Edição 394 | 28 Mai 2012

A junção da erudição, da simplicidade e da acolhida

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Graziela Wolfart e Luis Carlos Dalla Rosa

As marcas de Libânio que Maria Teresa Bustamante Teixeira destaca são o respeito à liberdade, sua capacidade de estimular a formação de uma visão crítica, sua opção e dedicação por captar os anseios dos pobres e sua contribuição para o desenvolvimento da Teologia da Libertação

Neste ano em que se celebra o 80º aniversário de João Batista Libânio, a médica Maria Teresa Bustamante Teixeira afirma que só pode agradecer pelos “momentos de eternidade” que Libânio, ao longo de todos esses anos, proporcionou. Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, ela completa que “seu testemunho de fé, suas reflexões sobre as implicações da fé cristã com sua exigência de engajamento aliadas às delícias de nos sentirmos acolhidos por um Deus Trindade, alicerçaram nossa crença”.

Maria Teresa Bustamante Teixeira possui graduação em Medicina, pela Escola de Ciências Médicas de Volta Redonda, mestrado e doutorado em Saúde Coletiva, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Atualmente é professora associada da Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisadora do Instituto Nacional de Câncer. É editora geral da Revista de APS e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva e do NATES/UFJF.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Como você conheceu Libânio? Qual o contexto da época?

Maria Teresa Bustamante Teixeira –
Por volta de 1968 e 1969, participávamos do Grupo Apolo, um grupo de jovens católicos com sede no Colégio Nossa Senhora do Rosário, em Volta Redonda, Rio de Janeiro. Este grupo teve sua origem no movimento Cursos de Juventude Cristã – CJC, ligado aos jesuítas, que realizava encontros para a juventude, principalmente em Belo Horizonte, Minas Gerais. Tínhamos reuniões de estudo e de celebração, ações de apoio aos pobres e atuávamos como dirigentes nos encontros do CJC. Libânio, recém-chegado ao Brasil, depois de completar sua formação na Europa, era um dos padres que acompanhavam este movimento. Imediatamente nos fascinou por sua erudição, simplicidade e acolhida. Lembro-me do nosso espanto ao descobrirmos que ele dominava 14 idiomas e nós, com dificuldades até para nominar que línguas seriam. Eram marcantes suas palestras sobre a “Opção Fundamental”, suas celebrações, seu despojamento e sua postura aberta para a discussão de todos os temas. O contexto político brasileiro era dos anos de chumbo, e nós ainda bem jovens para perceber esta realidade, tivemos a oportunidade de, aos poucos, conhecer e refletir sobre a situação brasileira, nosso papel de cidadãos e de cristãos neste mundo. Em meus 13 ou 14 anos, filha de família mineira com valores católicos tradicionais, a participação ativa neste grupo reforçou os valores éticos transmitidos por minha família, mas trouxe um elemento novo, uma visão mais crítica diante da realidade social, desafiando-nos a atuar como agentes de transformação desta sociedade, como exigência de nossa opção religiosa.


IHU On-Line – O que lhe fascina na vida e no pensamento de Libânio?

Maria Teresa Bustamante Teixeira –
Neste ano de tantas merecidas comemorações, ele nos disse que nunca esperou ou almejou isto. E nós, que tivemos este privilégio de viver sempre “rodeando” o Libânio, sabemos que é a pura verdade. Isso reflete seu espírito de missão, marcada por inteira dedicação a tantos grupos e causas. Nessa missão alguns valores se destacam como o respeito à liberdade, talvez o que mais me marca até hoje. E, claro, sua capacidade de estimular a formação de uma visão crítica, da opção e dedicação por captar os anseios dos pobres e de, como teólogo, contribuir, com a clareza que lhe é peculiar, para o desenvolvimento da Teologia da Libertação.


IHU On-Line – Sobre a dimensão da fé, o que você aprendeu com Libânio?

Maria Teresa Bustamante Teixeira –
Só posso agradecer pelos “momentos de eternidade” que Libânio, ao longo de todos esses anos, nos proporcionou. Seu testemunho de fé, suas reflexões sobre as implicações da fé cristã com sua exigência de engajamento aliadas às delícias de nos sentirmos acolhidos por um Deus Trindade, alicerçaram nossa crença.


IHU On-Line – Na qualidade de médica, como Libânio lhe influenciou na sua trajetória na
área de saúde coletiva?

Maria Teresa Bustamante Teixeira –
Tivemos a oportunidade maravilhosa de participar por um longo período de um grupo de jovens universitários, a “Tropa Maldita”. Tal grupo abrigou vários jovens, oriundos dos movimentos de juventude (CJC, TLC, Emaús) de diferentes cidades, que buscavam algo mais. Libânio sempre nos acompanhou. De 1973 a 1978 nos encontrávamos quatro vezes por ano, nos feriados de carnaval, semana santa, sete de setembro e quinze de novembro, a maioria das vezes no inspirador Seminário da Floresta, em Juiz de Fora. Para mim, coincidiu com o período do curso de Medicina e me presenteou com um espaço aberto de formação, onde sólidas relações de amizade (e mesmo conjugais) foram construídas. Tudo ao som de muita música de Vandré e Chico Buarque, da energia que brotava de nossos sonhos de transformação, das marcantes celebrações da Eucaristia, de muitas discussões e incursões pela filosofia, teologia, literatura e realidade social brasileira.
E Libânio sempre ali, por conta deste amor à liberdade, garantindo o protagonismo destes jovens universitários. Assim, a formação de todos nós (engenheiros, arquitetos, advogados, assistente sociais, filósofos, teólogos, médicos, educadores, sociólogos, economistas, jornalistas, etc.) se deu neste contexto interdisciplinar de forte inserção social.

Ainda estamos aqui! A “Tropa” se reuniu por muitas vezes e gerou a “Tropinha”, turmas mais jovens e depois nossos filhos e agora netos. Neste ano de celebração de nosso mestre, nos reunimos novamente no Seminário da Floresta. Que delícia! Tanta gente querida, tantas gerações e o Libânio conosco, com aquela alegria, simplicidade e as palavras que vão direto ao coração.


IHU On-Line – No ano em que Libânio celebra seus 80 anos de vida, o que gostaria de dizer a ele?

Maria Teresa Bustamante Teixeira –
Obrigada Lib, nosso mestre e companheiro de estrada! E quanta estrada... Aprendemos muito com você e pretendemos continuar desfrutando da sua presença entusiasmada e plena de sabedoria. Nossa tropa está aí!


Leia mais...

Maria Teresa Bustamante Teixeira já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Confira:

• Gestão e saúde coletiva. Entrevista publicada na IHU On-Line número 314, de 09-11-2009

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição