um tempo de grande criatividade, que deu origem às Comunidades Eclesiais de Base, às pastorais sociais e a muitos movimentos de libertação. Libânio acompanhou muitos desses processos, participando em quase todos os Intereclesiais, oferecendo sua escritura límpida, clara e sistemática do que estava em curso. Esses dois “lugares” do seu fazer teológico eram indissociáveis de sua experiência pastoral, seja a do início, acompanhando grupos de jovens, seja as que se seguiram, acompanhando comunidades populares da periferia de Belo Horizonte, experiência que continua até hoje. É impressionante ver sua fidelidade ao trabalho pastoral direto. Onde quer que esteja dando conferências ou ministrando cursos, no sábado e no domingo está na paróquia N. Sra. de Lourdes, em Vespasiano-MG. Essa presença junto às forças vivas da Igreja e da pastoral não o deixa descolar da realidade. Como se isso não bastasse, há muitos anos escreve semanalmente em jornais de grande circulação da Igreja e outros, com sua reflexão aguda sobre distintos temas da realidade. Admirável essa capacidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo e essa preocupação em atingir vários tipos de público.

IHU On-Line – O que significa pensar e fazer teologia a partir de Libânio?

Geraldo De Mori – Mais que o conteúdo do que Libânio tenha produzido, acredito que o que ele deixa como grande ensinamento ao fazer teológico é, em primeiro lugar, essa atenção constante ao presente. Isso se traduz no esforço de atualização e estudo do que é produzido, por um lado. Por outro lado, traduz-se no esforço de escuta da realidade, que se dá pela participação no seio de movimentos e grupos que aportam algo de novo e vivo à Igreja – a vida religiosa no início de seu fazer teológico, as CEBs nos anos criativos da teologia da libertação, os diversos grupos e tendências atuais. Além dessa atenção ao presente, Libânio nos mostra também que o fazer teológico verdadeiro se faz à luz da Palavra de Deus e da Tradição constantemente revisitadas, auscultadas e rezadas. Como jesuíta, Libânio recebeu da grande tradição da Companhia de Jesus essa capacidade de escuta da Palavra, lida em Igreja e buscando iluminar seu peregrinar. Finalmente, um terceiro elemento importante do modo de fazer teologia de Libânio é a preocupação com a relevância da fé e da teologia para os homens e mulheres de nosso tempo. Não adianta ter grandes e belas reflexões se estas não atingem o coração ou a busca dos que querem compreender melhor o que creem e, a partir daí, mudar o próprio jeito de ser, bem como o próprio agir no mundo.

IHU On-Line – Como Libânio tem contribuído para a caminhada teológica brasileira, sobretudo pensando a atualidade?

Geraldo De Mori – Estamos comemorando os 50 anos de abertura do Concílio Vaticano II. Sem sombra de dúvida há que iniciar por sua divulgação e aprofundamento como primeira contribuição de Libânio à caminhada da teologia em nosso país. Como ele gosta sempre de dizer, quando voltou ao Brasil havia poucas pessoas formadas no espírito do Concílio, por isso, ele e vários de sua geração tiveram esse papel importante de recepção do Concílio. Sua capacidade enorme de leitura e síntese o tornou peça incontornável em outros momentos importantíssimos do pós-concílio em nosso país e continente. Como não lembrar o material que elaborou para os estudos do documento de Puebla, utilizados por tantos grupos e comunidades em todo o Brasil? Intimamente ligado a esse movimento há ainda que assinalar sua pertença ao grupo dos teólogos/as, pensadores/as e bispos da libertação, que se reúne há mais de 30 anos para partilhar e estudar o próprio rumo da teologia no Brasil e alhures. Desse grupo surgiu sem dúvida o que de melhor se produziu na teologia entre nós nas últimas décadas do século passado e, em parte, também no início desse século. Uma terceira contribuição de Libânio à teologia no Brasil é a fundação da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião – SOTER, da qual ele foi o primeiro presidente. Impressiona sua fidelidade a esta entidade, que se traduz nas presenças anuais em seus congressos. A essas contribuições há que acrescentar, enfim, algumas obras de maior envergadura que produziu, sobretudo no domínio da teologia fundamental. Acredito que o que nessas obras ele propõe é de grande qualidade teológica, que marcaram sua época.

IHU On-Line – A partir da atual realidade da Igreja, qual a importância do pensamento e da teologia de Libânio para o diálogo com a sociedade moderna e pós-moderna?

Geraldo De Mori – Nas últimas décadas, Libânio, fiel à sua atenção ao presente e também à busca contínua do sentido da Palavra de Deus para nossa atualidade, tem se voltado para muitos aspectos da assim chamada sociedade ou cultura pós-moderna. Um deles é a questão da religião e da religiosidade, sempre tão à flor da pele em nosso país, mas com novos perfis e questionamentos nas últimas décadas. O que significa nossa entrada nessa pluralidade de jeitos de crer? Como posicionar-se diante dessa efervescência de formas de situar-se diante do religioso, da religiosidade e da religião? Muitas das últimas obras de Libânio das últimas décadas tentam responder a essas questões. Outra questão de grande relevância para hoje, intimamente ligada a esta, diz respeito aos jovens. Libânio sempre teve uma grande preocupação em pensar a fé de forma antenada ao que é a tendência predominante no meio juvenil. Escreveu já várias obras com essa preocupação. Certamente esse público é o que mais experimenta os efeitos da pós-modernidade, seja nos comportamentos, seja na forma de pensar ou de crer. Há aí uma contribuição importante dada por Libânio para pensar essa questão. Finalmente, outro tema que tem detido a atenção de nosso teólogo belo-horizontino é a da chamada sociedade do conhecimento. Como a sociedade atual conhece o mundo, as coisas, as pessoas, Deus? A revolução informática ainda não mostrou todas as suas potencialidades, mas já tem levantado infinitas questões a pedagogos/as, filósofos/as, cientistas sociais e teólogos/as. Alguns dos últimos escritos de Libânio também exploram essa problemática. Certamente a questão primeira da teologia da libertação, os pobres, ainda não encontrou uma resposta definitiva ou uma solução satisfatória em nosso país e continente. Eles continuam aos milhares “incomodando” os “bem pensantes”, mesmo os que militaram antes ao seu lado e que hoje se acomodaram nos diversos aparelhos do Estado ou nas diversas instâncias de organização social. A reflexão do Libânio dos anos 1980-1990 e de seus colegas da teologia da libertação continua, por isso, atualíssima. Precisaria ser não apenas revisitada como algo do passado, que cheira a mofo, mas como algo que permanentemente nos incomoda, desaloja e interrompe nosso pensar e agir para produzir algo novo, uma nova resposta, quem sabe mais ousada ou “louca”, que, como a dos profetas do passado, continue lembrando que nunca poderemos “esquecer-nos dos pobres” (Gl 2,10). Certamente não podemos repetir esses nossos “pais” no fazer teológico. Nem seria conveniente, pois são “novos pobres” os que hoje circulam em nossas cidades e periferias; novo e diferente também é o mundo no qual irrompem. As respostas aos seus “clamores” precisam, por isso, de novos instrumentais teóricos, novos caminhos que contribuam para que o reino venha também e, sobretudo, para eles.

IHU On-Line – Gostaria acrescentar mais algum aspecto não perguntado?

Geraldo De Mori – Libânio é companheiro na comunidade jesuíta na qual vivo em Belo Horizonte. Não só se destaca pela solicitude em qualquer coisa que se pede dele, mas também pela presença discreta e amiga. Fico impressionado com sua capacidade de trabalho e estudo, combinada com sua contínua disponibilidade para tudo o que se pede a ele. Além disso, sabe cuidar de si, por uma atividade esportiva invejável (costuma nadar pelo menos três vezes por semana), e tem uma atenção linda para com os outros companheiros, sobretudo os idosos e enfermos (temos uma casa de saúde para jesuítas idosos, que recebe sua visita todos os dias em que se encontra na residência), e os jovens em formação (vivemos próximos de comunidades de formação, às quais sempre dispensa sua palavra de sabedoria quando solicitado).

Leia mais...

>> Geraldo De Mori já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Confira:

“Literatura: lugar de narrar Deus”. Entrevista publicada na IHU On-Line número 308, de 14-09-2009.

Ele também é autor dos Cadernos Teologia Pública número 11, intitulado A teologia em situação de pós-modernidade. 

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